Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 102/06
OF. ATL nº142/09
Ref.: Ofício SGP-23 nº 03753/2009
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício em referência, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia da lei decretada por essa Egrégia Câmara nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 102/06, de autoria da Vereadora Claudete Alves, que cria o Museu do Carnaval Paulistano Geraldo Filme.
O texto estabelece que o cogitado museu deverá reunir, catalogar e expor as obras de entidades carnavalescas, contando a história de seu desenvolvimento cultural, econômico e social. Determina sua instalação no Polo Cultural Grande Otelo, no Parque Anhembi, com dependências para abrigar o Conselho Municipal do Samba e a Velha Guarda da Cidade de São Paulo, estabelecendo que as atribuições e composição do colegiado serão discutidas com a comunidade interessada e posteriormente transformadas em lei pelo Executivo. Além disso, também prevê a reserva, para a Velha Guarda de cada entidade carnavalesca, de um espaço gratuito, específico e privilegiado para o acompanhamento dos desfiles oficiais das escolas de samba.
Evidencia-se, desse rol de providências, que a propositura versa sobre matéria inapelavelmente atrelada à esfera de competência do Executivo, cuja iniciativa compete ao Prefeito, a teor do artigo 70, inciso XIV, da Lei Orgânica do Município, em razão de dispor a medida sobre a estrutura, a organização e o funcionamento da Administração Municipal, a qual, por sua vez, e de acordo com o artigo 80, II, da referida lei, compreende – além da administração direta – a administração indireta, integrada pelas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades dotadas de personalidade jurídica.
Ora, como a SPTuris – detentora do Complexo Anhembi e de suas áreas – é uma entidade integrante da administração indireta do Município, conclui-se, à luz dos citados dispositivos legais, que qualquer iniciativa que diga respeito à referida empresa é privativa do Poder Executivo Municipal, sob pena de ferir-se o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica local.
De outra parte, impende registrar, desde logo, que o “status” jurídico da SPTuris é o de uma sociedade anônima de capital aberto, cuja acionista majoritária é a Prefeitura do Município de São Paulo. Nessa condição, a SPTuris desenvolve atividades tipicamente comerciais, auferindo renda e objetivando o lucro e a subsistência da empresa. Essas atividades, de cunho nitidamente econômico, podem ser assim resumidas: cessão de áreas para eventos em geral, produção de eventos de terceiros, atividades privadas relacionadas ao turismo, bem como a exploração de estacionamentos, entre outras.
Enfim, voltada à exploração da atividade econômica, a SPTuris é mantida pela renda auferida na comercialização de suas atividades, não sendo o seu orçamento fixado por lei. Ou, por outras palavras: buscando o lucro e a sua própria subsistência, a SPTuris realiza suas atividades comerciais de forma concorrencial, isto é, competindo com várias outras empresas privadas do mesmo segmento, de forma tipicamente empresarial.
Em suma, e como decorrência lógica do exposto, tem-se que a empresa em pauta submete-se ao Direito Privado, bem como ao preceito constitucional da livre iniciativa. Nessa condição, pode-se afirmar que cabe exclusivamente aos seus administradores imprimir o uso comercialmente mais adequado a seus bens.
Efetivamente, se, de um lado, os bens das entidades paraestatais prestadoras de serviços públicos são bens públicos, eis que imprescindíveis à continuidade dos serviços, não podendo sofrer desvio da finalidade pública específica para a qual serão utilizados, o mesmo já não se pode dizer das entidades exploradoras de atividade econômica, como a SPTuris. A propósito, cite-se o Prof. Athos Gusmão Carneiro, mencionando decisão proferida pelo 1º TAC-SP, que assim tratou do tema:
“Ao ficar mencionado no parágrafo 1º do artigo 173 da Constituição Federal que a empresa pública e a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, certamente criou explicitamente uma espécie de desafetação do patrimônio público, para ser livremente manejado” (Sociedades de Economia Mista. Prestadoras de Serviços Públicos – Responsabilidade de seus bens. RT 749/142).
Nesse mesmo sentido é o entendimento da Secretaria dos Negócios Jurídicos da Prefeitura do Município de São Paulo, ao manifestar-se especificamente acerca dos bens imóveis da empresa, então denominada Anhembi, em parecer da Dra. Ilza Regina Defilippi Dias, emitido em 20 de agosto de 2002, resumindo a opinião doutrinária e jurisprudencial aplicável a tais bens:
“Em suma, esclareceu-se que, tratando-se de área integrante do patrimônio da Anhembi, evidentemente o imóvel não se confunde com a área pública municipal, cabendo a sua gerência e administração a esta pessoa jurídica de direito privado. À municipalidade caberá somente o exercício do poder de polícia e zelar pelo correto uso da propriedade, de conformidade com as limitações administrativas impostas a todos os imóveis urbanos” (Ofício nº 0406/02 – SJ.G).
Concluindo, pode-se afirmar que, em sendo – como de fato o é – uma sociedade que exerce atividade econômica, a SPTuris sujeita-se ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias – e isto por força de dispositivo constitucional já citado –, não podendo ser compelida pelo Poder Legislativo a dar uma destinação ou utilização específica aos seus bens.
Sob outra ótica de análise, observa-se que um museu é uma instituição que apresenta peculiaridades ímpares a serem consideradas para sua viabilização. Com efeito, nos termos do artigo 1º da Lei Federal nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus, “consideram-se museus, para os efeitos desta lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”.
Havendo museus de diversos tipos e características, há que se identificar a vocação da instituição museológica, bem como definir sua concepção e seus objetivos, previamente à sua criação. Nesse sentido, a citada Lei Federal nº 11.904, de 2009, em seu artigo 45, aborda tal questão em função do Plano Museológico, compreendido como ferramenta básica de planejamento estratégico visando o ordenamento e a priorização dos objetivos e das ações do equipamento cultural, contemplando diretrizes adequadas para sua implantação.
Para tanto, é imprescindível, a toda evidência, levar-se em conta a real existência de um acervo, isto é, os bens materiais de significativo interesse para preservação, ou seja, em outras palavras, os elementos que justifiquem a ideia subjacente à sua criação. Em seguida, deverão ser previstas as medidas concretas para efetiva execução do equipamento, com a designação de uma área física, consistente de construções ou espaços destinados para a exposição das coleções ou sua guarda, restauro e pesquisa (denominada reserva técnica). Além disso, é necessária a reserva de recursos para a implantação inicial, bem como viabilizar a demanda de atualização e continuidade dos projetos.
Forçoso concluir-se, também sob o aspecto técnico, pela impossibilidade de instituição do cogitado museu, uma vez que não estão presentes as condições que devem anteceder a criação de equipamentos da espécie.
Diante de todo o exposto, sou compelido a vetar integralmente o projeto de lei aprovado, por inconstitucionalidade e ilegalidade, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, devolvendo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo