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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 113/2005; OFÍCIO DE 28 de Junho de 2005

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 113/05

Ofício ATL nº 127/05

Ref.: Ofício SGP 23 nº 1913/2005

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 113/05, de autoria da Vereadora Bispa Lenice, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 17 de maio de 2005, que dispõe sobre o Programa de Monitoria para Pré-escola, e dá outras providências.

Sem desmerecer os meritórios propósitos que, com certeza, guiaram sua autora, a medida não reúne as necessárias condições para sua conversão em lei, ante a inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões adiante expendidas, pelo que me vejo compelido a vetá-la totalmente, fazendo-o com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município.

A propositura visa a instituição do Programa de Monitoria para Pré-escola, a ser desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação. Referido programa, conforme o disposto no artigo 2º, consiste na seleção, treinamento e aproveitamento de estudantes da rede pública municipal, em idade entre 13 e 17 anos, regularmente matriculados nas sétima ou oitava séries do ensino fundamental, para atuarem junto às classes de pré-escola da mesma rede de ensino, em atividades auxiliares dos professores regentes.

É estabelecida uma carga horária de 15 (quinze) horas semanais – 3 (três) horas diárias – e jornada não-conflitante com o horário escolar do monitor e duração de 1 (um) semestre letivo. Além disso, poderá ser concedida bolsa-auxílio no valor de meio salário mínimo pela participação no programa, ficando a Prefeitura autorizada a celebrar convênio com instituições, entidades ou empresas privadas que queiram cobrir as despesas relativas à concessão de bolsa-auxílio, vale-transporte e alimentação.

Como se pode observar, não há dúvida de que se cuida de assunto atinente à organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária, cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 61, § 1º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo e com infringência ao princípio estabelecido no artigo 2º da Constituição da República, transposto para a órbita do Município de São Paulo, nos termos do artigo 6º de sua Lei Maior.

De outra parte, convém ressaltar que a implementação da propositura acarretará aumento de despesas de caráter continuado, sem a correspondente indicação dos respectivos recursos financeiros, encontrando-se em evidente descompasso com as normas impostas pela Lei Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), consoante preceituam seus artigos 16 e 17.

Demais disso, não há indicação da periodicidade do auxílio pecuniário a ser concedido aos adolescentes monitores – se mensal, semestral ou anual – tornando inaplicável referida disposição, eis que, em decorrência de sua incontornável imprecisão, não há como estimar seu impacto orçamentário-financeiro e, em conseqüência, planejar os gastos com as despesas assim geradas, daí a ilegalidade da qual, mais uma vez, padece o projeto, também à luz da precitada Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quanto ao mérito, melhor sorte não apresenta a proposta. O texto aprovado viola disposição constitucional e não atende às exigências impostas por legislação federal de caráter nacional e, de observância obrigatória por todos os entes integrantes da República Federativa do Brasil – União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, expressamente veda a realização de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (catorze) anos. No mesmo sentido dispõem a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), em seus artigos 403 e 60, respectivamente.

Além dos instrumentos legais mencionados, outras normas, quais sejam, a Resolução nº 69, de 15 de maio de 2001, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a Portaria nº 458, de 4 de outubro de 2001, da Secretaria do Estado de Assistência Social (SEAS) e o Decreto Federal nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002, proíbem a admissão a emprego ou trabalho do menor de 16 (dezesseis) anos, seguindo recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A propósito, este último decreto foi o instrumento legislativo responsável pela entrada em vigor no ordenamento jurídico brasileiro da Convenção nº 138 e da Resolução nº 146 da OIT, sobre a idade mínima de admissão ao emprego, cujos textos foram aprovados pelo Congresso Nacional.

A proposta também não esclarece se os menores desenvolveriam trabalho na condição de aprendizes ou se o programa caracteriza-se como social, tendo por base o trabalho educativo, nos termos do artigo 68 do ECA.

Se a intenção do legislador foi considerar tais jovens como aprendizes, deveriam ser observadas as disposições do Decreto Federal nº 31.546, de 6 de outubro de 1952, que dispõe sobre o conceito de empregado aprendiz e estabelece as regras mínimas para o contrato de aprendizagem do trabalhador maior de 14 (catorze) anos e menor de 18 (dezoito), admitido pelo regime celetista, obrigando o empregador a submete-lo à formação profissional metódica do ofício que exerça, consistente, normalmente, em atividade técnica profissionalizante na área da indústria e comércio, incompatível, portanto, com o trabalho de monitoria criado pela proposta.

Porém, se a intenção do legislador foi instituir um programa social com trabalho educativo, as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando na atividade laboral prevalecem sobre o aspecto produtivo. Nessa hipótese, deve-se salientar que não estão previstas as exigências pedagógicas na propositura. De qualquer forma estaria vedada a atividade laboral do menor de 14 (catorze) anos em razão do limite de idade estabelecido pelo artigo 60 do ECA.

Diga-se que, nos anos 80, eram muito incentivadas as iniciativas das próprias unidades escolares em instituir trabalhos de monitoria, por meio dos quais alunos auxiliavam professores das séries iniciais ou até de Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs vizinhas, sem remuneração. Após a edição do ECA, tais atividades foram abandonadas.

Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) passou a considerar a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, ampliando-se o trabalho da educação infantil com a elaboração de novas propostas pedagógicas para as crianças de 0 a 6 anos. Dentro dessa ótica, a formação dos profissionais que atuam na educação infantil mereceu atenção especial, dada a relevância de sua atuação como mediadores no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Tornou-se necessária uma qualificação específica para atuar na faixa etária de 0 a 6 anos, incluindo conhecimentos das bases científicas do desenvolvimento das crianças, da produção de aprendizagem e reflexão sobre a prática, de modo que esta se torne, cada vez mais, fonte de novos conhecimentos e habilidades na educação das crianças. Assim, em seu artigo 62, a LDB exigiu como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

De outro lado, o Plano Nacional de Educação aponta, ainda, para a necessidade de atualização permanente e o aprofundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na educação infantil, bem como a formação do pessoal auxiliar.

Como se vê, considerando que a propositura em tela prevê a utilização de alunos que ainda não concluíram o ensino fundamental, e que, nesse contexto, seriam membros da equipe auxiliar, essa atividade conflitaria com os dispositivos legais educacionais em vigor.

Diante do exposto, estando sobejamente demonstradas as razões que me conduzem apor veto integral à medida aprovada, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis que, com o costumeiro descortino, dignar-se-á a reexamina-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

JOSÉ SERRA

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ROBERTO TRIPOLI

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo