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PUBLICAÇÃO SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO - SME/CME Nº 91.706 de 17 de Junho de 2004

PROTOCOLO CME 18/03 - ALUNO ESTRANGEIRO DE ENSINO FUNDAMENTAL SEM REGISTRO NACIONAL DE ESTRAGEIRO (RNE); PARECER CME 17/04.

PUBLICAÇÃO 91706/04 - CME/SME

Protocolo CME nº 18/03 (Protocolo SME nº 1600-11123/2003-2)

Interessada EMEF Infante Dom Henrique

Assunto : Alunos estrangeiros de ensino fundamental sem Registro Nacional de Estrangeiro (RNE)

Relator Conselheiro Artur Costa Neto

Parecer CME nº 17/04 - CNPAE - Aprovado em 27/05/04

I. RELATÓRIO

1. Histórico

Em 12 de agosto de 2003, a direção da EMEF Infante Dom Henrique encaminhou à Coordenadoria de Educação (CE) de Santana/Tucuruvi a relação de alunos estrangeiros, concluintes do ensino fundamental nos anos de 2000, 2001 e 2002, que não possuíam o Registro Nacional de Estrangeiros.

Em 18 de agosto, a Coordenadoria de Educação encaminhou o expediente ao Centro de Informática da Secretaria Municipal de Educação (SME), solicitando orientações quanto aos procedimentos necessários para a publicação de laudas de conclusão de curso desses alunos.

O Centro de Informática devolveu o expediente à CE, considerando tratar-se de caso semelhante ao analisado no Parecer CME nº 07/98 e recomendando o envio da relação desses alunos ao Ministério Público Estadual para fins de regularização jurídica dos mesmos.

Em face dessa orientação, a CE enviou o expediente à SME, em 17 de outubro, solicitando manifestação quanto à ratificação ou não do encaminhamento proposto pelo Centro de Informática.

Instada a manifestar-se, a Assistência Técnica (AT) de CONAE-G, em 30 de outubro, menciona e tece comentários a respeito das normas legais sobre o assunto:

. Lei Federal nº 6.845, de 19/08/80 - Lei dos Estrangeiros, alterada pela Lei Federal nº 6.964, de 09/12/81

. Parecer CEE nº 445/97

. Resolução SE nº 10, de 02/02/95

.Deliberação CEE nº 16/97, que dispõe sobre a matrícula de aluno estrangeiro no ensino fundamental e médio do sistema de ensino do Estado de São Paulo

.Parecer CME nº 07/98, que analisa a questão do aluno estrangeiro sem documentação legal.

A AT de CONAE-G conclui que, embora ambos os sistemas de ensino - municipal e estadual - permitam o acesso e a permanência na escola de alunos estrangeiros sem a documentação legal, há procedimentos divergentes quando da suspensão ou cancelamento da matrícula ou da conclusão do curso:

"Por força de entendimentos decorrentes dos preceitos legalmente instituídos, o Poder Público Municipal, na propositura de garantir ao aluno estrangeiro o acesso à educação nas escolas públicas, independentemente de documentação, vem procedendo regularmente à matrícula e, na conclusão, o encaminhamento da relação nominal ao Departamento de Polícia Federal (Parecer CME nº 07/98) .

"O Poder Público Estadual, mediante as normas legais prescritas e, no mesmo entendimento de garantia de acesso à educação e sob a ótica de impedir qualquer tipo de discriminação, efetua regularmente a matrícula do aluno estrangeiro, no entanto, sem a exigência de encaminhamento de relação de concluintes à instância específica de fiscalização, nos termos da Lei dos Estrangeiros (Resolução SE 10, de 2/2/97, Parecer CEE nº 445/97, Deliberação CEE nº 16/97)".

Tendo em vista essa divergência de interpretação ou de conduta, a AT de CONAE entende ser oportuna a manifestação deste Colegiado para dirimir dúvidas quanto aos procedimentos e tratamentos a serem dispensados ao aluno estrangeiro, particularmente no que se refere ao término e/ou interrupção de sua escolaridade.

2. Apreciação

Entendemos que a questão aqui exposta ultrapassa os meros limites burocrático-administrativos.

É uma questão que envolve direitos fundamentais do ser humano e nesse campo não há como tergiversar. É muito oportuno que este Conselho venha a se manifestar sobre este assunto de modo a assumir uma posição clara na defesa do pleno direito à educação e possa rever sua posição manifestada no Parecer CME nº 07/98.

a) O motivo da divergência

O que deu margem à divergência entre os Pareceres do CEE e do CME foi o pronunciamento da Procuradoria Geral do Estado, que assim se manifestou: "As crianças e adolescentes estrangeiros que estejam em situação irregular no país também têm direito à Educação. A eles não se aplica, portanto, o artigo 48, caput, da Lei dos Estrangeiros, que condiciona a matrícula de estrangeiro em estabelecimento de ensino brasileiro à prova de regularidade. Porém, nos termos do parágrafo único desse artigo, os estabelecimentos de ensino devem informar o Ministério da Justiça da matrícula do aluno estrangeiro, mesmo sendo ele criança ou adolescente." (transcrição da ementa ao Parecer PA - 3 nº 124/96)

Protocolo CME nº 18/03 Parecer CME nº 17/04

Este foi o entendimento adotado pelo Parecer CME nº 07/98, citado no histórico, com a exigência do encaminhamento da relação nominal ao Departamento de Polícia Federal.

Quando o Conselho Estadual de Educação assumiu posição divergente, baseou-se no parecer da Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Educação segundo a qual a mencionada Lei "foi tacitamente revogada por incompatibilidade, ficando inconsistente com os dispositivos constitucionais e legais hoje vigentes". (Parecer CEE nº 445/97, de 08/10/97).

A Lei Federal nº 6.845/80, alterada pela Lei nº 6.964/81, que define a situação jurídica de estrangeiro no Brasil, é anterior à Constituição Federal de 1988.

Não há dúvidas quanto à revogação tácita do "caput" do artigo 48, por ser discriminatório. Ora, da mesma maneira, também não há porque pairar dúvidas em relação à mesma revogação do seu parágrafo único, igualmente discriminatório e, portanto, contrário a toda legislação superveniente.

Sobre isto, é muito oportuna, a manifestação corajosa e bem ponderada da Conselheira Neide Cruz, do CEE/SP, citada no Parecer CEE nº 445/97:

"Uma vez aceita a tese de que a matrícula é o ato pelo qual se concretizam as garantias de igual acesso à educação e permanência na escola, qualquer exigência ou diferença de tratamento que não seja de caráter pedagógico, ou que não vise adaptar o aluno ao currículo estabelecido, não diz respeito à função que deve ser cumprida pela instituição escolar. A escola não deve ser um local onde os registros escolares ou a documentação de alunos sirvam de pretexto para qualquer tipo de controle ou fiscalização a ser exercida sobre seus pais, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. Exigir que as escolas comuniquem ao Ministério da Justiça as matrículas de alunos estrangeiros, bem como as alterações havidas em seus registros escolares, indica flagrante discriminação entre crianças e adolescentes brasileiros e estrangeiros".

A função da escola é educacional e pedagógica. A instituição escolar não pode ser usada com objetivos policiais, e muito menos, como disse o ilustre Dr. Belisário dos Santos Jr., representando a Comissão de Justiça e Paz, criando "um clima de terror entre pais, alunos, professores e diretores, com a exigência de elaboração de listas de alunos, notificação aos pais, delação ao Ministério da Justiça, tudo ao estilo dos anos negros da ditadura militar".

Esta página da nossa história precisa ser virada com a extirpação de todos os resquícios que ainda perduram em alguns ordenamentos jurídicos.

b) A legislação superveniente

É abundante a legislação que defende o pleno direito à educação sem qualquer discriminação.

A Constituição Federal (CF) de 1988, no Capítulo I artigo 5º, garante que:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade..."

A Constituição Federal estabelece, ainda, no artigo 6º:

"São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Esses direitos pertencem ao ser humano, independentemente de onde se encontre, e de ser brasileiro ou não. São direitos que precedem à situação de cidadania.

Foi assumindo esta posição que o Brasil assinou a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais em que os governos das Américas proclamam os princípios fundamentais que devem amparar os trabalhadores de todo gênero. Uma das frases deste documento é: "as finalidades do Estado não se cumprem apenas com o reconhecimento dos direitos do cidadão, mas também o Estado deve se preocupar pelo que aconteça a homens e mulheres considerados não como cidadãos, mas como pessoas".

Além da Constituição Federal, nossa lei maior, outras leis supervenientes à Lei do Estrangeiro, como o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA- (Lei Federal nº 8.069, de 13/07/90, alterado pela Lei Federal nº 10.764, de 12/11/03) e a LDB (Lei Federal nº 9.394/96), além da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de Jomtien, Tailândia, 1990, garantem a universalização do acesso à educação.

O artigo 53 do ECA determina:

"A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:

I- igualdade de acesso e permanência na escola;

II- direito de ser respeitado por seus educadores;"

Também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei Federal nº 9.394/96) não há nenhum tipo de restrição a alunos estrangeiros, sendo garantido, no artigo 3º, "a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola", em consonância com o artigo 206 da Constituição Federal.

Mais um documento assinado pelo Brasil que caminha na mesma defesa do direito à educação e na negação a qualquer discriminação é a Declaração de Jomtien. No artigo 3º, enfatiza: "1. A educação deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. 2. /.../ 3. A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo educativo. Os preceitos e estereótipos de qualquer natureza devem ser eliminados da educação".

Convictos da correção do posicionamento manifestado pela Conselheira Neide Cruz, e desejosos de agregar outro pensamento a esta mesma interpretação jurídica, consultamos, em 08 março pp, o Promotor Motauri Ciochetti de Souza, da Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital, que demonstrou total apoio ao nosso entendimento, com base na Constituição Federal, que não faz distinção de tratamento a ser dispensado ao brasileiro ou ao estrangeiro. Entende, também, o Promotor, que é perfeitamente legal garantir o direito à educação ao aluno estrangeiro, sem qualquer manifestação discriminatória ao Ministério da Justiça.

A Resolução SE nº 10/95, Deliberação CEE n° 16/97 e o Parecer CEE nº 445/97 já normatizaram esta questão no sistema estadual, com muita propriedade. Como muito bem ponderou CONAE - G, é de extrema conveniência que seja elucidada a divergência de procedimento por se tratar de escola pública e, acrescentamos, por ser de direito do ser humano.

c) Consideração final

Voltamos a dizer, ter sido muito oportuno este questionamento trazido ao CME para que afirmemos de modo categórico e enfático que é inadmissível qualquer discriminação a crianças, adolescentes e jovens no que se refere a seu direito à educação, cabendo à escola contribuir para esclarecer e orientar a família quanto aos procedimentos para regularização e garantia de seus direitos no país.

Como muito bem ponderou o CEE, exigir das escolas comunicação ao Ministério da Justiça indica discriminação entre crianças brasileiras e estrangeiras. É contraditório ao direito à educação, portanto, descabido e inaceitável.

Esta é uma das questões que entra dentro dos temas que Alípio Casali, Conselheiro desta Casa, considerou abrangido por Paulo Freire e sua ética da vida.

"A vida é para ser vivida e em abundância. A vida é para ser dita e, no dizê-la, compreendê-la e, no compreendê-la, poder transformá-la em mais-vida, poder desenvolvê-la em suas intermináveis possibilidades.

Esta é a ética da vida para Freire: converter vida negada em vida afirmada. Não por acaso a trajetória de seus escritos termina, pouco antes de sua morte, nesse extraordinário texto sobre o assassinato do índio Galdino, que permanece como seu testemunho final de vida, seu testamento ético: 'Se nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não da sua negação, não temos outro caminho senão o viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a serem sérios, justos e amorosos da vida e dos outros..'."

Com o orgulho e o reconhecido privilégio de termos tido Paulo Freire como nosso Secretário Municipal da Educação este CME reafirma: No sistema municipal de ensino de São Paulo, todas as crianças têm direito à educação, independentemente de sua situação legal. É dever do Estado matriculá-las, garantir-lhes o convívio educacional regular e, em caso de transferência, fornecer-lhes a documentação necessária e adequada à continuidade de estudos e, ao final do curso, conceder-lhes o respectivo histórico escolar e certificado de conclusão.

II. CONCLUSÃO

Diante do exposto e nos termos do presente Parecer, responda-se à direção da EMEF Infante Dom Henrique e à Secretaria Municipal de Educação que:

1. a educação é direito de todos, não cabendo à escola o papel de fiscalizador, portanto, não há mais que se exigir o encaminhamento ao Ministério da Justiça dos dados de identificação do aluno estrangeiro sem RNE;

2. cabe à escola contribuir para esclarecer e orientar, se solicitada pela família, quanto aos procedimentos para regularização e garantia de seus direitos no país;

3. o sistema municipal de ensino deve providenciar a publicação dos nomes de alunos concluintes de curso ou outro meio eficaz, para que o aluno estrangeiro, independente de sua situação legal, tenha assegurado seus direitos e, em caso de sua transferência, fornecer-lhe a documentação necessária e adequada à continuidade de estudos.

4. fica revogado o Parecer CME nº 07/98.

São Paulo, 13 de maio de 2004.

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Artur Costa Neto

Conselheiro Relator

III. DECISÃO DA CÂMARA DE NORMAS, PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

A Câmara de Normas, Planejamento e Avaliação Educacional adota como seu, o voto do Relator.

Presentes os Conselheiros Titulares: Artur Costa Neto, Rubens Barbosa de Camargo, José Augusto Dias e os Conselheiros Suplentes César Augusto Minto e Regina Mascarenhas Gonçalves de Oliveira.

Sala da Câmara de Normas, Planejamento e Avaliação Educacional, em 13 de maio de 2004.

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Rubens Barbosa de Camargo

Conselheiro Vice-Presidente no exercício da Presidência da CNPAE

IV. DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO

O Conselho Municipal de Educação aprova o presente Parecer.

Sala do Plenário, 27 de maio de 2004.

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José Augusto Dias

Conselheiro Presidente do CME