processo n° 2010-0.040.424-9
INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
ASSUNTO: Apuração Preliminar. Prestação, pela PRODAM, de serviços de infra-estrutura e Sistema de Informação para cadastramento de candidatos, e Sistema de Apuração da eleição do CMDCA para o mandato 2008/2010, incluindo suporte logístico na data do pleito. Contrato verbal. Pagamento por indenização. Proposta de instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa. Concordância, com recomendações.
Informação n° 95/2015-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Assessor Chefe
O presente processo administrativo foi autuado para promoção de apuração preliminar, que, consoante se depreende do Relatório de Ocorrência de fl.02, tinha por escopo a "apuração de possível responsabilidade de servidor (indeterminado), em face de pagamento por serviços técnicos de informática, por via de indenização, especificamente da NF n°1668, fls. 11 do PA n°2008-0.209.316-3".
Da leitura do p.a n°2008-0.209.316-3, que este acompanha, verifica-se que a Secretaria Municipal de Participação e Parceria, por intermédio do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, buscava a contratação da empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo - PRODAM, para prestação de serviços de infra-estrutura e Sistema de Informação para cadastramento de candidatos, e Sistema de Apuração da eleição do CMDCA para o mandato 2008/2010, incluindo suporte logístico na data do pleito.
Após a juntada de proposta de serviços apresentada pela PRODAM, não se seguiu a adoção de qualquer providência objetivando a formalização da contratação da mencionada empresa para execução dos serviços almejados, sobrevindo carta da Gerência de Relacionamentos III da PRODAM, solicitando o pagamento do montante de R$143.646,42 pelos serviços executados.
Com justificativas e juntada de documentos pertinentes, foi autorizado pelo então Secretário Municipal de Participação e Parceria - SMPP o pagamento por indenização dos serviços executados, com imediata determinação da apuração da responsabilidade pela contratação.
Finda a apuração, sobreveio o relatório de fls.66/71, elaborado pela Comissão incumbida da averiguação, propondo o prosseguimento das investigações, via Sindicância.
A proposta foi acolhida pelo Senhor Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que determinou a remessa dos autos ao Departamento Disciplinar, para os fins do artigo 102, inciso III, letra "c" do decreto 43.233/03 (fl.73).
Não obstante o inconclusivo relatório apresentado pela Comissão de Apuração Preliminar, o Departamento de Procedimentos Disciplinares, concluindo haver indícios de ilegalidade tanto na contratação do serviço como no pagamento a título de indenização, e responsabilizando o então Secretário Municipal de Participação e Parceria pela prática do ato, o qual não mais integra o quadro do funcionalismo municipal, propôs a instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa (vide fls.90/92). Encaminhou, ainda, ofício para instauração de apuração preliminar na origem, objetivando averiguar a paralisação da tramitação do presente processo administrativo (fl.92).
São, em suma, os fatos relevantes a presente manifestação.
Cumpre destacar, de início, que esta Assessoria Jurídico-Consultiva se manifestou recentemente nos autos do p.a n° 2014-0.105.571-7, em caso análogo, onde igualmente se propunha a instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa.
Naquela oportunidade, esta Assessoria Jurídico-Consultiva se contrapôs à tese de que o pagamento por indenização caracterizaria, de per se, ilícito disciplinar e ato de improbidade administrativa.
A tese contradita encontrava respaldo em manifestação desta Assessoria Jurídico-Consultiva, proferida nos idos de 2004 nos autos do p.a 2003-0.230.742-3, concluindo pela impossibilidade de se autorizar o início da prestação de serviços antes da formalização da contratação que, "por ser nula de pleno direito, não surte efeito jurídico algum -nem mesmo o dever de indenizar, já que a contratante acendeu com a contratação verbal". Tal manifestação foi ementada sob n°10.618, que assim preconiza:
"Prestação de serviços. Configuração de contrato verbal. Vedação legal expressa (artigo 60, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93). Boa fé não caracterizada ante a impossibilidade de alegação de desconhecimento da lei. Não caracterização dos pressupostos inerentes à indenização (ato lesivo, dano e nexo etimológico entre eles). Impossibilidade de pagamento por indenização".
Malgrado o respeito à posição supracitada, defendemos, naquela ocasião, que o pagamento por indenização decorrente de contrato verbal não caracterizava, automaticamente, falta disciplinar e ato de improbidade administrativa, pelos motivos a seguir reproduzidos.
Não se olvida que os contratos verbais com a administração são nulos e não geram efeitos, salvo para pequenas compras de pronto pagamento, sob o regime de adiantamento, hipótese excepcional que, à evidência, não se aplica ao caso dos autos.
Essa, aliás, a inteligência do artigo 60, parágrafo único, da Lei 8.666/93:
Art. 60.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.
Também não se ignora que a nulidade do contrato gera efeitos ex tunc, impedindo as consequências que aquele ajuste ordinariamente produziria. É o que preconiza o artigo 59 da Lei 8.666/93:
Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Contudo, a mesma lei que qualifica como nulo e de nenhum efeito o contrato verbal, estabelece que tal nulidade não exonera a Administração Pública do dever de indenizar o contratado pelo que foi executado até a data da declaração ou pelos prejuízos regularmente comprovados, desde que a nulidade não lhe seja imputável.
Nesse sentido o disposto no artigo 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93:
Art.59.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
Vê-se que, não obstante nulo o contrato verbal, a Administração Pública não poderá, sob tal pretexto, deixar de efetuar o pagamento pelos comprovados prejuízos experimentados pelo contratado que não deu causa à nulidade.
Tal dever, muito além da imposição legal positivada no artigo 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93, decorre do princípio da moralidade ao qual se submete a Administração Pública, por determinação constitucional (artigo 37, caput, da Constituição Federal).
Corolário do primado da moralidade, o princípio que veda o enriquecimento sem causa obriga aquele que enriquecer injustamente à custa de outrem a restituir aquilo indevidamente auferiu.
Dispõe o artigo 884 do Código Civil:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Não obstante positivada no Código Civil, a regra que veda o enriquecimento sem causa é reconhecida, pela doutrina e jurisprudência, como um princípio implícito do nosso ordenamento jurídico pátrio e, portanto, aplicável não só nas relações entre os particulares, mas também destes com o Poder Público.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo denominado "O Princípio do Enriquecimento Sem Causa em Direito Administrativo", publicado na Revista Eletrônica de Direito Administrativo Eletrônico, discorre, com o brilhantismo que lhe é peculiar, que constitui princípio geral de direito a regra que veda o enriquecimento sem causa.
Vejamos excerto daquele trabalho:1
"5. Enriquecimento sem causa é o incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que, para supeditar tal evento, exista uma causa juridicamente idônea. É perfeitamente assente que sua proscrição constitui-se em um princípio geral do direito".
Conclui Celso Antônio Bandeira de Mello que:
"Uma vez que o enriquecimento sem causa é um princípio geral do Direito - e, não apenas princípio alocado em um de seus braços: público ou privado -, evidentemente também se aplica ao direito administrativo".
Ainda nesse diapasão os ensinamentos de Marçal Justen Filho2:
"Mas existe solução específica no Direito brasileiro para o caso de contratações defeituosas. O legislador brasileiro efetivou opção clara peias soluções compatíveis com um Estado Democrático de Direito. Além de todas as determinações atinentes à responsabilização civil do Estado, consagrou-se a disciplina específica do parágrafo único do art. 59 para a contratação administrativa inválida. Daí se segue que a invalidação, por nulidade absoluta, de qualquer ajuste de vontades entre a Administração e o particular gerará efeitos retroativos, mas isso não significará o puro e simples desfazimento de atos. Será imperioso produzir a compensação patrimonial para o particular, sendo-Ihe garantido o direito de haver tudo aquilo que pelo ajuste lhe fora assegurado e, ainda mais, a indenização por todos os prejuízos que houver sofrido".
Igualmente, a sempre atual lição de Hely Lopes Meirelles3:
"O Contrato administrativo nulo não gera direitos e obrigações entre as partes, porque a nulidade original impede a formação de qualquer vínculo eficaz entre os contratantes, só subsistindo suas conseqüências em relação ao terceiro de boa-fé. Todavia, mesmo no caso do contrato nulo ou de inexistência de contrato pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados para a Administração ou dos fornecimentos a ela feitos, não com fundamento em obrigação contratual, ausente na espécie, mas, sim, no dever moral e legal (art.59, parágrafo único) de indenizar o beneficio auferido pelo Estado, que não pode tirar proveito da atividade do particular sem o correspondente pagamento".
O dever da Administração Pública de indenizar o contratado pelos prejuízos decorrentes de contrato verbal vem sendo reconhecido pela jurisprudência, conforme se pode aferir de recente decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa trazemos à colação:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO MONITORIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ADMISIBILIDADE. SÚMULA 39 STJ. DISPENSA DE LICITAÇÃO. INSTRUMENTO DE CONTRATO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO VERBAL NULIDADE. DEVER DE INDENIZAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA DA DÍVIDA.
1. É cabível ação monitoria contra a Fazenda Pública. Súmula n° 39 do STJ.
2. Na ação monitoria não é imprescindível que o documento esteja assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural força probante (art. 371, II, CPC).
3. O contrato verbal com a Administração Pública é "nulo e de nenhum efeito" (art. 60, parágrafo único, Lei n° 8.66/93). Todavia, a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado (art. 59, parágrafo único). Embargos improcedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(TJ-SP - Apelação riQ 0000925-23.2008.8.26.0355, 9- Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Dês. Décio Notarangeli, DJE de 31/01/2014) - destaques nossos.
Esse também o entendimento assentado no E. Superior Tribunal de Justiça:
RESP 1.1.083 -GO (2008/01350-4)
EMENTA
ADMINSTRATIVO. CONTRATO ADMINSTRATIVO. FORMA VERBAL NÃO-PAGAMENTO.
COBRANÇA JUDICAL. PRINCÍPIO DO NÃO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PAGAMENTO DEVIDO.
1. De acordo com o art. 60, p.ún., da Lei n.86/93, a Administração Pública direta e indireta, via de rega, está proibida de efetuar contratos verbais. Nada obstante, o Tribunal a quo constatou que houve a entrega da mercadoria contratada pelo ente federativo (fls. 201/20).
2. Se o Poder Público, embora obrigado a contratar formalmente, opta por não fazê-lo. não pode, agora, valer-se de disposição legal que prestigia nulidade do contrato verbal, porque isso configuraria uma tentativa de se valer da própria torpeza, comportamento vedado pelo ordenamento jurídico por conta do prestígio da boa-fé objetiva (orientadora também da Administração Pública).
3. Por iso, na ausência de contrato formal entre as partes -e, portanto, de ato jurídico perfeito gue preservaria a aplicação da lei à celebração do instrumento deve prevalecer o princípio do não enriquecimento ilícito. Se o acórdão recorrido confirma a execução do contrato e a realização da obra pelo recorrido, entendo que deve ser realizado o pagamento devido pelo recorrente.
4. Inclusive. neste sentido, é de se observar que mesmo eventual declaração de nulidade do contrato firmado não seria capaz de excluir a indenização devida. teor do que dispõe o art. 59 da Lei n. 8666/93.
5. Recurso especial não provido - grifo e negrito nossos.
RESP 545.471/PR (2003/0078413-5)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. CONTRATO VERBAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO E PRÉVIO EMPENHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 59. § 4°. DA LEI 4.320/64. 59 E 60, PARÁGRAFO ÚNICO. DA LEI 8.666/93. OCORRÊNCIA. OBRIGATORIEDADE DA LICITACAO. PRINCIPIO DE ORDEM CONSTITUCIONAL (CF/88, ART. 37, XXI). FINALIDADE (LEI 8.666/93, ART. 3°). FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. REGRA GERAL: CONTRATO ESCRITO (LEI 8.666/93, ART 60. PARAGRAFO ÚNICO). INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL. EFEITOS. NULIDADE. EFICACIA RETROATIVA (LEI 8.666/93. ART. 59. PARAGRAFO ÚNICO). APLICAÇAO DAS NORMAS DE DIREITO FINANCEIRO. PROVIMENTO.
1. Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que não há dúvidas quanto à existência do contrato verbal de prestação de serviços celebrado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela de Ouro Ltda, bem como do cheque emitido e não-pago pela municipalidade a título de contraprestação pelo arrendamento de três ônibus efetivamente utilizados no transporte coletivo. Nesse contexto, a questão controvertida consiste em saber se, à luz das normas e princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, é válido e eficaz o contrato administrativo verbal de prestação de serviço firmado.
2. No ordenamento jurídico em vigor, a contratação de obras, serviços, compras e alienações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da administração pública indireta, está subordinada ao princípio constitucional da obrigatoriedade da licitação pública, no escopo de assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes e a seleção da proposta mais vantajosa (CF/88, art. 37, XXI; Lei 8.666/93, arts. 1°, 2° e 3°).
3. Além disso, a Lei 8.666/93, na seção que trata da formalização dos contratos administrativos, prevê, no seu art. 60, parágrafo único, a regra geral de que o contrato será formalizado por escrito, qualificando como nulo e ineficaz o contrato verbal celebrado com o Poder Público, ressalvadas as pequenas compras de pronto pagamento, exceção que não alcança o caso concreto.
4. Por outro lado, o contrato em exame não atende às normas de Direito Financeiro previstas na Lei 4.320/64, especificamente a exigência de prévio empenho para realização de despesa pública (art. 60) e a emissão da 'nota de empenho' que indicará o nome do credor, a importância da despesa e a dedução desta do saldo da dotação própria (art. 61). A inobservância dessa forma legal gera a nulidade do ato (art. 59, § 4°).
5. Por todas essas razões, o contrato administrativo verbal de prestação de serviços de transporte não-precedido de licitação e prévio empenho é nulo, pois vai de encontro às regras e princípios constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse público.
6. No regime jurídico dos contratos administrativos nulos, a declaração de nulidade opera eficácia ex tunc, ou seja, retroativamente, não exonerando, porém, a Administração do dever de indenizar o contratado (Lei 8.666/93, art. 59. parágrafo único), o que, todavia, deve ser buscado na via judicial adequada.
7. Recurso especial provido. - destacamos.
Portanto, ainda que não estivesse positivado no parágrafo único do artigo 59 da Lei 8666/93, o que se admite gratia argumentandi, mesmo assim não poderia a Administração escapar do dever moral, e não contratual, de indenizar o contratado pelo que efetivamente executou, sem oposição, até a data em que for declarada a nulidade da contratação e/ou pelos prejuízos regularmente comprovados, salvo hipótese de má-fé ou concorrência do contratado para a nulidade, pois seria inconstitucional que a Administração, adstrita que está ao princípio da moralidade, pudesse, após se beneficiar da prestação realizada pelo particular, evocar a nulidade do contrato para se furtar ao seu pagamento.
Cumpre pontuar que, embora o desconhecimento da lei não possa ser alegado objetivando descumpri-la, poderá ser considerado para fins de caracterização da boa-fé.
Deveras, dispõe o artigo 3° da Lei 12.376/10, denominada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, anterior Lei Introdução ao Código Civil:
Art. 3° Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
O que a legislação veda, pois, é a alegação de ignorância da lei para se eximir do seu cumprimento, não havendo óbice legal de que tal desconhecimento seja considerado para fins de caracterização da boa-fé de quem alega.
Por óbvio, a escusa do conhecimento da lei deve ser apreciada caso a caso, levando-se em conta o objeto contratado, a natureza jurídica da contratação, o contratado, enfim todas as circunstâncias e peculiaridades do caso em exame.
O que não se admite, por não se coadunar com os princípios que informam o nosso ordenamento jurídico, é a presunção absoluta de má-fé decorrente da impossibilidade de se alegar desconhecimento da lei.
Portanto, a possibilidade ou impossibilidade de se indenizar contratado que anuiu com contrato verbal com a administração deverá ser concretamente analisada, buscando verificar, nas circunstâncias de cada caso, a caracterização ou não do dolo do contratado ou de conduta que tenha contribuído para a nulidade do contrato, e não se basear em meros indícios ou presunção absoluta boa ou má-fé.
De todo o exposto, verifica-se que a efetivação de pagamento por indenização, não caracteriza, por si só, ilegalidade apta a configurar falta disciplinar ou improbidade administrativa. Ao contrário, não obstante a nulidade do contrato administrativo, constitui dever legal e moral da Administração a indenização do contratado pelo que houver executado ou pelos prejuízos suportados, desde que, verificado no caso concreto, que o contratado não tenha se portado de má-fé ou contribuído para a consecução da nulidade contratual.
Tanto é verdade que o Decreto Municipal n° 44.891/04 dispõe sobre a delegação de competência para autorizar o pagamento por indenização de despesas, ainda que decorrentes de ajustes declarados nulos, inválidos ou rescindidos. Dispõe o artigo 19 daquele decreto, in verbis:
Art. 1° Fica delegada aos Secretários Municipais, aos Subprefeitos e ao Ouvidor Geral do Município, no âmbito dos respectivos órgãos, competência para autorizar o pagamento, em caráter indenizatório, de despesas referentes a dotações próprias, realizadas no interesse do serviço público, ainda que decorrentes de ajustes declarados nulos, inválidos ou rescindidos.
Ora, a decisão de delegação, pelo titular do Poder Executivo Municipal, da competência para autorizar o pagamento, a título de indenização, de despesas oriundas de contratos nulos, decorre, à evidência, da possibilidade legal de sua efetivação.
A Advocacia-Geral da União, perfilhando o mesmo entendimento aqui esposado, expediu a Orientação Normativa n° 4/2009, nos seguintes termos:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Ne 4, DE 13 DE ABRIL DE 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4° da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo n° 00400.015975/2008-95, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2° e 17 da Lei Complementar n° 73, de 1993:
A DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL DEVERÁ SER OBJETO DE RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR NOS TERMOS DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N° 8.666, DE 1993, SEM PREJUÍZO DA APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DE QUEM LHE DER CAUSA.
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Destarte, com a devida vénia, não me parece haver respaldo jurídico a embasar o reconhecimento da irregularidade, em tese, de pagamento efetuado a título de indenização. A licitude ou não do pagamento efetuado a título de indenização imprescinde da análise do caso concreto.
No caso em exame, da simples leitura do processo acompanhante, verifica-se que não houve sequer início da instrução objetivando a apreciação e definição da natureza jurídica da contratação, escolha do contratado e verificação da sua regularidade jurídica e fiscal, justificativa do preço, competente reserva de recursos para custear as despesas decorrentes da contratação, parecer jurídico, empenho e formalização da contratação, enfim não se vislumbra qualquer ato que caracterizasse o início e posterior instrução de procedimento visando autorizar a contratação e a despesa pública decorrente.
Note que até a proposta de prestação dos serviços que inaugura o processo acompanhante, datada de 27 de maio de 2008 (vide fl.6 do p.a n° 2008-0.209.316-3), foi posterior ao início da execução dos serviços de infra-estrutura e Sistema de Informação para cadastramento de candidatos, e Sistema de Apuração da eleição do CMDCA para o mandato 2008/2010, incluindo suporte logístico na data do pleito, pois, consoante se extrai do edital do aludido processo de seleção, a inscrição no concurso, através das ferramentas disponibilizadas pela PRODAM, iniciaram no dia 12 e se encerraram no dia 20 de maio de 2008 (fl.16 do p.a n° 92008-0.209.316-3).
No que tange ao pagamento por indenização, os elementos de convicção reunidos, em especial a mencionada ausência de início de instrução de processo administrativo objetivando a formalização da contratação, e considerando que a contratada era a PRODAM, empresa de economia mista que rotineiramente presta serviços ao Município de São Paulo, conhecedora, portanto, das regas legais de licitação e contratação com o Poder Público, apontam que a contratada, ao anuir com contrato verbal com a Secretaria Municipal de Participação e Parceria, ao menos, teria contribuído para a nulidade da contratação, hipótese que, uma vez confirmada, caracterizaria a irregularidade do pagamento a título de indenização efetivado.
Vê-se que o incipiente conjunto probatório indica a existência de infrações disciplinares e de eventual improbidade administrativa, sendo de rigor o prosseguimento e aprofundamento das investigações, objetivando melhor delinear os fatos e respectivas responsabilidades civis e funcionais, destacando, por oportuno, que nem toda ilegalidade se subsume a ato de improbidade, como, aliás, já destacado por esta Assessoria Jurídico-Consultiva na Informação n° 2.055/2013 -PGM.AJC, lavrada pelo Dr. Luiz Paulo Zerbini Pereira:
Segundo a orientação que emana, atualmente, do Superior Tribunal de Justiça, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade", uma vez que "a improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente", e justamente por isso o mero despreparo gerencial não pode ser confundido com ato de improbidade administrava.
Impende consignar, ainda, que as provas coligidas indicam irregularidades e eventuais responsabilidades não somente de agentes públicos exonerados ou pertencentes aos quadros da Administração Indireta, a serem apuradas em Sindicância Especial de Improbidade Administrativa, mas também de agentes que ainda integram os quadros da Administração Direta, recomendando o prosseguimento das apurações via Sindicância, nestes autos.
Evidente que, em homenagem ao disposto no artigo 26, parágrafo único, do Decreto 52.227/114, a Sindicância Especial e a Sindicância comum deverão tramitar em conjunto.
Por fim, não obstante o tempo decorrido, considerando que os autos permaneceram retidos no âmbito de conhecimento e atuação daqueles que, suposta e eventualmente, podem estar envolvidos nas irregularidades praticadas, entendemos não restar configurado, a princípio, o decurso do lapso prescricional, que deverá ser melhor avaliado, oportunamente, ao cabo da instrução das sindicâncias, quando restaram melhor delineadas as condutas e respectivas responsabilidades. Note-se que ainda que prescritas eventuais condutas ímprobas constatadas, remanescerá a obrigação de ressarcimento ao erário, o que, por si só, já recomendaria o prosseguimento das investigações.
Ante o exposto, submeto o presente ao sempre prudente crivo de Vossa Senhoria, opinando pela instauração de SINDICÂNCIA ESPECIAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com fulcro no artigo 2°, inciso II, alínea "b", do Decreto 52.227/11, visando a percuciente apuração dos fatos e delimitação das eventuais responsabilidades decorrentes.
Após, sugiro, outrossim, que os autos sejam encaminhados ao Departamento de Procedimentos Disciplinares, para formal instauração e processamento da sindicância especial, nos termos preconizados no artigo 12 e seguintes do Decreto 52.227/11, e deliberar, com fulcro no artigo 73, inciso III, alínea "d", do Decreto Municipal 43.233/03, quanto à instauração de Sindicância, que tramitará em conjunto com seu homônimo especial, ex vi do disposto no artigo 26, parágrafo único, do Decreto 52.227/11.
Eis, sub censura, o meu parecer.
Acompanha p.a n°2008-0.209.316-3.
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São Paulo, 23 de janeiro de 2015.
CRISTIANO DE ARRUDA BARBIRATO
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 202.307
PGM
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De acordo.
São Paulo, 27/01/2015.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC
OAB/SP 195.910
PGM
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processo n° 2010-0.040.424-9
INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
ASSUNTO: Apuração Preliminar. Prestação, pela PRODAM, de serviços de infra-estrutura e Sistema de Informação para cadastramento de candidatos, e Sistema de Apuração da eleição do CMDCA para o mandato 2008/2010, incluindo suporte logístico na data do pleito. Contrato verbal. Pagamento por indenização. Proposta de instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa. Concordância, com recomendações.
Cont. da Informação n° 95/2015-PGM.AJC
DESPACHO N° 07/2015 - PGM.G
I - À vista dos elementos de convicção reunidos nos autos deste processo administrativo, DETERMINO, com fulcro no artigo 2° inciso II, alínea "b", do Decreto 52.227/11, a instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa;
II - Publique-se e, a seguir, encaminhe-se os autos ao PROCED para formal instauração e processamento da Sindicância Especial, nos termos preconizados no artigo 12 e seguintes do Decreto 52.227/11, bem como para deliberar, com fulcro no artigo 73, inciso III, alínea "d", do Decreto Municipal 43.233/03, acerca da instauração de Sindicância nestes autos, nos termos propugnados no parecer retro.
Acompanha p.a n°2008-0.209.316-3.
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São Paulo, /01/2015.
ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 173.527
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo