CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 499/2002; OFÍCIO DE 13 de Fevereiro de 2004

Razões do veto ao Projeto de Lei nº 499/02.

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 499/02

OF ATL nº 168, de 13 de fevereiro de 2004

Senhor Presidente,

Nos termos do Ofício nº 18/LEG.3/0013/2004, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 499/02, proposto pelo Vereador Milton Leite, o qual dispõe sobre a criação de Condomínios Residenciais Fechados no Município de São Paulo.

A mensagem, em síntese, autoriza o Poder Executivo a criar os mencionados condomínios, de uso estritamente residencial, composto por ruas locais, de tráfego leve, dissociadas da malha viária, mediante aprovação de 70% dos moradores da área interna, apresentação de planta à Prefeitura, bloqueio dos acessos com obstáculos físicos e formalização de uma "convenção de condomínio".

Conquanto meritórios os propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, que objetiva garantir segurança aos moradores de determinada localidade, sou compelida a apor veto parcial ao texto aprovado, atingindo os incisos IV, V e VII de seu artigo 1º, e o inteiro teor de seus artigos 2° e 3° e respectivos parágrafos, e de seu artigo 4°, haja vista a inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público de alguns de seus dispositivos, conforme a seguir se deduz.

Inicialmente, verifica-se que a proposta, no inciso IV estabelece como condição, para a criação do condomínio, "a aprovação de 70% dos moradores que pertençam à área definida em planta a ser apresentada, devidamente elaborado o perímetro que delimita esta área, por agrimensor credenciado no CREA, e registrada em cartório de títulos e documentos e encaminhadas as cópias das plantas e dos documentos com as respectivas assinaturas ao órgão competente da Prefeitura Municipal de São Paulo, para conhecimento e arquivo; (...)".

Como adiante se expõe há, nesse dispositivo, várias incorreções que não poderão ser admitidas.

Primeiramente, considere-se que o condomínio não poderá ser instituído mediante a aceitação de apenas 70% de seus moradores, sendo necessária a anuência de todos eles, sem exceção. Caso contrário, os 30% restantes estariam subordinados a um novo ordenamento legal que imporia modificações substanciais na situação jurídica de sua propriedade.

A propósito, não se pode olvidar que, na conformidade das normas estabelecidas na legislação civil que rege a matéria, a instituição de condomínios origina-se da comunhão de vontades livremente manifestadas pelos particulares interessados, no momento da aquisição do respectivo bem, não havendo, pois, como impingi-la "a posteriori", por força de lei ou imposição de terceiros entre os quais não exista vínculo jurídico.

De conseguinte, também não pode prevalecer a disposição contida no inciso V do mesmo artigo, que dispõe sobre os requisitos relativos à formalização da aquiescência dos moradores do local.

De outra parte, o citado inciso IV prevê que cópias de plantas e documentos assinados pelos moradores seriam encaminhadas ao órgão municipal competente "para conhecimento e arquivo".

Assim, como avaliar as condições de ordem técnica estipuladas pela própria mensagem para a formação do condomínio, tais como se as ruas pertencem à malha viária, se a privatização das vias prejudicará moradores, se o volume de tráfego diário é leve e outras, se a propositura não preconiza a análise criteriosa dos documentos pelos órgãos municipais competentes e, por fim, não confere ao Município poder de decisão no sentido de deferir ou não a criação do condomínio?

Da forma como está redigido o dispositivo, a Prefeitura não passaria de um grande arquivo de papéis, olvidadas as suas atribuições, especialmente todas aquelas atinentes à promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, ocupação e parcelamento do solo urbano, em desacordo com o disposto na Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII, bem assim na Lei Maior Local, em seu artigo 149, inciso I.

O inciso VII do artigo 1º, por sua vez, ao estatuir que "sob nenhuma hipótese poderão ser utilizadas vias que possuam tráfego médio ou pesado, sendo permitido apenas as vias de tráfego leve, cujo volume diário médio (V.D.M.) seja inferior a 200; (...)", contém contradição inaceitável.

Isso porque revela-se incompatível com o inciso II do mesmo artigo, o qual dispõe que as ruas integrantes do condomínio serão de uso estritamente local, não podendo, em nenhuma hipótese, pertencer à malha viária do Município.

Aliás, outro tipo de via, ou seja, aquelas referidas no inciso VII, ora vetado, não poderiam mesmo compor o condomínio, quer fossem elas de tráfego pesado, médio ou leve, por pertencerem ao domínio público.

A integração de via pública a condomínios fechados é vedada pelo sistema jurídico brasileiro, pois o Código Civil define os bens públicos como aqueles "do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno;" (artigo 98, 1ª parte).

O ilustre Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, 27ª edição, pp. 490/491, bem define o que são os bens de uso comum do povo e a impossibilidade da restrição prevista no texto vindo à sanção:

"Uso comum do povo - Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite freqüência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem regulamentações gerais de ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais. Qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, como a cobrança de pedágio nas rodovias, acarreta a especialização do uso e, quando se tratar de bem realmente necessário à coletividade, só pode ser feita em caráter excepcional.

(..............................................................................)No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade - uti universi -, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes".

Como se depreende do exposto, as áreas públicas são infensas, por sua natureza, ao uso privativo, não podendo ficar dentro de limites inacessíveis a todo e qualquer cidadão. Dessa forma, conclui-se que as ruas internas ao condomínio deveriam ser obrigatoriamente de propriedade particular, não afetadas ao uso comum.

Imperioso, assim, pelas razões expostas, o veto a esse inciso.

Atente-se, a seguir, às normas contidas nos artigos 2º e 3º do texto aprovado, os quais, de igual forma, devem ser vetados em seu inteiro teor

Referidos dispositivos estipulam que o condomínio será regido por uma "convenção de condomínio" e cuidam de apontar o seu conteúdo. Entretanto, o assunto não pode ser disciplinado pelo Município, porquanto a competência para legislar sobre direito civil pertence à União, a teor do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Desse modo, o Código Civil e a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, normatizam a questão, prevendo todos os direitos e deveres dos condôminos, bem como a matéria a ser regrada pela convenção do condomínio, especialmente no que se refere às decisões dos assuntos comuns.

Conseqüentemente, os parágrafos dos artigos 2º e 3º incidem também em ilegalidade, uma vez que os assuntos neles tratados - divisão de despesas com a conservação e manutenção das vias, responsabilidade civil e jurídica do condomínio, reivindicações de melhorias, aumento de despesas - já estão regulamentados pela mencionada lei federal, que também disciplina o tema abordado pelo artigo 4º.

Nessas condições, em face da apontada inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, sou compelida a vetar, em seu inteiro teor dos incisos IV, V e VII do artigo 1º, dos artigos 2º e 3º e respectivos parágrafos e do artigo 4º da medida aprovada, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY, Prefeita

Ao Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo