Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 1012/97
Ofício A.T.L. Nº 065/00
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/228/2000, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em 20 de junho do corrente ano, de acordo com o inciso I do artigo 84 do Regimento Interno dessa Casa, relativa ao Projeto de Lei nº 1012/97.
De autoria do nobre Vereador Toninho Paiva, a propositura tem por objetivo obrigar a colocação, pelo Poder Público Municipal, de detectores de altura e placas de advertência constando a altura máxima do vão transitável de viadutos e pontes, bem como a colocação de placas ao longo da via pública, antes dos respectivos viadutos e pontes, advertindo de sua proximidade e da altura do respectivo vão transitável.
Em que pesem os meritórios propósitos que certamente inspiraram o nobre edil, o projeto não reúne condições de ser convertido em lei, à vista da manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público que apresenta, razão pela qual sou compelido a vetá-lo, na íntegra, nos termos do artigo 42, parágrafo 1º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
A matéria tratada na medida em exame diz respeito à regulamentação do trânsito.
Com efeito, a Constituição Federal atribui competência privativa à União para legislar sobre trânsito e transporte (artigo 22, inciso XI); e, aos Municípios, legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, inciso I).
Nessa esteira, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), confere ao Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN competência para regulamentar as normas nele previstas (artigo 12, inciso I), estabelecendo aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, no âmbito de sua circunscrição, competência para cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito de veículos, além de implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário, executando a fiscalização de trânsito, autuação e aplicação das medidas administrativas cabíveis (conforme artigo 24, incisos I, II, III e VI).
No âmbito do Município de São Paulo, a Lei Orgânica Local dispõe a esse respeito no artigo 179, “in verbis”:
“Ao Município compete organizar, prover, controlar e fiscalizar:
I – o trânsito no âmbito de seu território, inclusive impondo penalidades e cobrando multas ao infrator das normas sobre utilização do sistema viário, seus equipamentos e infra-estrutura;
.....................................”.
Verifica-se, pois, que o projeto em pauta, ao impor ao Município a obrigatoriedade definida em seu artigo 1º, interfere na execução dos serviços públicos e organização administrativa, matérias cuja iniciativa para legislar é privativa do Prefeito, conforme estabelece o artigo 37, parágrafo 2º, inciso IV da referida Lei Orgânica deste Município.
Dessa forma, a propositura revela-se inconstitucional e ilegal, eis que ofende o princípio assegurador da harmonia e independência entre os Poderes do Estado, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da mencionada Lei Maior desta Comuna.
Ressalte-se que, em recente parecer emitido em Projeto de Lei que dispunha sobre matéria semelhante, assim se pronunciou a Comissão de Constituição e Justiça dessa Casa, esgotando todos os aspectos da questão:
“De fato, a matéria insere-se no âmbito da regulamentação do trânsito, que é ‘o deslocamento de pessoas ou coisas (veículos ou animais) pelas vias de circulação’ (in “Direito Municipal Brasileiro”, 6ª ed., Ed. Malheiros, Pág. 318).
Embora a Carta Magna reserve privativamente à União a iniciativa de leis sobre trânsito e transporte (art. 22, XI), a própria Constituição Federal atribui ao Município competência para ordenar o trânsito urbano e o tráfego local, abrangendo o transporte coletivo, que são atividades de interesse local (art. 30, I e V).
O Código de Trânsito Brasileiro, Lei Federal nº 9.503/97, vai ao encontro do disposto na Constituição, ao declarar competir ‘aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais’ (art. 24, II, 1ª parte).
No entanto, a organização do trânsito constitui serviço público municipal, razão pela qual o projeto esbarra no art. 37, § 2º, IV, da Lei Orgânica do Município.
Mas ainda que assim não fosse, melhor sorte não teria a propositura.
Com efeito, não pode impor o Poder Legislativo ao Executivo que este tome tais ou quais medidas concretas, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes, constitu-cionalmente previsto (art. 2º da CF/88) e também constante da Lei Orgânica (art. 6º).
A questão, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial não levanta maiores dúvidas, conforme podemos notar.
Hely Lopes Meirelles, já suscitava que:
‘Atuando através das leis que elaborar e atos legislativos que editar, a Câmara ditará ao prefeito as normas gerais da Administração, sem chegar à prática administrativa. A propósito, têm decidido o STF e os Tribunais estaduais que é inconstitucional a deslocação do poder administrativo e regulamentar do Executivo para o Legislativo.
De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial’ (Direito Municipal Brasileiro, pág. 441/442, 7ª edição, Ed. Malheiros).
O Tribunal de Justiça de São Paulo em Acórdão de 15 de abril de 1998, proferido no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 42.051-0/0-00, tendo como requerente o Prefeito do Município de São Paulo e requerida esta Câmara Municipal, assim se manifestou:
‘E, induvidosamente, compete ao Prefeito a execução das obras e serviços públicos municipais em toda plenitude. Assim, tratando-se de atribuição típica da Administração a condução dos negócios públicos, o planejamento das obras e serviços, bem como a realização das atividades locais, não poderia haver interferência da Edilidade, ainda que através de Lei.
A Lei combatida traduz indevida ingerência na atuação do Prefeito e compromete, inclusive, suas funções, ao prever situações concretas e impor medias específicas de execução.
Clara a vulneração do princípio da independência e harmonia dos poderes.
Por outro lado, provoca a Lei em questão aumento de despesa pública, não evidenciado que as despesas constem de lei orçamentária em vigor.’
Por todo exposto, não pode impor o Legislativo ao Executivo a adoção de medidas concretas concernentes ao serviço (e obras) municipais sem ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/88 e art. 6º da Lei Orgânica do Município), bem como, constata-se vício quanto a iniciativa legislativa.
Assim sendo, somos
PELA INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE” (Parecer nº 895/99, sobre o Projeto de Lei nº 362/98, publicado no D.O.M. de 14.09.99).
Ademais, ao pronunciar-se sobre o projeto, por ocasião de sua publicação, a Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, constituída com o objetivo de planejar e implantar, nas vias e logradouros do Município, operação do sistema viário, com o fim de assegurar maior segurança e fluidez do trânsito e do tráfego (artigo 2º da Lei nº 8.394, de 28 de maio de 1976), esclareceu que a sinalização proposta já se encontra devidamente regulamentada no Anexo II do Código de Trânsito Brasileiro e na Resolução nº 599/82 do Conselho Nacional de Trânsito.
E, no que se refere aos detectores de altura, o DSV e a CET utilizam tais equipamentos com a finalidade de advertir os veículos sobre o excesso de altura, evitando a infração e os danos causados à estrutura e ao trânsito em geral.
A sinalização e os detectores têm sido colocados pela CET nos viadutos e pontes onde são mais freqüentes as ocorrências, especialmente naqueles que se encontram no início das avenidas marginais dos Rios Pinheiros e Tietê (saídas das Rodovias).
A colocação de detectores de altura e sinalização em todas as pontes e viadutos e ao longo das vias públicas que os antecede, configura medida desnecessária que implica elevado custo, além de sobrecarga visual absolutamente dispensável.
Assim, além dos aspectos jurídico-constitucionais inicialmente apontados, a medida mostra-se contrária ao interesse público, conforme exaustivamente demonstrado, razão pela qual vejo-me na contingência de não acolher o texto aprovado, vetando-o integralmente.
Com as considerações expendidas e restituindo a cópia autêntica de início referida, devolvo o assunto ao conhecimento dessa Colenda Casa de Leis, que se dignará deliberar em seu elevado critério.
Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.
CELSO PITTA
Prefeito
Ao Excelentíssimo
Senhor Armando Mellão Neto
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo