PUBLICAÇÃO 92103/2001
PROJETO ÉTICA E CIDADANIA
Conforme amplamente divulgado, o Projeto Ética e Cidadania, coordenado pela psicodramatista Marisa Greeb, ocorrerá no dia 21/3, no horário das 11h00 às 15h00 horas, simultaneamente, em diversos pontos dos 96 distritos de São Paulo. Este projeto mostra a importância da discussão participativa para a questão ética. Assim, por meio de psicodramas públicos, escutando a população, junto com os cidadãos, busca-se construir na cidade uma vida mais digna, saudável e gostosa de ser vivida. O momento presente pede uma outra ética, uma ética da inclusão. Todos precisamos participar da construção, de um outro modo de encarar a cidade onde moramos, nossa vida, ou seja, nosso mundo. Para a realização deste evento, sem dúvida nenhuma, milhares de pessoas se envolveram: psicodramatistas voluntários, servidores municipais e muitos cidadãos. Todos sonharam juntos e assim, o desejo torna-se realidade. A expectativa para o projeto foi tão grande, que foram oferecidos vários espaços para a realização do evento. Entretanto, neste momento, alguns deles não serão utilizados, não por falta de vontade de todos os envolvidos, mas pela dificuldade de se atender a esta enorme demanda. Fica aqui registrado o agradecimento aos responsáveis pela cessão destes espaços, esperando poder atender e contar com todos em uma nova oportunidade. Cabe esclarecer, ainda, que este evento não objetiva ser apenas um momento pontual. Assim, a partir do psicodrama público e da análise dos dados, serão desencadeadas outras ações : * Elaboração de cartilhas para orientação ao servidor municipal visando o comprimento ético de suas funções como também de sua defesa. * Elaboração de cartilhas sobre a responsabilidade e o compromisso do cidadão com a cidade onde mora. * Educação continuada para servidores municipais por meio de cursos e seminários. Como pode ser observado, estamos iniciando o processo de discussão participativa popular da ética na cidade e para tanto publicamos a seguir, alguns trechos do caderno organizado por Francisco Whitaker Ferreira e Marcos Camargo Campagnone "Ética - Você quer fazer algo para que as coisas mudem ?" para Fundação Prefeito Faria Lima - CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, que poderá subsidiar sua participação neste projeto que inicia-se agora.
1 - O que é ética?
A ética não se confunde com a moral. A moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural etc. Há morais específicas também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político... Há, portanto, muitas e diversas morais. Isto significa dizer que uma moral é um fenômeno social particular, que não tem compromisso com a universalidade, isto é, com o que é válido e de direito para todos os homens. Exceto quando atacada: justifica-se dizendo-se universal, supostamente válida para todos. Mas, então, todas e quaisquer normas morais são legítimas? Não deveria existir alguma forma de julgamento da validade das morais? Existe, e essa forma é o que chamamos de ética. A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teoria. A ética é um conjunto de princípios e disposições voltado para a ação, historicamente produzido, cujo objetivo é balizar as ações humanas. A ética existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude diante da vida cotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos acríticos da moral vigente. Mas a ética, tanto quanto a moral, não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética move-se, historicamente, amplia-se e adensa-se. Para entendermos como isso acontece na história da humanidade, basta lembrarmos que, um dia, a escravidão foi considerada "natural". Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justificação crítica universal e a ética, por sua vez, exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para reforçá-la ou transformá-la.
2 - Por que a ética é necessária e importante?
A ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões etc., a humanidade já teria se despedaçado até a autodestruição. Também é verdade que a ética não garante o progresso moral da humanidade. O fato de os seres humanos serem capazes de concordar minimamente entre si sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade da pessoa humana, cidadania plena, solidariedade etc., cria chances para que esses princípios possam vir a ser postos em prática, mas não garante o seu cumprimento. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela ONU (1948), é uma demonstração de o quanto a ética é necessária e importante. Mas a ética não basta como teoria, nem como princípios gerais acordados pelas nações, povos, religiões etc. Nem basta que as Constituições dos países reproduzam esses princípios (como a Constituição Brasileira o fez, em 1988). É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento. Isso traz uma consequência inevitável: frequentemente o exercício pleno da cidadania (ética) entra em colisão frontal com a moral vigente... Até porque a moral vigente, sob pressão dos interesses econômicos e de mercado, está sujeita a frequentes e graves degenerações. 3 - Por que se fala tanto em ética hoje no BrasiL?
Não só no Brasil se fala muito em ética, hoje. Mas temos motivos de sobra para nos preocuparmos com a ética no Brasil. O fato é que, em nosso Pais, assistimos a uma degradação moral acelerada, principalmente na política. Ou será que essa baixeza moral sempre existiu? Será que hoje ela está apenas vindo a público? Uma ou outra razão, ou ambas combinadas, são motivos suficientes para provocar uma reação ética dos cidadãos conscientes de sua cidadania. O tipo de desenvolvimento econômico vigente no Brasil tem gerado estrutural e sistematicamente situações práticas contrárias aos princípios éticos: gera desigualdades crescentes, gera injustiças, rompe laços de solidariedade, reduz ou extingue direitos, lança populações inteiras a condições de vida cada vez mais indignas. E tudo isso convive com situações escandalosas, como o enriquecimento ilícito de alguns, a impunidade de outros, a prosperidade da hipocrisia política de muitos etc. Afinal, a hipocrisia será de todos se todos não reagirem eticamente para fazer valer plenamente os direitos civis, políticos e sociais proclamados por nossa Constituição: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
4 - Por que e a quem a falta de ética prejudica?
A falta de ética mais prejudica a quem tem menos poder (menos poder econômico, menos poder cultural, menos poder político). A transgressão aos princípios éticos acontece sempre que há desigualdade e injustiças na forma de exercer o poder. Isso acentua ainda mais a desigualdade e a injustiça. A falta ou a quebra da ética significa a vitória da injustiça, da desigualdade, da indignidade, da discriminação. Os mais prejudicados são os mais pobres, os excluídos. A falta de ética prejudica o doente que compra remédios caros e falsos, prejudica a mulher, o idoso, o negro, o índio, recusados no mercado de trabalho ou nas oportunidades culturais; prejudica o trabalhador que tentar a vida política; prejudica os analfabetos no acesso aos bens econômicos e culturais; prejudica as pessoas com necessidades especiais (físicas ou mentais) a usufruir da vida social; prejudica com a discriminação e a humilhação os que não fazem a opção sexual esperada e induzida pela moral dominante etc. A atitude ética, ao contrário, é includente, tolerante e solidária: não apenas aceita, mas também valoriza e reforça a pluralidade e a diversidade, porque plural e diversa é a condição humana. A falta de ética instaura um estado de guerra e de desagregação, pela exclusão A falta de ética ameaça a humanidade.
5 - Em que e onde, no Brasil, está mais fazendo falta a ética?
A falta e a quebra da ética ameaça todos os setores e aspectos da vida e da cultura de um país. Mas não há como negar que, na vida política, a falta ou quebra da ética tem o efeito mais destruidor. Isto se dá porque o político deve ser um exemplo para a sociedade. A política é o ponto de equilíbrio de uma nação. Quando a política não realiza sua função, de ser a instância que faz valer a vontade e o interesse coletivo, rompe-se a confiabilidade e o tecido político e social do pais. O mesmo acontece quando a classe política apóia-se no poder público para fazer valer seus interesses privados. A multiplicação de escândalos políticos no Brasil só não é mais grave que uma de suas próprias consequências: a de converter-se em coisa banal, coisa natural e corriqueira, diante da qual os cidadãos sejam levados a concluir: "sempre foi assim, nada pode fazer isso mudar", ou coisa ainda pior: "ele rouba, mas faz". Do outro lado, uma vida política saudável, transparente, representativa, responsável, verdadeiramente democrática, ou seja, ética, tem o poder de alavancar a autoconfiança de um povo e reerguer um pais alquebrado e ameaçado pela desagregação.
6 - Por que a conduta de um agente público tem que se pautar pela ética?
Um agente público é um cidadão que assumiu a responsabilidade de realizar o interesse público. Não há responsabilidade histórica maior que essa: de fazer valer e realizar a vontade e o interesse coletivo. A idéia de "vida pública", "serviço público", "interesse público", tem sido uma idéia desgastada por nosso passado colonial, populista, autoritário-militar e pelo nosso presente neoliberal privatizante. O "público" em nossa história tem se realizado frequentemente como sinônimo de ineficiência, descaso, desleixo, baixa qualidade, trampolim para a realização de interesses privados etc. A "coisa pública" tem sido considerada aquilo que, por ser "de todos", é "de ninguém", e por isso pode ser apropriada, usada e abusada. A atual generalização da corrupção política tem levado essa crise do "público" ao limite. Nessas circunstâncias, torna-se muito maior a responsabilidade do agente público de agir eticamente. E torna-se mais urgente e trabalhosa a necessidade de se resgatar e restaurar a dignidade ética da vida pública.
7 - Por que a conduta de toda pessoa que exerçe alguma responsabillidade coletiva ou liderança social tem que se pautar pela ética?
As lideranças sociais têm um poder e uma responsabilidade decisiva de um ponto de vista ético. Nenhuma nação, povo, grupo social, pode realizar seu projeto histórico sem lideranças. A liderança social é o elemento de ligação entre os interesses do grupo social e as oportunidades históricas disponíveis para realizá-los. A responsabilidade ética da liderança, portanto, se pudesse ser medida, teria o tamanho e o peso dos direitos reunidos de todos aqueles que ela representa e lidera. As lideranças sociais têm uma tripla responsabilidade ética: institucional, pessoal e educacional. Institucional, porque devem cumprir fielmente e estritamente os deveres que lhes foram atribuídos. Pessoal, porque devem ser, cada uma delas, um exemplo de cidadania: justas, eticamente integras. Educacional, porque, além de serem um exemplo, devem dialogar com aqueles que elas lideram, de modo a ampliar a sua consciência política e a fazê-los crescer na cidadania. A incoerência ética do líder desqualifica sua liderança e coloca em risco o destino histórico do projeto de seu grupo.
8 - O que é um código de ética?
Um código de ética é um acordo explícito entre os membros de um grupo social: uma categoria profissional, um partido político, uma associação civil etc. Seu objetivo é explicitar como aquele grupo social, que o constitui, pensa e define sua própria identidade política e social; e como aquele grupo social se compromete a realizar seus objetivos particulares de um modo compatível com os princípios universais da ética. Um código de ética começa pela definição dos princípios que o fundamentam e se articula em torno de dois eixos de normas: direitos e deveres. Ao definir direitos, o código de ética cumpre a função de delimitar o perfil do seu grupo. Ao definir deveres, abre o grupo à universalidade Esta é a função principal de um código de ética. A definição de deveres deve ser tal que, por seu cumprimento, cada membro daquele grupo social realize o ideal de ser humano.
9 - Como deve ser formulado um código de ética?
O processo de produção de um código de ética deve ser ele mesmo já um exercício de ética. Caso contrário, nunca passará de um simples código moral defensivo de uma corporação. A formulação de um código de ética deve, pois, envolver intencionalmente todos os membros do grupo social que ele abrangerá e representará Isso exige um sistema ou processo de elaboração "de baixo para cima", do diverso ao unitário, construindo-se consensos progressivos, de tal modo que o resultado final seja reconhecido como representativo de todas as disposições morais e éticas do grupo. A elaboração de um código de ética, portanto, realiza-se como um processo ao mesmo tempo educativo no interior do próprio grupo. E deve resultar num produto tal que cumpra ele também uma função educativa e exemplar de cidadania diante dos demais grupos sociais e de todos os cidadãos.
10 - Quais os limites de um código de ética?
Um código de ética não tem força jurídica de lei universal. Mas deveria ter força simbólica para tal. Embora um código de ética possa prever sanções para os descumprimentos de seus dispositivos, estas sanções dependerão sempre da existência de uma legislação, que lhe é juridicamente superior, e por ela limitado. Por essa limitação, o código de ética é um instrumento frágil de regulação dos comportamentos de seus membros. Essa regulação só será ética se e quando o código de ética for uma convicção que venha do intimo das pessoas. Isso aumenta a responsabilidade do processo de elaboração do código de ética, para que ele tenha a força da legitimidade. Quanto mais democrático e participativo esse processo, maiores as chances de identificação dos membros do grupo com seu código de ética e, em consequência, maiores as chances de sua eficácia.
11 - Ética e exercício da função de prefeito(a).
O(a) prefeito(a) tem uma responsabilidade ética que é, em princípio, absoluta como a de qualquer outro cidadão. Mas, além disso, ela comporta uma responsabilidade adicional que é proporcional à importância econômica, política e cultural de seu Município na vida do Estado e do País. O(a) prefeito(a) deve comportar-se com absoluto respeito e cuidado pelo patrimônio econômico, político e cultural de seus cidadãos-munícipes Deve preservar e ampliar os valores construídos coletivamente em sua municipalidade. Deve cumprir o programa político para o qual foi eleito, sem limitar-se a ser apenas o(a) prefeito(a) de seus eleitores. Deve respeitar o Legislativo, cumprindo e fazendo cumprir as leis por ele produzidas, além de cumprir e fazer cumprir, dentro de sua alçada, as leis superiores do Estado e da União, mormente a Constituição. Mas a responsabilidade ética do(a) prefeito(a) não se esgota no cumprimento de seus deveres formais. É parte de sua responsabilidade ética cultivar um tal zelo por seu município que lhe permita perceber as suas potencialidades econômicas, políticas, sociais e culturais e empreender todos os esforços para realizá-las. E deve ser capaz de transmitir esse zelo a todos os seus munícipes. A corrupção é uma prática inaceitável, mais ainda no exercício de um cargo político. O(a) prefeito(a) deve ser um referencial ético para os cidadãos.
12 - Ética e exercício da função de vereador(a).
Os(as) vereadores(as) têm uma responsabilidade ética específica, por serem aqueles que determinam muito do que o(a) prefeito(a) pode ou deve fazer e por serem aqueles que fiscalizam a atuação do(a) prefeito(a). Devido a seus vínculos político-partidários, os(as) vereadores(as) devem, legitimamente, representar e fazer valer os interesses particulares emergentes daqueles que eles representam. Sua maior responsabilidade ética, entretanto, reside em não reduzir sua ação política legislativa a esses interesses corporativos, muito menos a interesses pessoais escusos. A responsabilidade ética dos(as) vereadores(as) permite a legitima disputa pela prevalência dos interesses que eles representam. Mas exige que eles sejam capazes de compatibilizar e submeter, em última instância, esses interesses aos interesses coletivos de toda a municipalidade. Cada lei deve ser a expressão da vontade majoritária dos munícipes ou o resultado de um pacto social entre todos eles. A corrupção é uma prática inaceitável, mais ainda no exercício de um mandato político. Os(as) vereadores(as) devem ser um referencial ético para os cidadãos.
13 - Ética e convivência humana.
Falar de ética é falar de convivência humana. São os problemas da convivência humana que geram o problema da ética. Há necessidade de ética porque os seres humanos não vivem isolados; e os seres humanos convivem não por escolha, mas por sua constituição vital. Há necessidade de ética porque há o outro ser humano. Mas o outro, para a ética, não é apenas o outro imediato, próximo, com quem convivo, ou com quem casualmente me deparo. O outro está presente também no futuro (temporalidade) e está presente em qualquer lugar, mesmo que distante (espacialidade). O princípio fundamental que constitui a ética é este: o outro é um sujeito de direitos e sua vida deve ser digna tanto quanto a minha deve ser O fundamento dos direitos e da dignidade do outro é a sua própria vida e a sua liberdade (possibilidade) de viver plenamente. As obrigações éticas da convivência humana devem pautar-se não apenas por aquilo que já temos, já realizamos, já somos, mas também por tudo aquilo que poderemos vir a ter, a realizar, a ser. As nossas possibilidades de ser são parte de nossos direitos e de nossos deveres. São parte da ética da convivência. A atitude ética é uma atitude de amor pela humanidade.
14 - Ética e justiça social.
A moral tradicional do liberalismo econômico e político acostumou-nos a pensar que o campo da ética é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada indivíduo. Nessa tradição, também, a organização do sistema econômico-político-jurídico seria uma coisa "neutra", "natural", e não uma construção consciente e deliberada dos homens em sociedade. Por isso acostumamo-nos a julgar que não seja parte de minha responsabilidade ética a situação do desempregado, do faminto, do que migrou por causa da seca, do que não teve êxito na escola etc., só porque esses males não foram produzidos por mim diretamente. Um sistema econômico-político-juridico que produz estruturalmente desigualdades, injustiças, discriminações, exclusões de direitos etc., e um sistema eticamente mau, por mais que seja legalmente (moralmente) constituído. Em consequência, pelo outro lado: o fato de existirem injustiças sociais obriga-me eticamente a agir de modo a contribuir para a sua superação.
15 - Ética e sistema econômico.
O sistema econômico é o fator mais determinante de toda a ordem (e desordem) social. É o principal gerador dos problemas, assim como das soluções éticas. O fato de o sistema econômico parecer ter vida própria, independente da vontade dos homens, contribui para ofuscar a responsabilidade ética dos que estão em seu comando. O sistema econômico mundial, do ponto de vista dos que o comandam, é uma vasta e complexa rede de hábitos consentidos e de compromissos reciprocamente assumidos, o que faz parecer que sua responsabilidade ética individual não exista. A globalização (falsa universalidade) do sistema econômico cria a ilusão de que ele seja legítimo. As multidões crescentes de desempregados, famintos e excluídos, entretanto, são a demonstração dessa ilusão. A moral dominante do sistema econômico diz que, pelo trabalho, qualquer indivíduo pode ter acesso à riqueza. A crítica econômica diz que a reprodução da miséria econômica é estrutural. A ética diz que, sendo assim, exigem-se transformações radicais e globais na estrutura do sistema econômico.
16 - Ética e meio ambiente.
A voracidade predatória do sistema econômico vigente o faz enxergar a natureza tão somente como fonte de matérias-primas para a produção de mercadorias. Com isso a natureza torna-se ela própria uma mercadoria. O trabalho é a ação humana que transforma a natureza para o homem. Mas para que o trabalho cumpra essa finalidade de sustentar e humanizar o homem, deve realizar-se de modo auto-sustentável para a natureza e para o homem. A voracidade predatória de nosso sistema econômico está rompendo perigosamente o equilíbrio de auto-sustentabilidade entre a natureza e o homem. Este é um dos problemas éticos mais radicais da nossa geração, pois ameaça a sobrevivência futura do planeta e da humanidade. Para se falar em dignidade da vida é preciso, antes, que haja vida. A moral dominante desse sistema econômico separa a natureza da cultura, e com isso desumaniza a natureza e desnaturaliza o homem. Preservar e cuidar da natureza é preservar e cuidar da humanidade, das gerações atuais e futuras. Preservar e cuidar do meio ambiente é uma responsabilidade ética diante da natureza humana.
17 - Ética e educação.
A educação é uma socialização das novas gerações de uma sociedade e, enquanto tal, conserva os valores dominantes (a moral) naquela sociedade. A educação é também uma possibilidade e um impulso à transformação: desenvolvimento das potencialidades dos educandos. Toda educação é uma ação interativa: se faz mediante informações, comunicação, diálogo entre seres humanos. Em toda educação há um outro em relação. Em toda educação, por tudo isso, a ética está implicada. Uma educação pode ser eficiente enquanto processo formativo e ao mesmo tempo, eticamente má, como foi a educação nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto de vista da moral vigente e má do ponto de vista ético. A educação ética (ou, a ética na educação) acontece quando os valores no conteúdo e no exercício do ato de educar são valores humanos e humanizadores: a igualdade cívica, a justiça, a dignidade da pessoa, a democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de cada um e de todos.
18 - Ética e cidadania.
As instituições sociais e políticas têm uma história. É impossível não se reconhecer o seu desenvolvimento e o seu progresso em muitos aspectos, pelo menos do ponto de vista formal. A escravidão era legal no Brasil até 120 anos atrás. As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar apenas há 60 anos e os analfabetos apenas há 12 anos. Chamamos isso de ampliação da cidadania. Mas há direitos formais (civis, políticos e sociais) que nem sempre se realizam como direitos reais. A cidadania nem sempre é uma realidade efetiva, nem para todos. A efetivação da cidadania e a consciência coletiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento moral e ético de uma sociedade. Para a ética não basta que exista um elenco de princípios fundamentais e direitos definidos nas Constituições. O desafio ético para uma nação é o de universalizar os direitos reais, permitindo a todos a cidadania plena, cotidiana e ativa.
19 - Ética e política.
Política é a ação humana que deve ter por objetivo a realização plena dos direitos e, portanto, da cidadania para todos. O projeto da política, assim, é o de realizar a ética, fazendo coincidir com ela a realização da vontade coletiva dos cidadãos, o interesse público. A função ética da política é eliminar, numa ponta, os privilégios de poucos; na outra ponta, as carências de muitos; e instaurar o direito para todos. São inegáveis os aprimoramentos das instituições políticas no Brasil, ao longo da sua história. Mas são inegáveis igualmente as traições de uma parte da classe política contra essas instituições e contra o mandato que lhes foi confiado. Requer-se, pois, o exercício da cidadania ativa e criativa, tanto pelos políticos quanto pelos cidadãos: reforçando-se e aprimorando-se as instituições políticas, fazendo-as valer de direito e de fato. A cidadania ativa, como luta pelos próprios direitos e pelos direitos de todos, é o exercício cotidiano da ética na política.
20 - Ética e corrupção.
A corrupção é a suprema perversidade da vida econômica e da vida política de uma sociedade. E a subversão dos valores social e culturalmente proclamados e assumidos como legítimos. A corrupção, seja ativa ou passiva, é a força contrária, o contrafluxo destruidor da ordem social. É a negação radical da ética, porque destrói na raiz as instituições criadas para realizar direitos. A corrupção é antietica. A corrupção pode, em situações extremas e absurdas, chegar a tornar-se a moral estabelecida, a ponto de gerar nos cidadãos o conformismo com o mal social. A história recente de nosso Pais tem nesse ponto um dos maiores desafios a enfrentar. Ou bem os cidadãos reagem ativamente e os responsáveis legais agem exemplarmente sem concessões à impunidade, ou bem o Pais avança rapidamente para a desagregação. Indignar-se, resistir e combater a corrupção é um dos principais desafios éticos da política no Brasil.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO