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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 906 de 22 de Julho de 2015

Informação n° 906/2015-PGM.AJC
Projeto modificativo de alvará de aprovação e execução de edificação nova.

 

processo n° 2013-0.374.439-9 

INTERESSADO: DAVILAR PROJETOS E EMPREENDIMENTOS LTDA.

ASSUNTO: Projeto modificativo de alvará de aprovação e execução de edificação nova.

Informação n° 906/2015-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se, em brevíssimo resumo, de consulta da Secretaria Municipal de Licenciamento acerca da possibilidade de se considerar para fins edilícios a Avenida Brigadeiro Faria Lima como a frente de imóvel que tem acesso àquela via por força de servidão perpétua de passagem que grava imóvel contíguo. Desconsiderada a servidão, o lote em questão confrontaria exclusivamente com vias locais de dimensões reduzidas, a saber, Rua Maria Rosa, Rua José Gonçalves de Oliveira e Travessa Tolstoi de Carvalho e Mello.

Há entendimentos administrativos divergentes.

A Assessoria Técnica e Jurídica da então SEHAB concluiu, em 2010, que "a servidão não cinde e nem acresce 'propriedade' e continuará a representar mero acesso à via oficial de circulação, (...)", razão pela qual a frente do lote deveria ser necessariamente alguma das vias locais que o margeiam (fls. 448/450).

SP Urbanismo, em 2014, ponderou contrariamente "que para fins urbanísticos pode-se considerar que a servidão perpétua equivale à frente de um imóvel, sendo que existe decisão da CTLU no sentido de que esta equivalência existe quando está encravado. No presente caso, o imóvel não está encravado, contudo suas outras frentes limitam o aproveitamento do imóvel, quer no seu uso, quer no gabarito, logo, pode-se entender que o imóvel se encontra em uma 'situação/de encravamento urbanístico" (fis. 437).

A conclusão alcançada por SP Urbanismo merece ser prestigiada.

A servidão perpétua que grava o imóvel objeto da matricula n° 167.462 do 4a CRI (fls. 283/293 e 367/369) deve ser considerada pela Administração com os atributos que a qualificam. Embora nascida "por conveniência e comodidade de dono de área de terreno não encravado" (fls. 450), não se confunde com autorização conferida por generosidade e nem com relação haurida de direito de vizinhança1:

"Assinale-se, ainda, que no direito moderno, como bem esclarece Fábio Maria de Mattia, a confusão entre os dois institutos — direitos de vizinhança e servidões — foi uma decorrência direta do Código Civil Francês, que denominou os primeiros de servidões legais e, como se sabe, foi copiado por grande parte das legislações modernas. (...) As servidões prediais convencionais (ou servidões propriamente ditas), por sua vez, eram aquelas que, como a própria denominação está a indicar, não eram estabelecidas pela lei, e sim pela vontade dos donos dos prédios, ou seja, se originavam de convenção, e portanto podiam ou não existir, como era o caso da servidão de trânsito, ou da servidão de luz convencionalmente estipulada entre os proprietários vizinhos. Dessa forma, veja-se que, ainda que um prédio não estivesse encravado, vale dizer, ainda que tivesse saída para a via pública (e por essa razão não haveria a servidão predial legal), nada impedia que seu proprietário ajustasse com o proprietário de um prédio vizinho que o trânsito poderia se dar através deste, com o intuito, por exemplo, de tornar mais curto o acesso a via pública, que até então só era possível pelo caminho mais longo." (Aldemiro Rezende Dantas Júnior, in O Direito de Vizinhança, Forense, 2003, paginas 115/118, destacamos)

Trata-se, como já observado neste procedimento, de direito real sobre coisa alheia e, como tal, nos termos do art. 80, I, do Código Civil, qualifica-se como bem imóvel para efeitos legais:

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; (...)

Servidões convencionais, assim, são "bens que a lei trata como imóveis, independentemente de toda idéia de relação, na decorrência de uma imposição da ordem jurídica, inderrogável pelos pactos privados" (Caio Mário da Silva Pererira, Instituições, vol. I, p. 420, destacamos).

Posto isso, verifica-se que o entendimento segundo o qual a servidão perpétua seria um "mero acesso à via oficial de circulação" peca por amesquinhar instituto a que o Código Civil confere, repita-se, os privilégios reservados à propriedade. A servidão é atributo perene e indissociável do imóvel dominante, devendo ser necessariamente ponderada em resposta à consulta objetivamente formulada por SEL.

Assentada essa premissa, temos que do alvará de aprovação e execução de edificação concedido à interessada em 27/12/2011 consta a exigência de que o acesso de pedestres e veículos, franqueado pela servidão, seja feito em caráter principal pela Avenida Faria Lima; confira-se:

"Ressalvas: (...)

14) Acessos pela servisão perpétua de passagem de veículos e pedestres instituída conforme r02 da matrícula n° 167.642 do 4° CRI e av. 9 da matrícula n° 79.641;

15) Fica ressalvado que não poderá haver nenhuma modalidade de acesso pela Rua Maria Rosa, devendo essa ressalva constar do certificado de conclusão." (fls. 21)

Verifica-se na demonstração gráfica de fls. 338/339 que, em atendimento a tais especificações, o edifício projetado estará inteiramente voltado à Avenida Brigadeiro Faria Lima, por onde se dará primordialmente o acesso às suas instalações.

Disso decorre que a Administração, independentemente da discussão ora travada, já estabeleceu para fins urbanísticos a avenida como frente do imóvel em que se erigirá o empreendimento. Se a descrição constante das matrículas dos lotes remembrados obrigasse a eleição de uma via local como frente do imóvel, o alvará teria de ser indeferido, já que, nessa hipótese, seria impossível, por meio de ressalvas, fazê-lo defrontar a Avenida Brigadeiro Faria Lima tal como projetado. As premissas que, para esse fim, legitimamente orientaram a expedição do alvará devem valer na presente circunstância, dado que não é admissível comportamento ambivalente dos órgãos municipais no que tange à orientação física do edifício e à designação de seu principal, senão exclusivo, acesso (venire contra factum proprium nemo conceditur)2.

Desse modo, considerando que (a) a servidão em debate, consoante disposto na legislação civil, é atributo perene do imóvel objeto da matrícula 79.641 do 4o CRI, (b) que, para fins urbanísticos, tal premissa orientou, com as ressalvas nele inscritas, a expedição do alvará de aprovação e execução de edificação de fls. 19/21, (c) que a Administração exigiu que o acesso de veículos e pedestres se faça pela Avenida Brigadeiro Faria Lima, é de concluir, em consonância com SP Urbanismo, que tal avenida, nos termos do art. 1°, XI, da Lei 9.413/813, constitui a frente do imóvel em que será erigido o empreendimento projetado. Conclusão em sentido contrário acarretaria, de fato, um insolúvel encravamento urbanístico.

Compete a SEL avaliar no caso concreto a incidência da restrição prevista no art. 148, II, da Lei 13.885/2004.

São essas as conclusões que sugiro sejam submetidas ao crivo do Exmo. Secretário dos Negócios Jurídicos.

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São Paulo,    /   /2015.


ANTONIO MIGUEL AITH  NETO

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 88.619

PGM

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1 "As servidões são direitos reais sobre coisas alheias (art. 674, II, do Código Civil de 1916), sendo que, conforme a redação do artigo 695 do Código Civil revogado, 'Por ela perde o proprietário o prédio serviente o exercício de alguns de seus direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize para certo fim, o dono do prédio dominante". (...) Dessarte, distinguem-se, em inúmeros pontos, dos direitos de vizinhança, visto que estes são impostas por lei ao direito de propriedade, restrições estas que são recíprocas e prescindem de registro. Em que pese a nítida diferença, ressai claro que os recorrentes, e até mesmo a extinta Corte local, como se depreende da própria ementa do acórdão vergastado e da crítica tecida à doutrina de Pontes de Miranda, confundem servidão predial com inconveniente e recorrente confusão, que tem origem remota no Direito Romano, como bem observa Aldemiro Rezende Dantas Júnior." (STJ, REsp 207738, DJe 29/4/2011)
"A teoria dos atos próprios impede que a administração pública retorne sobre os próprios passos, prejudicando os terceiros que confiaram na regularidade de seu procedimento. Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por ela, e os seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os próprios passos depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiaram." (STJ, REsp 141879, j. 17/3/98). "A expressão venire contra factum proprium traduz princípio geral que tem por antijurídico o rompimento injustificado e/ou abrupto com uma conduta que, dadas as suas características aptas a induzir confiança em sua regularidade, tenha pautado o comportamento alheio. Assim, incorre na proibição do venire quem exerce posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente, verificando-se a ocorrência de dois comportamentos de uma mesma pessoa, diferido no tempo, sendo o primeiro (factum proprium) contrariado pelo segundo. (...) O Direito Público constitui fértil campo de aplicação de aplicação do venire contra factum proprium, uma vez que a Administração, valendo-se (por vezes de forma inadmissível) de sua posição de superioridade e da presunção de legalidade dos atos administrativos, fere direitos subjetivos dos particulares ou atropela as legítimas expectativas dos particulares que confiaram, justamente, naquele presunção de legalidade.A jurisprudência brasileira brasileira tem aplicado essa emanação da confiança em variadas situações de fato. Exemplificativamente, no Resp 47.015-SP decidiu-se que a alegação, pela Administração Pública, de nulidade de título de propriedade outorgado a particular pelo Poder Público por meio de um funcionário de alto escalão' era inadmissível, caracterizando-se o cabimento da ação de indenização por desapropriação indireta, na forma de precedentes do STF e do STJ. E na própria ementa do acórdão, invocou o STJ o brocardo nemo potest venire contra factum proprium que, para recente doutrina, tem fundamento constitucional, sendo incontestável sua incidência à Administração Pública, ainda de forma mais intensa que nas relações interprivadas em razão das presunções de legalidade e legitimidade que revestem os atos administrativos e da inegável assimetria dos poderes existentes na relação Administração-administrado." (Judith Martins-Costa, "Principio da confiança legítima e princípio da boa-fé objetiva, in RT 852/107-109)
3 Art. 1°. Para efeitos de aplicação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, para fins urbanos, as seguintes expressões ficam assim definidas: (...) XI - FRENTE DO LOTE é a sua divisa lindeira à via de circulação. 

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processo n° 2013-0.374.439-9

INTERESSADO: DAVILAR PROJETOS E EMPREENDIMENTOS LTDA.

ASSUNTO: Projeto modificativo de alvará de aprovação e execução de edificação nova.

Continuação da informação n° 906/2015-PGM.AJC

SJ

Exmo. Secretário,

Encaminho o presente a Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico Consultiva desta Procuradoria Geral do Município, cuja conclusão acolho.

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São Paulo, 22/07/2015.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO EM EXERCÍCIO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 2013-0.374.439-9 

INTERESSADO: DAVILAR PROJETOS E EMPREENDIMENTOS LTDA.

ASSUNTO: Projeto modificativo de alvará de aprovação e execução de edificação nova.

Informação n.° 2175/2015-SNJ.G.

SEL

Senhora Secretária

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Procuradoria Geral do Município, que acolho, no sentido de que, tendo em vista a instituição de servidão perpétua de passagem que onera imóvel contíguo, a Avenida Faria Lima constitui a frente do imóvel em que será erigido o empreendimento projetado, nos termos do art. 1°, XI, da Lei n. 9.413/81, devendo essa Pasta avaliar no caso concreto a incidência da restrição prevista no art. 148, II, da Lei n. 13.885/04.

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São Paulo, 13/08/2015.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo