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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 117/2007; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 117/07

OF ATL nº 14/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6255/2007

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 13 de dezembro de 2007, relativa ao Projeto de Lei nº 117/07, de autoria do Vereador João Antonio, que institui o Pró-Teatro – Programa Municipal de Fomento ao Teatro Amador Estudantil nas Escolas Municipais.

O projeto de lei, ao criar o supracitado programa, o vincula à Secretaria Municipal de Educação, incumbindo-a de determinar o percentual do orçamento da educação que deverá ser repassado às Associações de Pais e Mestres, gestoras e fiscalizadoras dos recursos financeiros a serem destinados a grupos teatrais para a criação e manutenção de cenários, vestimentas, textos, iluminação, sonoplastia, compra de materiais, instrumentos e objetos. Estabelece, ainda, que as Secretarias Municipais de Educação e de Cultura proverão a esses grupos o acesso à agenda dos teatros municipais situados nos Centros Educacionais Unificados – CEUs e nas Casas de Cultura, para a apresentação de seus trabalhos, devendo as escolas participantes do programa elaborar calendário de apresentações. Por fim, estipula que as duas Pastas estabelecerão regras para a realização de Festivais Municipal e Regional de Grupos de Teatro Amador Estudantil, incluindo premiações para diversas categorias, tanto de teatro adulto quanto infantil, a serem regulamentadas por SME.

O intuito da iniciativa é, sem dúvida, meritório, por valorizar a atividade teatral nas escolas, vez que o ato de dramatizar é inerente à natureza humana, como necessidade de compreender e representar a realidade.

A medida aprovada, todavia, acaba por interferir diretamente na autonomia das escolas, no tocante à definição de seu Projeto Político-Pedagógico, restando indeclinável seu veto total, nos termos das razões a seguir aduzidas.

Para melhor compreensão da questão, é mister examinar a legislação que rege a organização da educação nacional.

A Constituição Federal, cujos dispositivos relativos ao ensino acham-se disciplinados pela Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional – LDB, inovou a estrutura educacional brasileira, ao criar a possibilidade de os Municípios organizarem seu próprio sistema de ensino, entendido como o “conjunto de instituições de educação escolar – públicas e privadas –, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino – e de órgãos educacionais – administrativos e normativos –, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si como unidade, alicerçada em fins e valores comuns e garantida por normas elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo, e em constante interação com o meio em que se inserem”, conforme ensina Maria Timm Sari (“A Organização da Educação Nacional”, in Direito à Educação: uma Questão de Justiça”, Malheiros Editores, 2004).

Como componente primordial desse sistema, nos termos dos artigos 12 e 15 da LDB, foi assegurada aos estabelecimentos de ensino, respeitadas as regras comuns e as de seu sistema de ensino, a incumbência de elaborar e executar seu Projeto Político-Pedagógico, mediante “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

Assim, por força desse imperativo legal, vem sendo conferida às escolas municipais, gradativamente, a autonomia necessária para definir seu próprio Projeto Pedagógico, bem como os instrumentos que possibilitarão sua execução e os meios financeiros para a aquisição de materiais didáticos considerados adequados.

Compete, portanto, às unidades educacionais escolher as atividades de caráter pedagógico, os temas a serem tratados e a articulação com as demais áreas de conhecimento, como também administrar os recursos financeiros recebidos, de acordo com suas necessidades específicas, pelo que a imposição, a todas as escolas, de realizar o sobredito programa e adotar as ações e procedimentos estipulados no texto aprovado, não apenas configura clara ingerência nas atribuições legais desses órgãos, ferindo sua autonomia, como também conflita com os princípios norteadores da LDB.

O tema, ademais, por sua importância, já se acha contemplado na legislação educacional vigente, pois seu conteúdo integra a área de conhecimento referente à arte, estabelecendo o § 2º do artigo 26 da LDB que “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”, com a finalidade de propiciar o desenvolvimento do pensamento artístico, auxiliando o aluno a aprimorar a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação.

Para fins de organização dos conteúdos a serem trabalhados em arte, os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam quatro linguagens, a saber: artes visuais, dança, música e teatro, tratadas em dimensão mais ampla, abrangendo a possibilidade de percepção crítica da realidade e da cultura local, a dimensão social das manifestações artísticas como reveladoras de significados e valores sociais e individuais, e, ainda, a compreensão das concepções estéticas presentes na história das diferentes culturas e etnias. Tendo como indicador determinante o Projeto Político-Pedagógico de cada escola, o professor de arte pode optar por desenvolver os conteúdos incluindo todas as linguagens conjuntamente ou destacar uma delas.

O projeto de lei, porém, privilegia uma só das linguagens da arte, em detrimento das demais, que demandam tratamento igualitário no processo educacional, desconsiderando tanto a autonomia pedagógica da escola, quanto a do professor para elaborar e cumprir seu plano de trabalho de acordo com a proposta adotada pela escola.

Demais disso, a Secretaria Municipal de Educação já possui, integrando o Setor de Projetos Especiais, um “Roupeiro”, em que são disponibilizadas, para todas as escolas, vestimentas e adereços utilizados em seus diferentes eventos, incluindo-se as apresentações teatrais.

Resta, ainda, um último reparo a fazer, relativamente ao § 4º do artigo 1º da propositura, haja vista que, além de não existirem teatros municipais nas Casas de Cultura, estão elas subordinadas às Subprefeituras das respectivas regiões, as quais promovem sua programação sem qualquer ingerência da Secretaria Municipal de Cultura, motivos pelos quais nem SMC nem SME poderiam prover o acesso dos grupos teatrais à agenda desses equipamentos, na forma estabelecida pelo aludido dispositivo.

De todo o exposto, resulta patente que, ao interferir em atribuições próprias das unidades educacionais e da Administração Municipal, determinando, inclusive, a adoção de providências de grande monta, em virtude do número de escolas envolvidas, o projeto de lei dispõe sobre assunto vinculado à organização administrativa e à matéria orçamentária, cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, ao mesmo tempo em que incide em ilegalidade, por desatender preceitos e diretrizes da legislação federal que rege a educação nacional.

Destarte, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo