Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 104/99
Ofício ATL nº 103/03
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0055/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 104/99, proposto pelo nobre Vereador Dalton Silvano, que dispõe sobre a instalação obrigatória de sinalização horizontal, vertical e/ou luminosa de orientação sobre o funcionamento de radares, fixos ou volantes, nas vias públicas da Cidade de São Paulo.
Não obstante os meritórios propósitos que certamente nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, pelo que vejo-me na contingência de vetar integralmente o texto aprovado, por sua manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, fazendo-o na conformidade das razões a seguir aduzidas.
Vê-se preliminarmente que a propositura é de natureza administrativa, própria do Executivo, porquanto determina a instalação obrigatória de sinalização de orientação aos motoristas sobre o funcionamento de radares nas vias da Cidade. Constitui, de outra parte, ingerência em atividade qualificada como prestadora de serviço público, que assim é definido por Hely Lopes Meirelles:
“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.”
E, tratando do Município, complementa:
“Concluindo, podemos afirmar que serviços de competência municipal são todos aqueles que se enquadrem na atividade social reconhecida ao Município, segundo o critério da predominância de seu interesse em relação às outras entidades estatais. Salvo os antes mencionados, inútil será qualquer tentativa de enumeração exaustiva dos serviços locais, uma vez que a constante ampliação das funções municipais exige, dia a dia, novos serviços.” (“in” Direito Administrativo Brasileiro, 19ª edição, pág. 304).
Resta inequívoco, portanto, que a iniciativa da mensagem é privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, ocorrendo, na hipótese, vício de iniciativa, em desacordo com o princípio da independência e harmonia dos poderes.
Sem dúvida, o texto aprovado extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competência específica do Executivo, configurando violação ao citado princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local. Essa exclusividade de iniciativa do Executivo torna inconstitucional e ilegal a mensagem oriunda do Legislativo.
D’outra face, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16.
A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.
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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).
No que respeita ao mérito da mensagem, impende observar sua contrariedade ao interesse público, vez que o tema tratado já se encontra amplamente normatizado. Com efeito, a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, em seu Capítulo VII, artigos 80 a 90, cuida da sinalização do trânsito, com disposições específicas aplicáveis ao assunto objeto da proposta.
Embora a implantação, manutenção e operação do sistema de sinalização, bem com os dispositivos e os equipamentos de controle viário, na circunscrição do Município de São Paulo, integrem-se na sua esfera de competência, a teor do disposto no artigo 21, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro, as normas e especificações do sistema de sinalização incluem-se na órbita de atribuições do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, conforme artigo 80, § 1º, do CTB. E mais: cabe ao CONTRAN editar normas complementares no que se refere à interpretação, colocação e uso de sinalização (artigo 90, § 2º, CTB).
Nessa ordem, editou o CONTRAN a Resolução nº 141, de 3 de outubro de 2002, que dispõe sobre o uso, a localização, a instalação e a operação de aparelho, de equipamento ou de qualquer outro meio tecnológico para auxiliar na gestão do trânsito.
Mencionada Resolução, entre outros itens, reforça o caráter educativo da prática fiscalizatória por meio de radar ou outros equipamentos eletrônicos, como se denota na transcrição a seguir:
“Art. 6º. A utilização do aparelho, de equipamento ou de qualquer outro meio tecnológico para fins de comprovação de infração por excesso de velocidade somente poderá ocorrer em vias dotadas de sinalização vertical de regulamentação de velocidade máxima permitida e, sempre que possível, de sinalização horizontal indicando, também, a velocidade máxima permitida. (grifamos)
§ 1º. ............................................................................
§ 2º. ............................................................................
Art. 7º. É obrigatória a utilização, ao longo da via em que está instalado o aparelho, o equipamento ou qualquer outro meio tecnológico, da sinalização vertical de indicação educativa, informando a existência de fiscalização, bem como a associação dessa informação à placa de regulamentação de velocidade máxima permitida. (grifamos)
Como se pode observar, a legislação de trânsito em vigor, emitida pelo órgão competente, já dispõe sobre a matéria objeto da propositura em questão, sendo totalmente contrária ao interesse público a superveniente edição de norma legal que, mais uma vez, venha a dispor acerca do assunto já assim normatizado, tornando esparso e confuso o seu regramento no âmbito local, bem como dificultando sobremaneira a necessária ação fiscalizatória, em evidente detrimento do interesse maior na busca pela sua consolidação, consoante previsto na Lei Complementar Federal nº 95/98 (alterada pela Lei Complementar Federal nº 107/01), editada em obediência ao parágrafo único do artigo 59 da Constituição da República, segundo o qual as leis conexas ou afins devem ser reunidas, mediante sua integração em diplomas legais únicos relativos a temas específicos.
Nessas condições, estou impedida de acolher, na íntegra, o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que com seu elevado critério se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo