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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 917 de 8 de Agosto de 2018

Informação n° 917/2018 - PGM.AJC
Proposta de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados indicados por programas de municipais como o "Recomeço" ou o recém criado "Tem Saída". Uso derivado das contratações públicas. Jurisprudência majoritária no sentido da competência legislativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República. Precedente desta Procuradoria.

Processo n° 6075.2018/0000119-9

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

ASSUNTO: Proposta de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados indicados por programas de municipais como o "Recomeço" ou o recém criado "Tem Saída". Uso derivado das contratações públicas. Jurisprudência majoritária no sentido da competência legislativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República. Precedente desta Procuradoria.

Informação n° 917/2018 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

A Secretaria Municipal de Justiça solicita manifestação quanto à possibilidade jurídica de Lei Municipal estabelecer a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados indicados por programas de municipais como o "Recomeço" ou o recém criado "Tem Saída". Tais programas, pelo que temos conhecimento, são voltados a pessoas em situação de vulnerabilidade sócio-econômica: o primeiro em razão da dependência química, o segundo em razão de violência doméstica.

Certamente, é desejável que a iniciativa privada realize um esforço para empregar tais pessoas, de forma a reduzir sua vulnerabilidade e ampliar a cidadania. E o Município pode apoiar tais iniciativas: afinal, é competência comum dos entes federativos "combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos" (art. 23, X, da Constituição da República).

Se, por um lado, não temos dúvidas quanto à competência municipal para a proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio da criação de programas públicos específicos voltados ao referido segmento, por outro lado há sérias dúvidas quanto à constitucionalidade de utilização das contratações públicas (do poder de compra estatal) como instrumento para a realização de tal finalidade, por mais nobre que seja. Isto porque, inobstante a competência administrativa local supramencionada, o instrumento imaginado parece esbarrar: (1) na competência legislativa privativa da União para dispor sobre normas gerais de licitação e contratação pública, como disciplinado no art. 22, inc. XXVII da Constituição, e sobre direito do trabalho, como previsto no art. 22, inc. I, da Constituição; (2) na livre iniciativa, prevista no art. 170, caput, da Constituição. Expliquemos melhor.

A questão colocada não é tão simples: diz respeito ao uso derivado das contratações públicas, quando se visa utilizar o poder de compra estatal para a implementação de políticas públicas. A finalidade primária da contratação pública é a obtenção do bem, obra ou serviço demandado pela Administração Pública. Para tanto, como regra, é realizado procedimento competitivo de licitação, que visa garantir, por um lado, a isonomia entre os possíveis interessados, e, por outro lado, a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (usualmente, o menor preço). É o que prevê o art. 3°, caput, da Lei federal n° 8.666/93: "Art. 3º - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos".

Apesar da finalidade primária da contratação pública consistir na aquisição dos bens ou serviços demandados, tem sido comum a inserção, na lei, de finalidades secundárias, que não possuem relação direta com a finalidade primária. Tais finalidades envolvem a implementação de políticas públicas variadas, industriais (como as ligadas à produção nacional) ou sociais (como as ligadas às pessoas com deficiência), ambientais, etc.. Segundo Marina Fontão Zago, existem sete técnicas para operacionalização da função derivada nas contratações: "na (i) definição do objeto; (ii) contratação exclusiva; (iii) dispensa de licitação; (iv) requisitos diferenciados de habilitação; (v) seleção da proposta; (vi) obrigação contratual; (vii) preferência ou exigência genérica" (Poder de Compra Estatal para a Implementação de Políticas Públicas: o uso derivado da contratação pública. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Direito da USP sob orientação de Floriano de Azevedo Marques Neto. São Paulo, 2017, p. 138). No caso da utilização da técnica de 'obrigação contratual', que foi a aventada na hipótese sob análise (na medida em que visa impor ao contratado uma obrigação a ser observada durante a sua execução), a autora cita como exemplos existentes "a possibilidade de exigência de subcontratação de micro e pequena empresas (art. 48, II, Lei Complementar n° 123/2006), ou a exigência de um porcentual mínimo de uso de bens e serviços nacionais nas operações da empresa petrolífera detentora de contrato de concessão de petróleo e gás (art. 2°, X, Lei n° 9.478/1997)" (idem, p. 140).

A questão que se coloca, portanto, não é propriamente a constitucionalidade do uso derivado das contratações públicas - mesmo porque há diversas disposições normativas na Lei federal n° 8.666/93 e em leis federais setoriais que consagram o uso derivado, por meio das diferentes técnicas abordadas no parágrafo anterior1 - mas a competência legislativa para prevê-lo. Neste ponto, parece que a jurisprudência majoritária tem firmado entendimento no sentido de que cabe à União dispor sobre o assunto, no uso da competência prevista no art. 22, inc. XXVII da Constituição (vide acórdãos reproduzidos abaixo). Dessa forma, não apenas os princípios gerais, os tipos de licitação, os requisitos de habilitação, as hipóteses de dispensa de licitação, os critérios de seleção das propostas, etc., constituiriam normas gerais (de competência da União), mas também a definição das obrigações dos contratados nos editais e contratos públicos, nos casos em que tais definições não guardem relação com o que a Administração Pública demanda diretamente. Assim, se por um lado o gestor público tem discricionariedade para prever as obrigações dos contratados, por outro lado tais obrigações devem guardar pertinência direta tão somente com a execução adequada do objeto. O estabelecimento de qualquer obrigação que não tenha relação direta com o produto que a Administração Pública vise adquirir dependeria, portanto, de lei federal, por inserir no procedimento de contratação um fim para além da finalidade ordinária, para além da isonomia e da obtenção da proposta mais vantajosa. Neste sentido:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N° 150/2015. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. RESERVA DE VAGAS PARA MULHERES NAS EMPRESAS CONTRATADAS PELO MUNICÍPIO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. VÍCIO DE INICIATIVA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO. REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA EM FACE DE OUTROS FUNDAMENTOS QUE OBSTAM A ADMISSÃO DO APELO EXTREMO. AGRAVO DESPROVIDO.

DECISÃO: Trata-se de agravo nos próprios autos objetivando a reforma de decisão que inadmitiu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado: "REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR N° 150/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, QUE DISPÕE ACERCA DA OBRIGATORIEDADE DE RESERVA DE CINCO POR CENTO DE VAGAS PARA MULHERES NAS EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL PRIVADAS E EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS CONTRATADAS PELA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS - NORMA QUE INSTITUI REGRAS GERAIS SOBRE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA E DE DIREITO TRABALHISTA - VIOLAÇÃO À RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM MATÉRIA DA ADMINISTRAÇÃO E AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - AUSÊNCIA DE INTERESSE LOCAL - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO - PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL DA LEI N° 150/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO." Não foram opostos embargos de declaração. Nas razões de apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 2°, 22, I e XXVII, 30, I e II, 37, XXI, e 61, § 1º. II, da Constituição Federal. O Tribunal a quo negou seguimento ao recurso extraordinário por entender que encontra óbice nas Súmulas n° 280 e n° 286 do STF. É o relatório.

DECIDO. O agravo não merece prosperar. Ab initio, a repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (artigo 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida "a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso" (artigo 102, § 3°, da CF).

Extrai-se do voto condutor do acórdão recorrido: "Conforme se observa a Lei Complementar ora impugnada, viola os artigos 22, I e XXVII e 37, XXI, da CRFB/88, eis que compete à União legislar acerca das normas gerais de licitação e contratação administrativa e de Direito do Trabalho. Inegável que a Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu repartição de competências legislativas, adotando o critério da predominância do interesse. Significa dizer, que cabe à União as normas de interesse geral, ao passo que ao Estado a de interesse regional, e finalmente, aos Municípios, as matérias de interesse local. A norma impugnada trata de matéria relativa ao Direito do Trabalho ao dispor sobre a reserva de cinco por cento de vagas para mulheres nas empresas de construção civil privadas e empresas prestadoras de serviços contratadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro para realização de obras públicas. Do mesmo modo, a lei impugnada viola também o disposto no artigo 37, XXI, da Constituição da República, que estabelece critério que deve ser observado de modo geral nos contratos administrativos do Município do Rio de Janeiro relativa à contratação de pessoal."

A decisão está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que compete à União legislar, privativamente, sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal. Nesse sentido: "Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a "igualdade de condições de todos os concorrentes", o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso." (ADI 3.670/DF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 18/5/2007) "INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei n° 2.769/2001, do Distrito Federal. Competência Legislativa. direito do trabalho. Profissão de motoboy. Regulamentação. Inadmissibilidade. Regras sobre direito do trabalho, condições do exercício de profissão e trânsito. Competências exclusivas da União. Ofensa aos arts. 22, incs. I e XVI, e 23, inc. XII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei distrital ou estadual que disponha sobre condições do exercício ou criação de profissão, sobretudo quando esta diga à segurança de trânsito." (ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22/9/2011). Ex positis, DESPROVEJO o agravo, com fundamento no artigo 932, VIII, do CPC/2015 c/c o artigo 21, § 1°, do RISTF.

(STF, ARE 1023066. Relator Min. LUIZ FUX, julgado em 24/02/2017, publicado em 03/03/2017)

Ainda neste sentido, os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo (grifos nossos):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL N° 6.234/30.06.2015 - MUNICÍPIO DE OURINHOS - INICIATIVA PARLAMENTAR - LEI QUE DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL POR EMPRESAS DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA, OU PROFISSIONAL AUTÔNOMO, CONTRATADOS PARA A REALIZAÇÃO DE OBRAS, PROJETOS E SERVIÇOS NO MUNICÍPIO - INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - INGERÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO DO MUNICÍPIO - VÍCIO DE INICIATIVA CONFIGURADO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - AFRONTA AOS ARTIGOS 5°, 47, II, XIV E XIX E 144, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO - OCORRÊNCIA, ADEMAIS, DE VÍCIO MATERIAL, POIS COMPETE PRIVATIVAMENTE À UNIÃO LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO, NOS TERMOS PREVISTOS PELO INCISO XXVII DO ARTIGO 22 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA - AÇÃO PROCEDENTE.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2001757-39.2016.8.26.0000; Relator (a): João Negrini Filho; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 22/06/2016; Data de Registro: 01/07/2016)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n° 2.064, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal - Legislação que dispõe sobre a exigência de contratação de adolescentes aprendizes pelas empresas vencedoras de licitação pública no Município de Conchal - Matéria trabalhista - Normas gerais de licitação e contratação - Usurpação de competência legislativa privativa da União (artigo 22, incisos I e XXVII, da Constituição Federal) - Lei municipal de iniciativa do Legislativo que estabelece obrigações e impõe tarefas típicas de administração ao Poder Executivo - Inconstitucionalidade - Vício de iniciativa - Ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes - Violação aos artigos 1°, 5°, 47, incisos II, XIV, XIX, "a" e 144, da Constituição Estadual. Pedido procedente.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2055678-10.2016.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Anafe; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 04/08/2016)

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N° 13.813, DE 10 DE JUNHO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO QUE 'ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE GARANTIA PELAS EMPRESAS QUE PRESTAREM OU EXECUTAREM SERVIÇOS OU OBRAS COM O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL' - ATO NORMATIVO DE AUTORIA PARLAMENTAR - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO - RECONHECIMENTO - OFENSA AO ARTIGO 22, INCISO XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - VIOLAÇÃO AO PACTO FEDERATIVO E AOS ARTIGOS 1° E 144, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - AÇÃO PROCEDENTE". "Por se tratar de limitações ao poder de instauração do processo legislativo, as hipóteses previstas no texto constitucional devem ser interpretadas restritivamente, não havendo óbice à iniciativa de lei parlamentar que disponha sobre regras especiais para processos licitatórios no âmbito municipal, de acordo com as peculiaridades locais, porquanto o constituinte não restringiu o âmbito de sua titularidade, cuidando-se, isto sim, de competência concorrente". "A edição de lei, por determinado ente da federação, que contrarie frontalmente critérios mínimos legitimamente veiculados pela União, em sede de normas gerais, ofende diretamente o texto constitucional. Precedentes do E. STF". "É inconstitucional a lei municipal que, em matéria inserida na competência legislativa da União para editar regras gerais, utiliza-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional". "O Município pode 'legislar sobre assuntos de interesse local' e 'suplementar a legislação federal e a estadual no que couber' (artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal), devendo suas leis guardar compatibilidade vertical com as normas editadas pelos demais entes da federação, não havendo espaço para inovações naquilo que a União já definiu e esgotou no exercício de sua competência privativa, sob pena de violação ao princípio federativo".

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2194122-23.2016.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 08/02/2017; Data de Registro: 09/02/2017)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 2.071, de 16 de outubro de 2015, de iniciativa parlamentar, que "Dispõe sobre a obrigatoriedade por parte das empresas que vencerem licitações municipais, divulgarem em seus sítíos eletrônicos, informações que especifica". Arguição de vício de iniciativa e violação à separação dos poderes. Inocorrência. Ausência de reserva de iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo. Princípio da publicidade e direito à informação de matéria de interesse geral dos munícipes. Invasão da esfera de competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação, a teor do disposto nos artigos 22, inciso XXVII, da CF. Ofensa à separação dos poderes. Violação aos artigos 1° e 144 da Constituição Estadual. Ação procedente.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2056702-73.2016.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Rui; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 28/09/2016; Data de Registro: 06/10/2016)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 2.243, de 31 de agosto de 2015, do Município de Caraguatatuba. Empresas de construção. Obrigatoriedade de contratação de 70% de mão de obra local. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional. Precedentes do E. STF. Preliminar. Interesse processual existente, uma vez que a inicial, além de indicar a violação a dispositivos da Constituição do Estado, tem como parâmetro dispositivos e princípios da Constituição Federal que são de observância obrigatória pelos Estados. Precedente do E. STF. Tema de Repercussão Geral n. 484. Preliminar rejeitada. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 2.243, de 31 de agosto de 2015, do Município de Caraguatatuba. Lei que versa sobre normas de natureza trabalhista. Transgressão da esfera de competência do legislador federal. Inteligência dos artigos 1º, 18 e 22, inciso I, da CF. Violação do artigo 144 da CE, norma que incorpora o princípio federativo e o esquema de repartição de competências. Distinção, contida na norma, que se mostra desarrazoada e discriminatória na medida em que os trabalhadores comprovadamente residentes em Caraguatatuba têm preferência na contratação. Aplicação do artigo 111 da CE e dos artigos 3°, inciso IV, e 5°, caput e inciso I, da CF, aplicáveis aos Municípios em razão do artigo 144 da CE. Ainda, o fomento da atividade econômica incumbe ao Poder Público, na forma da Constituição, mas sob esse pretexto não é possível a edição de normas violadoras dos princípios da livre concorrência e da livre iniciativa. Inteligência dos artigos 1°, inciso IV, e 170, caput e IV, da CF, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da CE. Ação procedente.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2179877-70.2017.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Rui; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 14/03/2018; Data de Registro: 15/03/2018)

Vislumbra-se que, sempre que se tentou, por meio de leis locais, obrigar os contratados pelo ente federativo a empregar dado segmento, por meio da previsão de tal obrigação nos editais de licitação (mulheres, no caso da lei do Município do Rio de Janeiro apreciada pelo STF; jovens aprendizes, no caso da lei de Conchal apreciada pelo TJSP; ou mão de obra local, no caso da lei de Caraguatatuba), o Judiciário considerou a proposta inconstitucional, não apenas em função do disposto no art. 22, inc. XXVII, da Constituição, mas também em função do disposto no inc. I do mesmo artigo, que atribui à União competência privativa para legislar sobre direito do trabalho.

Na hipótese em análise, a obrigatoriedade das empresas contratadas pelo Município empregarem pessoas beneficiárias de programas sociais municipais pode, ainda, ir de encontro com o princípio da livre iniciativa (art. 170, caput, da Constituição), por interferir na organização e gestão empresarial privada da atividade econômica desenvolvida pelos contratados pelo Município.

Lembre-se, ainda, que o inc. I do §1° do art. 3° da Lei federal n° 8.666/93 prevê que:

"§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991"

Pode-se contra-argumentar no sentido de que a inserção da obrigação das empresas contratadas a empregar pessoas em situação de vulnerabilidade concretizaria a finalidade de promoção do 'desenvolvimento nacional sustentável', também previsto no caput do art. 3° da Lei federal n° 8.666/93 como finalidade do certame. Porém, para além das dificuldades em enquadrar o objetivo da obrigação que se deseja inserir no conceito de 'desenvolvimento nacional sustentável' (e para além da possível ofensa à livre iniciativa e à competência da União para dispor sobre direito do trabalho), há que se atentar que a própria Lei federal n° 12.349/10, quando alterou a Lei 8.666/93 para prever tal finalidade como orientadora da licitação, ao mesmo tempo dispôs sobre as formas de concretização de tal finalidade nos §§5° ao 13. Segundo entendimento do TCU, no acórdão n° 1.317/2013, tais instrumentos são numerus clausus, sendo que algumas das formas de concretização ainda dependem de regulamentação do Executivo Federal2. Por outro lado, Marçal Justen Filho se posiciona em sentido contrário ao citado entendimento3, pois entende que a Administração Pública tem discricionariedade para inserir regras contratuais com fundamento direto na cláusula do 'desenvolvimento nacional sustentável' contemplada na Lei n° 8.666/93, independentemente da regra se enquadrar nos §§ do art. 3° da lei.

Também convém assentar que esta Procuradoria Geral, em ocasiões anteriores, já se posicionou pela inconstitucionalidade de propostas legislativas com finalidades semelhantes. Assim, na Informação n° 1.748/2013 - PGM.AJC, entendeu inconstitucional projeto de lei que dispunha sobre a obrigatoriedade de contratação de adolescentes, jovens e idosos, atendidos em medidas sócio-educativas, pelas empresas contratadas por órgãos ou entidades municipais. Na época, esta assessoria manifestou-se no seguinte sentido:

"Cremos, com a devida vênia, que o projeto em questão esbarra em quatro óbices, todos suficientes para maculá-lo por inconstitucionalidade.

Primeiramente, em razão da falta de competência municipal para legislar sobre direito do trabalho, que é de competência privativa da União (art. 22, I, CRFB). Não pode o Município exigir que empresas contratem tais ou quais espécies de funcionários, sob pena de imposição de penalidade indireta (no caso, não ser contratado pelo Poder Público municipal). Compete à União estabelecer cotas de trabalhadores para o setor privado, prevendo prêmios para aqueles que seguirem à diretriz ou sanções para aqueles que dela se afastarem.

Em segundo, além da falta de competência municipal para legislar sobre o direito do trabalho, também é discutível a competência local para introduzir novas exigências para as contratações públicas que não sejam relacionadas à adequada execução do objeto específico do ajuste. Isto porque é majoritário o entendimento de que o estabelecimento de exigências para os contratantes é matéria de norma geral e, portanto, de competência legislativa da União."

Por fim, revelam-se pertinentes algumas observações. A primeira de que a Administração Pública tem discricionariedade para conformação do objeto contratual. Nada obsta, por exemplo, que o Município contrate uma organização para que ela promova a capacitação e/ou inclusão econômica das pessoas em situação de vulnerabilidade amparadas pelos programas municipais. Nesta hipótese, a inserção no mercado de trabalho é o próprio objeto primário da contratação: não há uso derivado do poder de compra estatal.

A segunda observação de que o Município possui outros instrumentos para promover a inserção no mercado das pessoas em situação de vulnerabilidade amparadas pelos programas municipais, como mecanismos tributários e/ou fiscais, ou mesmo a celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, que, pela sua própria característica, pode consistir em instrumento que melhor se adapta à finalidade pretendida, uma vez que comporta, entre as finalidades legais, não a aquisição de bens, obras ou serviços, mas 'a promoção e a defesa dos direitos humanos' (art. 5°, VII, da Lei federal n° 13.019/14) e 'a promoção de soluções derivadas da aplicação de conhecimentos, da ciência e tecnologia e da inovação para atender necessidades e demandas de maior qualidade de vida da população em situação de desigualdade social' (art. 6°, inc. IX, do mesmo diploma legal). Portanto, a implementação da política pública pode se inserir no próprio objeto do convênio, sendo admissível, em princípio, a inserção de obrigações compatíveis com tal objeto.

Finalmente, devemos pontuar que, inobstante o entendimento jurisprudencial majoritário apontado nesta manifestação, a questão da competência privativa da União para disciplinar obrigações contratuais não relacionadas diretamente ao cumprimento do ajuste não é totalmente tranquila. Há julgados que consideraram constitucionais certas exigências, com fundamento na competência legislativa suplementar do Município. Neste sentido:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei municipal de iniciativa parlamentar sobre normas gerais de licitação. Exigências 'trabalhistas' apontadas decorrem de lei Lei Federal n° 6.514, de 22.12.77 e Portaria n° 3214, de 08.06.78 do Ministério do Trabalho, sobre Segurança e Saúde do Trabalho. Razoável impor sua observância às empresas participantes de processos licitatórios locais. Matéria tratada nos arts. 1º, caput, 2º, 3º e 4º, do diploma ora impugnado, se insere no âmbito da competência suplementar conferida ao Município, permitindo-se a este legislar em complementação às normas gerais e amoldá-las à realidade local. Inexistente, quanto a tais dispositivos, o vício de iniciativa. Impõe-se, todavia, reconhecer a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 1°, da lei em questão. Inequívoca interferência na administração pública ao ampliar obrigações aos órgãos municipais, gerando, consequentemente, ônus ao erário, sem a necessária indicação da fonte de custeio. Precedentes deste C. Órgão Especial. Procedente, em parte, a ação.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 0196118-95.2013.8.26.0000; Relator (a): Evaristo dos Santos; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 02/04/2014; Data de Registro: 03/04/2014)

Há que se ponderar, entretanto, que o julgado acima trata de obrigação que já era derivada de lei (portanto, a incorporação, no contrato, de dever pré-existente), e que a obrigação guarda relação indireta com o cumprimento do objeto contratual, sendo certo que, nos contratos municipais, também é prevista a necessidade dos contratados cumprirem as regras do direito do trabalho.

São as nossas considerações, sub censura.

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São Paulo, 08/08/2018

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 08/08/2018

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 Segundo Juliana Bonacorsi de Palma, "o reconhecimento de que o poder de compra estatal pode ser destinado a finalidades outras que não apenas à contratação da proposta mais vantajosa para o Poder Público não é uma inovação recente nas licitações públicas. Um dos primeiros movimentos de uso do poder de compra estatal para promoção de políticas públicas pode ser depreendido da própria Lei Geral de Licitações, cujo art. 24, relativo à dispensa de licitação, foi sistematicamente ampliado para abarcar novas hipóteses de dispensa. No âmbito do direito público, o movimento de ampliação das hipóteses de dispensa na Lei de Licitações para fomento de determinadas atividades ou instituições não recebeu críticas sistemáticas ou resistência mais contundente" (Contratações Públicas Sustentáveis in Contratos Públicos e Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 105)

2 Referido acórdão acolheu as conclusões de grupo de trabalho constituído para estudar a previsão da Lei federal n° 12.349/10. Uma das conclusões do referido grupo foi a de que "a Lei 12.349/2010, ao acrescentar ao art. 3° da Lei 8.666/1993 os parágrafos 5° a 13, somente definiu como instrumentos de concretização do princípio da promoção do desenvolvimento nacional sustentável as hipóteses definidas nos parágrafos 5°, 7°, 11 e 12". Tal conclusão, a propósito, já havia sido manifestada pelo TCU no acórdão 2.241/2011, quando o colegiado entendeu que a previsão da promoção do desenvolvimento nacional sustentável se trata de disposição finalística, não autoaplicável.

3 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 65 e ss. Também em sentido contrário à posição do TCU: REISDORFER, Guilherme F. Dias. Desenvolvimento sustentável em licitações e contratos públicos: regulamentação, políticas de contratação e discricionariedade administrativa. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 15, n. 171, mar. 2016.

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Processo n° 6075.2018/0000119-9

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

ASSUNTO: Proposta de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados indicados por programas de municipais como o "Recomeço" ou o recém criado "Tem Saída". Uso derivado das contratações públicas. Jurisprudência majoritária no sentido da competência legislativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República. Precedente desta Procuradoria. Possível ofensa ao princípio da livre iniciativa.

Cont. da Informação n° 917/2018 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho a Vossa Senhoria manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho.

Como lá consignado, não se vislumbra inconstitucionalidade, em princípio, no uso derivado de contratações públicas previsto em lei. Por outro lado, considerando a tendência jurisprudencial identificada, eventual lei municipal nos termos propostos poderá enfrentar questionamentos, notadamente no tocante à competência legislativa municipal para dispor sobre a matéria.

Todavia, tratando-se de tema não imune a controvérsia, como também ressalvado, compete ao Chefe do Poder Executivo Municipal ponderar acerca da conveniência e oportunidade de encaminhar projeto de lei à Câmara Municipal, onde a questão será amplamente discutida, inclusive sob o aspecto da sua constitucionalidade.

Por fim, podem ser, ainda, estudados outros mecanismos para o apoio à inclusão econômica das pessoas em situação de vulnerabilidade amparadas pelos programas municipais, conforme também salientado no Parecer 10166540.

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São Paulo, 08/08/2018

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo n° 6075.2018/0000119-9

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

ASSUNTO: Proposta de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados indicados por programas de municipais como o "Recomeço" ou o recém criado "Tem Saída". Uso derivado das contratações públicas. Jurisprudência majoritária no sentido da competência legislativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República. Precedente desta Procuradoria. Possível ofensa ao princípio da livre iniciativa.

Cont. da Informação n° 917/2018 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

Senhor Secretário

Encaminho, o presente, a Vossa Senhoria, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho.

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São Paulo, 09/08/2018

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo