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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 4/2007; OFÍCIO DE 15 de Maio de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 04/07

OF. ATL nº 117/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 1727/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica do Projeto de Lei nº 04/07, de autoria do Vereador Paulo Fiorilo, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 9 de abril de 2008, que dispõe sobre a obrigatoriedade de contratação de adolescentes e jovens atendidos em medidas socioeducativas pelas empresas vencedoras de licitação pública no Município de São Paulo.

A propositura visa, em síntese, obrigar os órgãos da Administração Pública Municipal Direta e Indireta, a Câmara Municipal e o Tribunal de Contas do Município a exigir, das empresas vencedoras de licitações destinadas a prestação de serviços ou a execução de obras, a contratação de adolescentes e jovens que já foram atendidos em medidas socioeducativas de regime de privação de liberdade e de meio aberto, em número equivalente a 1% do pessoal alocado ou, no mínimo, a uma pessoa para o cumprimento de cada contrato, cujo objeto seja compatível com o processo de aprendizagem e profissionalização nos termos das Leis Federais nº 8.069/90 e 10.097/00. Define alguns critérios de seleção; prevê garantia de alimentação, transporte e acompanhamento psicológico, em ação articulada com as Secretarias Municipais do Trabalho e de Assistência e Desenvolvimento Social, às quais foi atribuída, também, a responsabilidade pela seleção dos candidatos às vagas, a partir da indicação de programas desenvolvidos por órgãos ou entidades executoras de Políticas Públicas, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com supervisão da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil.

Inicialmente, necessário se faz apontar que, ao compelir empresários e prestadores de serviço a contratar empregados de certa condição social que sejam encaminhados por Secretarias Municipais, o texto aprovado, além de legislar, de modo indireto, sobre direito do trabalho e emprego, invadindo competência privativa da União Federal, desatende o princípio da livre iniciativa, o qual a teor do artigo 170 da Constituição Federal, constitui um dos fundamentos de nossa ordem econômica, sendo vedado ao Estado interferir nos objetivos econômicos da esfera privada.

A ingerência do Poder Público na atividade econômica privada mostra-se ainda mais grave no caso do particular que, atendendo a todas as exigências contidas no edital de licitação, vence a competição e passa, a partir daí, a arcar com as despesas necessárias para a execução da obra ou serviço a que se propôs. Tem ele respaldo constitucional para exercer sua atividade e não pode sofrer a restrição em causa que, além do mais, não tem qualquer relação com o objeto contratado, contrariando o artigo 37, inciso XXI, da Carta Magna.

De acordo com esse preceito constitucional, o procedimento licitatório admite tão somente exigências referentes à qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Ou seja, as cláusulas previstas no edital de licitação devem se voltar única e exclusivamente a assegurar que o objeto seja cumprido de modo efetivo e eficiente. Qualquer outra condição que não atenda a essa finalidade caracteriza-se como ilegal, pois restritiva do universo de competição do certame. Nesse mesmo sentido é a regra constante do artigo 3º, § 1º, inciso I, da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações).

Como se vê, a Constituição Federal, ao instituir o princípio da exigência mínima para a qualificação técnica e econômica dos licitantes, proíbe ao legislador o acréscimo de matérias estranhas à licitação.

Em desarmonia com esse princípio, a obrigação prevista no texto aprovado visa utilizar o instrumento da licitação para a proteção de um valor social. O procedimento licitatório, todavia, foi criado exclusivamente para garantir à Administração as melhores condições possíveis de contratação no que se refere ao preço e à qualidade do objeto, podendo participar do certame todas as pessoas que reúnam as condições necessárias para a execução do objeto contratado. Nada mais do que isso.

A meta da Administração, ao contratar uma obra ou serviço, é concluí-la dentro do prazo e pelo custo pré-estabelecido, não havendo espaço para atrasos ou aumento de despesas por razões apartadas da natureza da própria obra ou serviço. Vincular a formalização do contrato à admissão de pessoas específicas em determinada situação social terminaria por impor ao licitante maiores custos, os quais, naturalmente, seriam considerados na composição do preço proposto. Tome-se, a título de exemplo, a empresa que conta com quadro de funcionários completo, aptos à efetivação da obra ou serviço. Teria ela de promover dispensas, sujeitando-se aos correspondentes encargos trabalhistas, para admitir pessoas sem experiência e treinamento e com os problemas decorrentes da situação peculiar em que se encontram.

A propósito, não se pode olvidar que, se o projeto viesse a ser convertido em lei, ao particular caberia responder civil e criminalmente por eventuais danos a terceiros e por acidentes de trabalho e, ainda, perante a Prefeitura, na hipótese de o objeto licitado não ser efetivado de modo satisfatório. Tais adversidades poderiam, inclusive, tornar o contrato antieconômico, tanto para o particular, quanto para a Prefeitura.

Merece, por fim, especial exame o dispositivo que atribui às Secretarias Municipais do Trabalho e de Assistência e Desenvolvimento Social a responsabilidade pelo cadastramento e seleção dos candidatos às vagas, a partir da indicação das entidades executoras dos programas de Políticas Públicas de Proteção, Garantia de Direitos e de Aprendizagem, com registro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (artigo 2º).

Tal dispositivo claramente extrapola o objetivo colimado pela propositura, qual seja, o de promover a inserção no mercado de trabalho das pessoas que especifica consideradas no seu universo, já que a contratação se restringiria às pessoas especialmente encaminhadas pelo Poder Público.

Pela redação da norma proposta, nota-se que a contratada não poderia sequer selecionar os jovens e adolescentes de acordo com os critérios por ela adotados tendo em vista o trabalho a ser executado. Ao contrário, estariam obrigadas a admitir pessoas que, por vezes, poderiam não atender os requisitos essenciais ao mister a ser desincumbido.

Sem dúvida, trata-se de sistema singular, em que, no âmbito de contratos genuinamente administrativos e, portanto, subordinados a regime especialíssimo em que o Estado participa com as cláusulas exorbitantes, haverá, por assim dizer, um outro contrato, cujo escopo é nitidamente a consecução de um programa social, em que as partes, ou melhor, neste caso as parceiras, deverão gerenciar ações dos programas setoriais de órgãos ou entidades executoras de Políticas Públicas de Proteção, Garantia de Direitos e de Aprendizagem, e todos os desdobramentos que advirão da inclusão, pelo regime celetista, ainda que na modalidade do artigo 428 do Estatuto Trabalhista, de jovens que passaram por medidas socioeducativas, em regime de privação de liberdade ou que estejam ainda nessa condição, em meio-aberto.

Não é difícil prever as dificuldades e as conseqüências inescrutáveis que serão impingidas aos serviços públicos, mesclando a gestão de dois objetivos que não se confundem quando tratados da forma proposta, envolvendo altíssima complexidade, pois que o contrato de trabalho desses jovens implica inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, bem como fiscalização sobre sua matrícula e freqüência na rede escolar.

Por fim, qualquer forma de interferência da Prefeitura na colocação de empregados pelo licitante contratado não se mostra consentânea com os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, considerando que indivíduos em idêntica situação poderiam vir a ser preteridos e, ainda, que a medida propiciaria, até mesmo, a prática de atos de improbidade administrativa consistentes, por exemplo, na obtenção de vínculo empregatício por pessoas determinadas e, quiçá, no atendimento de interesses outros dos servidores públicos e, inclusive, dos agentes políticos incumbidos do mencionado encaminhamento, o que, a toda evidência, não se pode admitir.

Pelo exposto, ante as razões apontadas que demonstram a inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público do projeto de lei aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo