PA 2014-0.319.887-6
INTERESSADO: DAVID CAPACHI ALVIM - RF 816.827.0
ASSUNTO: Procedimento de anulação de posse em cargo público previsto no Decreto n° 47.244/06 - Servidor que apresenta autodeclaração de afrodescendência e não comprova a veracidade da declaração - Proposta de anulação de posse do cargo municipal.
Informação n° 0069/2016-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe
O Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED encaminha o presente a esta PGM para ciência do parecer de fls. 395/401, rogando, pela competência (art. 12 do Decreto n° 47.244/06), por sua posterior remessa ao Exmo. Secretário dos Negócios Jurídicos para deliberação. O parecer, irretocável, chancela a proposta da Comissão Processante (PROCED 312) de anulação da posse do servidor David Capachi Alvim, que não conseguiu, ao cabo do procedimento contra si instaurado, "provar sua ascendência negra nos moldes em que a declarou quando da sua inscrição":
"(...) É de se dizer, ainda, que todo ônus de se provar determinado ato ou fato incumbe àquele que o alega. Tendo o servidor optado (mera faculdade) por declarar sua afrodescendência quando da participação no concurso público, nada mais justo que demonstrá-la, em ato posterior, quando devidamente inquirido a respeito. Trata-se de mera questão de boa-fé; de enquadramento e subsunção à hipótese legal."
Não é possível, de fato, emprestar à autodeclaração o caráter dogmático e a força vinculantes pela defesa. A Administração não apenas pode, como deve, na defesa daqueles a que o regime de cotas efetivamente visa proteger, sindicar as autodeclarações de afrodescendência que não sejam confortadas por elementos externos ao mero desejo do candidato. E farta a jurisprudência nesíer sentido1.
No caso concreto, em que pese ao digno esforço de seu patrono, a presunção decorrente do alvo fenótipo do servidor não foi minimamente abalada.
A remota existência de uma tia paterna qualificada como "morena" numa cópia simples (e precária) de certidão de nascimento (fls. 44) é muito pouco para inseri-lo no grupo racial que postula integrar. Segundo a defesa, a apresentação de documentos adicionais demonstrativos dessa sua característica étnica teria sido dificultada pelo fato de o servidor, em tenra idade, ter perdido contato com a linha de ascendência paterna, onde se fincariam as raízes africanas:
"(...) O Peticionário enfrenta uma dificuldade particular para ter acesso a tal probatório. A linha ascendente de origem negra está ligada ao pai. Entretanto, o casal (pai e mãe) rompeu a relação conjugal quando o Requerente tinha dois anos de idade. E foi uma separação traumática, significando o abandono da família pelo pai, que deixou de dar amparo à mulher e ao filho único do casal. A cópia da carteira de identidade do pai foi conseguida graças à intervenção de terceiros e transmitida pela Internet. É possível constatar que os pais de CLEVER MAGALHÃES ALVIM (pai do indiciado, conforme documento de fls. 55), são SEBASTIÃO CAMPOS ALVIM e CÉLIA ANDRADE MAGALHÃES ALVIM (avós, portanto do Peticionário).
O requerente também conseguiu cópia da certidão de nascimento de sua tia TÂNIA MAGALHÃES ALVIM, onde está declarado tratar-se de pessoa morena. (...) Trata-se de prova robusta de que os ascendentes diretos (avós) do Requerente são afrodescendentes, único caminho possível para se tornarem geradores de uma filha afrodescendente." (fls. 328)
A narrativa, contudo, é inconsistente, se não pior. Pai e filho mantiveram-se por dez anos associados na CMA INSPEÇÕES DE DUTOS LTDA. - ME (CNPJ 07.563.291/001-75). O servidor nela ingressou em 2005, dela se retirando, vejam só, em 4 de novembro de 2015 (em pleno transcurso, neste procedimento, do prazo para razões finais de defesa), por força da liquidação da pessoa jurídica. É improvável que ao longo dessa década pai e filho não se tenham encontrado, ao menos para assinar os instrumentos de distrato social. Ainda que ausente o amor paternal, affectio societatis havia.
É também curioso que a defesa não tenha trazido fotos da tia Tânia. As fotos anexas, obtidas por meio da rede mundial de computadores, explicam a oportunística omissão: as imagens ilustrariam mal seu argumento. Tânia e suas filhas são antes Valquírias que Iemanjás.
De pouca valia o "teste de ancestralidade biogeográfica" de fls. 101, encomendado de instituição que, divulgada por meio de link patrocinado no google, oferece a possibilidade de prova de ascendência negra. Como bem destacado às fls. 214, "a finalidade trazida pela política de cotas raciais dirige-se à problemática racial e não genética". Teremos todos, em alguma medida, o rastro genético de ascendente primordial africano.
A episódica autodeclaração de afrodescendência, por fim, não é coerente com os demais aspectos da vida social do servidor. Em nenhum outra oportunidade conhecida este se qualificou ou foi qualificado "pardo", como subitamente, por impulso, passou a se considerar. Pelo contrário, os registros oficiais, assim como a "Comissão de Monitoramento e Avaliação da Execução da lei municipal n° 15.939/13" (fls. 210/216), apontam-no como branco. Por exemplo, nos autos do inquérito policial que resultou na denúncia do servidor por tentativa de homicídio qualificado, foi este descrito, em junho de 2010, como branco, tanto no boletim de ocorrência quanto na requisição de exame pericial (fls. 17 e 39 da ação penal n° 0188.10.004963-7, em trâmite na Comarca de Nova Lima-MG). Na ocasião, aliás, foi ele preso em flagrante em companhia de Mateus Hamdam Alvim, seu primo germano por parte de pai (e, portanto, sobrinho de Tânia e neto de Sebastião e Célia), o qual foi também oficialmente designado como branco pela autoridade policial (fls. 18 da referida ação penal).
O acolhimento da defesa seria escarnecer do regime de cotas e dos demais candidatos que honestamente participaram do concurso público atalhado pelo ora servidor David Capachi Alves. Desse modo, sugiro elevar o presente a SJ aderindo à proposta de PROCED de anulação de sua posse no cargo de Auditor-Fiscal Tributário Municipal I, nos termos do Decreto n° 47.244/06 e dos artigos 48, A, B e C, da Lei n° 14.141/06, com a redação dada pela Lei n° 14.614/07.
São Paulo, 21/01/2016
ANTONIO MIGUEL AITH
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 88.619
PGM
De acordo.
São Paulo,26/01/2016
TlAGO ROSSI
Procurador Assessor Chefe - AJC
OAB/SP 195.910
PGM
1"(...) A autodeclaração não é critério absoluto, sob pena de se subverterem os objetivos da lei de privilegiar a inclusão das pessoas menos favorecidas sejam por questões sociais ou econômicas ou por outro fator de discriminação. No caso dos autos, efetivamente não cabe ao Juiz substituir a comissão na avaliação feita, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia e de adentrar em seara predominantemente administrativa. (TRF4, AG 5034327-09.2015.404.0000, j. 03/12/2015). "(...) A autodeclaração não é, em toda e qualquer hipótese, bastante para provar a identidade racial para fins de acesso às cotas raciais, nem absolutamente insuscetível de questionamento pela Administração. Tendo a Comissão Avaliadora, no exercício de sua legítima função regimental, afastado o conteúdo da autodeclaração, o acolhimento da pretensão da parte autora requer a superação da presunção de legitimidade desse ato administrativo, que somente pode se elidida mediante prova em contrário, a ser produzida durante a instrução do processo originário." (TRF4, AG 5036049-78.2015.404.0000, j. 10/11/2015). "Sendo o edital do concurso claro ao adotar o fenótipo - e não o genótipo - para a análise do grupo racial, não resta demonstrada arbitrariedade na decisão da Comissão, que, seguindo os termos estritos do dispositivo mencionado, procedeu à verificação dos aspectos de identificação com o grupo de afro-descendentes, reputando-os não preenchidos." (TRF4, AG 5030297-28.2015.404.0000, j. 05/11/2015).
PA n° 2014-0.319.887-6
INTERESSADO: DAVID CAPACHI ALVIM - RF 816.827.0
ASSUNTO: Procedimento de anulação de posse em cargo público previsto no Decreto n° 47.244/06 - Servidor que apresenta autodeclaração de afrodescendência e não comprova a veracidade da declaração - Proposta de anulação de posse do cargo municipal.
Continuação da informação n°0069/2016-PGM.AJC
SJ
Sr. Secretário,
Encaminho o presente à deliberação de Vossa Excelência com as manifestações do Departamento de Procedimento Disciplinares e da Assessoria Jurídico Consultiva desta Procuradoria Geral do Município, que acolho.
São Paulo, 02/02/2016
ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 162.363
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo