Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 122/97
Ofício ATL nº 107/11
Ref.: Ofício SGP-23 nº 2705/2011
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, na sessão de 2 de agosto de 2011, relativa ao Projeto de Lei nº 122/97, de autoria do Vereador Carlos Neder, que cria e institui o Programa Pró-Meninas.
A propositura, ao criar o referido programa, destinado a adolescentes do sexo feminino, com vivência de rua ou vítimas da exploração sexual, estabelece os objetivos de elaborar e implantar políticas públicas intersetoriais, articulando diversos serviços e programas; favorecer a adolescente em sua capacidade de tomar decisões; oferecer à jovem a oportunidade de reinserção social e retorno à convivência familiar e comunitária; garantir assistência integral à saúde às participantes do programa, com ênfase sobre a sexualidade, planejamento familiar, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, em especial a AIDS, e desenvolver alternativas de profissionalização e assistência para as jovens. Além disso, dispõe que as adolescentes em situação de grave risco social e pessoal terão a possibilidade de frequentar casas de passagem. Finalmente, determina o oferecimento de cursos de formação profissional e a concessão de ajuda de custo, nunca inferior a meio salário mínimo, às jovens que comprovarem freqüência a pelo menos 80% (oitenta por cento) das aulas do curso profissionalizante.
Em que pese o elevado intuito que norteou o seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, sendo indeclinável seu veto total, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
De início, observo que a Assistência Social, em sua concepção vigente, foi instituída pelo artigo 203 da Constituição Federal, devendo ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos, dentre outros, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, bem como o amparo às crianças e adolescentes carentes, contando também com a promoção da integração ao mercado de trabalho.
Na concretização desse comando constitucional, o artigo 204 da Carta Magna dispõe que as ações governamentais na área de assistência social serão organizadas com base nas diretrizes de descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social.
Na consecução desse dever jurídico, no âmbito local, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS segue as normas federais, consubstanciadas na Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social, bem como nas diretrizes da Política Nacional de Assistência Social/2004 e na Norma Operacional Básica/2005, e, assim, dá efetividade na Cidade de São Paulo ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS, destinado a garantir a proteção à população em vulnerabilidade e risco social, na qual se inclui o público alvo da propositura.
Dessa forma, de acordo com o princípio da descentralização do SUAS, por intermédio dos equipamentos públicos denominados Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, objetiva-se garantir ações vinculadas à matricialidade sociofamiliar, isto é, a manutenção ou recuperação dos vínculos familiares, bem como a inserção em programas de transferência de renda e demais serviços de âmbito socioassistencial, quando necessários. Conta-se, ainda, com outro equipamento, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, que articula, com as demais políticas públicas e instituições, o atendimento a pessoas sujeitas a riscos sociais ocasionados pela violação dos direitos em suas mais diversas expressões.
Além do atendimento psicossocial, os serviços realizam a prevenção na comunidade, mediante o mapeamento das situações de risco e/ou violação de direitos de crianças e adolescentes. Essas ações envolvem os diversos atores da região para que a rede de serviços possa trabalhar articuladamente, de modo a evitar a “revitimização” da criança ou adolescente e também de sua família.
Somado a esse cenário, SMADS, por intermédio de convênios com as entidades sociais, nos termos da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social, que estabeleceu a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, oferta uma diversidade de serviços dessa natureza para idosos, mulheres, adolescentes, crianças e pessoas com deficiência, objetivando também a prevenção ao risco, o atendimento às vítimas de violência sexual, bem como a capacitação profissional.
De tal modo, SMADS conta com unidades públicas e uma rede conveniada de serviços socioassistenciais, instaladas de forma capilarizada na Cidade de São Paulo, responsabilizando-se assim pelo atendimento às adolescentes com vulnerabilidade e risco social.
Em outro ângulo de ações, a Secretaria Municipal da Saúde, pela Coordenação da Atenção Básica, bem como por meio de todos os equipamentos de saúde, acolhe as vítimas de violência, com a notificação aos órgãos competentes e subsequentes encaminhamentos que se fizerem necessários.
De outra parte, a Área Técnica de Saúde Mental daquela Pasta da Saúde, desenvolve programa específico, denominado “Estratégia Saúde da Família Especial”, voltado a pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social. As equipes integrantes desse Programa trabalham com os temas sexualidade, planejamento familiar e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, com todos os indivíduos em situação de rua, principalmente as adolescentes e meninas com dependência de substâncias psicoativas. Desenvolve-se, também, um trabalho intersetorial com SMADS no sentido de encaminhamento dessas pessoas para abrigos e retorno ao convívio familiar.
Anote-se, ainda, a implantação no Município, em 2009, da Ação Integrada Centro Legal, que é uma ação do poder público realizada nesse local da Cidade, incluindo o território conhecido como “Cracolândia”, mediante a atuação das equipes em forma de abordagem das pessoas, visando formar um vínculo, para subsequente encaminhamento aos vários equipamentos, como, por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial e comunidades terapêuticas.
Portanto, decorridos catorze anos de sua apresentação, percebe-se um descompasso do projeto aprovado com a realidade atual, uma vez que a matéria de que cuida está totalmente disciplinada e integrada nos programas sociais desenvolvidos e em execução pelas Secretarias Municipais de Assistência e Desenvolvimento Social e da Saúde. De tal forma, encontra-se plenamente atendido o objetivo da propositura, não sendo o caso de ser criado um novo programa, em paralelo às ações governamentais já estruturadas.
Em conclusão, verifica-se que o cogitado programa, por alterar a forma pela qual a matéria vem sendo tratada, de modo a afetar concreta e diretamente as unidades de assistência social e de saúde do Município, com vistas à implantação da nova concepção preconizada pelo parlamentar, adentra em assunto situado no campo da organização administrativa, estabelecendo atribuições e encargos para a Administração Pública, assim invadindo a competência exclusiva do Prefeito, “ex vi” do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, e, pois, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.
Demais disso, a medida afigura-se contrária ao interesse público, visto acarretar a duplicidade de ações governamentais, ante a já existência de programas públicos destinados a idênticas finalidades, conforme acima evidenciado, devendo os recursos públicos, por essa razão, ser direcionados ao atendimento de outras demandas públicas igualmente importantes para a população paulistana.
Nessas condições, evidenciadas as razões que me levam a vetar integralmente o projeto aprovado, nos termos do § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
JOSÉ POLICE NETO
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo