processo n° 2012-0.004.773-3
INTERESSADOS: SECRETARIA MUNICIPAL DE COORDENAÇÃO DAS SUBPREFEITURAS
ASSUNTO : Limpeza urbana - Infração administrativa - Depósito de resíduos de qualquer natureza com massa superior a 50 quilogramas em vias - Apreensão do veículo utilizado para prática da infração - Não pagamento de multa administrativa - Dúvidas acerca da possibilidade de leilão do veículo e da legislação aplicável.
Informação nº 0551/15-PGM-AJC
PGM.G
Senhor Procurador Geral,
Trata o presente de consulta feita pela Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras sobre a possibilidade de leiloar os veículos apreendidos para a prática de infração prevista na lei municipal de limpeza urbana consistente no depósito de resíduos de qualquer natureza com massa superior a 50 quilogramas em vias públicas.
A dúvida surge em razão de apreensão de veículo feita pela Subprefeitura de M'Boi Mirim, por infração ao art. 161, da Lei 13.478/02. Ocorre que o proprietário não recolheu o valor da multa para liberação do veículo, sem o que não é permitida a devolução, nos termos do art. 190, da mesma lei.
Dessa maneira, constata a Secretaria que não existe norma municipal em vigor que discipline o leilão de veículos para a hipótese. Observa, no entanto, que a Lei Federal nº 8.666/93, no art. 22, §5º autoriza a Administração a promover a venda, por leilão, entre outros, de veículos legalmente apreendidos ou penhorados, sendo desnecessária a edição de lei municipal para tal mister. Sugere, ainda, que para fixação do procedimento, seja editado decreto, a exemplo do Decreto nº 51.832/2010, que regulamenta o procedimento para destinação dos veículos abandonados em vias públicas.
Esclarece, por fim, que a fiscalização dos preceitos da Lei 13.478/2002 é feita pela AMLURB e pelas 32 Subprefeituras, sendo elevado o número de veículos e carcaças apreendidos e removidos pelos agentes de fiscalização das regionais.
É o relatório.
A infração em comento está prevista no art. 161, caput, da Lei 13.478/2002, que assim determina:
Art. 161 - É proibido o depósito de entulho, terra e resíduos de qualquer natureza, de massa superior a 50 (cinqüenta) quilogramas, em vias, passeios, canteiros, jardins e áreas e logradouros públicos.
Parágrafo Único - O disposto neste artigo aplica-se, também, aos veículos abandonados em vias públicas, por mais de 5 (cinco) dias consecutivos, bem como aos materiais de construção depositados em vias públicas por mais de 2 (dois) dias consecutivos.
A sanção a tal infração, por sua vez, é especificada no art. 189, da mesma lei:
Art. 189 - A infração aos artigos 160, 161, 163 e 165 será punida com a apreensão dos materiais neles especificados, bem como dos veículos que os esteiam transportando, sem prejuízo da obrigação da limpeza do local ou reparação dos danos eventualmente causados.
Parágrafo Único - Os serviços de limpeza do local e reparação dos danos eventualmente causados poderão ser executados pela Prefeitura, a seu critério, cobrado, em dobro, o custo correspondente, sem prejuízo de í multa cabível.
Art. 190 - A devolução dos veículos, dos objetos ou dos materiais apreendidos será condicionada ao pagamento da multa estipulada na Tabela do Anexo VI.
Como se vê, a legislação municipal ao prever como infração às regras de limpeza urbana o depósito de resíduos de massa superior a 50 quilogramas em lugares públicos em geral, estabeleceu como penalidade, além da multa, a apreensão do veículo utilizado para o transporte do resíduo1.
Não há previsão de perda do bem, caso não paga a multa ou não reclamado o veículo pelo responsável. E nem poderia, sob pena de usurpar competência privativa da União Federal.
Com efeito, a perda do bem, por meio de sua alienação forçada como consequência da medida administrativa de apreensão, interfere com o direito de propriedade, matéria de direito civil, a qual compete privativamente à União disciplinar, ao teor do art. 22, I, da Constituição Federal2.
De outro lado, e evidente que tendo o Poder Público municipal a competência para fiscalizar a limpeza urbana e, como tal, exercer o poder de polícia para limitar a atividade individual em prol do interesse da coletividade, para efetivá-lo deve não só editar os atos normativos que irão estipular as limitações bem como às sanções pelas infrações administrativas, como também poderá praticar os atos materiais que garantam efetividade ao exercício do poder de polícia, obstando o prosseguimento da conduta danosa, como é o caso da apreensão.
Portanto, a apreensão de bens com o fim de obstar a prática de atividade que prejudique a coletividade é de competência municipal, que deve disciplinar as hipóteses de aplicação em ato normativo, lei em sentido estrito, visto criar uma restrição à atuação do particular.
Questão que vai além, entretanto, é a analisada neste administrativo, que importa em saber sobre a destinação dos bens regularmente apreendidos pela Administração decorrentes do exercício do poder de polícia.
Neste ponto, em nosso entender, a previsão de destinação de tais bens deve, igualmente, vir estampada em lei, ainda que o procedimento seja disciplinado em ato regulamentar do Poder Público.
Isso porque a destinação do bem, seja por alienação, doação, e até mesmo a sua inutilização, ainda que consectários da apreensão, assim como esta, configuram uma restrição ao direito do particular e, como tal, não prescindem de lei formal que as autorizem.
Veja-se que a destinação do bem não é uma sanção pela prática da infração administrativa. As revés é medida que visa solucionar uma questão fática, visto que a permanência indefinida de bens não reclamados sob custódia da Administração poderia acarretar ônus maior à coletividade para manutenção deles até se chegar ao ponto da completa deterioração pelo decorrer do tempo.
O direito e o bom senso reclamam, assim, a adoção de medidas com vistas à evitar a completa inutilização do bem, emprestando a este uma destinação útil. De toda forma, para que isso ocorra a lei em sentido estrito deve prever tal possibilidade, pois, como dito, não deixa de ser uma restrição à atividade do indivíduo.
Tome-se como exemplo de previsão legal a respeito o constante do art. 328, do Código de Trânsito Brasileiro.
Com efeito, não se mostra razoável que o Poder Público seja compelido a permanecer indefinidamente com a guarda dos bens apreendidos, ainda que não reclamados pelo interessado e mesmo após este ser notificado para adoção das medidas pertinentes à liberação do bem.
Na situação tratada pelo Código de Trânsito, o legislador apenas fixou um prazo para que os proprietários reclamassem os veículos apreendidos. Caso não o façam, o bem será vendido e o produto da venda servirá para arcar as dívidas que sobre ele recaem e o restante ficará à disposição do proprietário. Logo, a propriedade não é perdida. Apenas há a venda do bem com o propósito de lhe conferir uma destinação útil, antes de sua deterioração pelo simples decurso do tempo. E, assim, por ser tratar de uma alienação forçada de coisa de terceiro, reforçamos, deve estar previsto em lei em sentido estrito.
Importa observar, também, que não se presta a atender a tal exigência a previsão contida na Lei Federal nº 8.666/93, no art. 22, §5º que faculta à Administração promover a venda, por leilão, entre outros, de veículos legalmente apreendidos ou penhorados, visto se tratar apenas de uma norma de procedimento.
A lei que prevê a restrição à atividade do particular, repita-se, é que deve delimitar o exercício do poder de polícia, descrevendo não só a infração administrativa, como também as sanções e demais implicações aos direitos individuais.
Vale destacar que diversa é a hipótese do bem abandonado na via pública. Neste caso, o Decreto nº 51.832/2010 nada mais fez que regulamentar o procedimento para leilão após a caracterização do abandono. E assim pode dispor porque o abandono é instituto previsto pelo Código Civil e constitui uma das causas de perda da propriedade.
Logo, o veículo, nestas condições, não pertence mais ao seu antigo proprietário. O Decreto tão só uniformiza o procedimento no Município de São Paulo para destinação de tais bens que, a rigor, passarão a pertencer a quem deles se assenhorear, nos termos do art. 1.263, do CC.
Providenciado pelo Município o recolhimento do veículo abandonado em via pública dele passa a ser proprietário, podendo dar a destinação que melhor seja condizente ao interesse público, inclusive a venda por leilão3.
Sendo assim, para os veículos apreendidos em razão de infração às posturas municipais, não havendo lei que autorize a alienação forçada do bem, a única solução de desfazimento deles pela Administração seria na hipótese de configuração do abandono.
Há que se registrar que o veículo não foi, como na hipótese tratada no Decreto 51.832/2010, em um primeiro momento, abandonado pelo proprietário. Ao revés, foi apreendido pela autoridade municipal com vistas a obstar a prática de atividade irregular.
Ocorre que percorrido todo o trâmite previsto para sancionar o infrator, se ele não reclamar o bem, por qualquer meio, não encontramos óbices que, adotadas as cautelas pertinentes, seja possível a caracterização do abandono, nos termos do art. 1.275, do CC.
Nesse sentido, como ensina Caio Mário da Silva Pereira, "não se requer, na caracterização do abandono, uma declaração expressa do dono. Basta que o propósito se infira inequívoco do seu comportamento em relação à coisa, como as que são deixadas em locais públicos, em terrenos baldios, e mesmo em lugares policiados e fechados. É o abandono tácito que alguns denominam de 'abandono presumido'."4
Seja como for, o que importa é que a regulamentação discipline procedimento que demonstre de forma inequívoca a intenção de abandonar o veículo apreendido, prevendo, em especial, a intimação do proprietário com a estipulação de prazo para resposta, sob pena de configuração de abandono.
Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça:
ESP - LOCAÇÃO - RELAÇÃO LOCATÍCIA DESCONSTITUÍDA - BENS DEIXADOS PELO INQUILINO NO IMÓVEL - Os móveis e utensílios deixados, no imóvel, pelo inquilino devem ser entregues à guarda de depositário. O instituto do "abandono" reclama comprovação do "animus".
(STJ - REsp: 181405 SP 1998/0050058-8, Relator: Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Data de Julgamento: 05/11/1998, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.12.1998 p. 321RSTJ vol. 119 p. 657)
Aliás, a propósito, seria interessante que as Subprefeituras efetuassem levantamento de todas as hipóteses de apreensão de bens por infração às posturas municipais previstas na legislação local e regulamentasse, se possível, a caracterização de abandono, de modo a viabilizar a realização de hasta pública ou até mesmo a doação a depender da natureza do bem apreendido.
Por fim, vale registrar que a previsão contida no art. 190, da Lei 13.472/2002, ao condicionar a liberação do veículo apreendido ao pagamento da multa, pode ensejar questionamentos judiciais, uma vez que há jurisprudência dominante no sentido da impossibilidade de tal condicionamento nos casos de aplicação de medidas administrativas de apreensão 5.
Permitimo-nos, ainda, sugerira comunicação entre as Subprefeituras e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, uma vez que a infração tratada neste expediente pode constituir, igualmente, infração cominada no Decreto Federal nº 6.514/2008, o qual já regulamentou a possibilidade de apreensão do veículo utilizado na prática da infração administrativa e sua destinação (cf. arts 3º, IV e 111, do Decreto 6.514/08 e art. 25, §5º, da Lei Federal nº 9.605/98).
São Paulo, 04 de maio de 2015
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
De acordo.
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE SUBSTITUTO- AJC
OAB/SP 227.775
PGM
1 A rigor, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, a apreensão no caso não é propriamente uma sanção à infração cometida e sim uma providência acautelatória, caractrizada como uma medida "que a Administração muitas vezes necessita adotar de imediato para previr danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa e cuja finalidade não é - como o das sanções - intimidar eventuais infratores para não incorram em conduta ou omissão indesejada, mas, diversamente, é a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem", in Curso de direito adminitrativo, 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 825.
2 O STF tratou da competência da União Federal para tratar de assuntos vinculados à propriedade de bens particulares em ADin ajuizada cm face de lei estadual que disciplinava o uso pela Administração de bens apreendidos: "O texto impugnado permite à administração utilizar em serviços de inteligência veículos particulares apreendidos. Como a regra não especifica os motivos pelos quais os veículos passíveis de utilização foram retirados da esfera de uso e gozo de seus proprietários, a permissão se estende aos veículos apreendidos não apenas em razão de infração de trânsito, mas de outras violaçOes, como a da ordem tributária. Ao assim prescrever, a Lei 8.493/2004 viola o direito constitucional ao devido processo legal que leva à perda compulsória da propriedade ou do direito de uso e gozo (posse), cuja positivacão no campo infraconstitucional é atribuída à União, seja no campo da legislação do trânsito ou não (arts. 5°. caput, XXV e XLV. e 22. I. III e XI. da Constituição). (...) Nos termos da Constituição, compete à União legislar sobre direito penal (perdimento de bens), processual (apreensão), requisição civil (uso de bens particulares enquanto não declarado o perdimento ou resolvida a situação lesiva, e devolvido o bem ao proprietário) e de trânsito. Portanto, não poderia o Estado-Membro criar hipóteses semelhantes à requisição administrativa para aplicacão no período em que o veículo aguarda definição de sua alienação compulsória ou de retorno ao proprietário." (ADI 3.639. voto do rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento cm 23-5-2013, Plenário. DJE de 7-10-2013.)
3 Registre-se que o Decreto municipal assinala que o saldo do produto da venda do veículo abandonado, após pagas as dívidas, ficará por 5 anos à disposição do (antigo) proprietário. Trata-se de previsão conservadora, pois, a rigor sendo coisa abandonada, ocorreu a perda da propriedade e, por isso, o antigo proprietário não detém mais o direito de uso, gozo e disposição da coisa.
4 Instituições de direito civil, vol IV, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 160.
5 A respeito confira-se o julgamento do RESP n° 1.144.810, STJ, julgado sob o regime de recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC) e especificamente sobre o tema, Apelação n° 0026762-45.2010.8.26.0053 -T/J, Apelação n° 1034647-54.2014.8.26.0053, entre outras..
do processo n° 2012-0.004.773-0
INTERESSADOS: SECRETARIA MUNICIPAL DE COORDENAÇÃO DAS SUBPREFEITURAS
ASSUNTO: Limpeza urbana - Infração administrativa - Depósito de resíduos de qualquer natureza com massa superior a 50 quilogramas em vias - Apreensão do veículo utilizado para prática da infração - Não pagamento de multa administrativa - Dúvidas acerca da possibilidade de leilão do veículo e da legislação aplicável.
Cont. da Informação nº 0551/15-PGM-AJC
SNJ.G
Sr. Secretário
Nos termos da manifestação da Assessoria Jurídica desta Procuradoria Geral, que acolho, encaminho o presente a V. Exa. com o entendimento de que, para a realização de leilão para venda de veículos apreendidos em razão da infração prevista no art. 161, caput, da Lei 13.478/2002, é necessária a inequívoca caracterização de abandono do bem, nos termos do art. 1.275, do Código Civil, cujo procedimento poderá ser previsto em Decreto.
São Paulo,
ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP nº 162.363
PGM
do processo n° 2012-0.004.773-0
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE COORDENAÇÃO DAS SUBPREFEITURAS
ASSUNTO: Limpeza Urbana - Infração administrativa - Depósito de resíduos de qualquer natureza, com massa superior a 50 quilogramas em vias - Apreensão do veículo utilizado para prática da infração - Não pagamento de multa administrativa - Dúvidas acerca da possibilidade de leilão do veículo e da legislação aplicável.
Informação nº 1358/2015-SNJ.G.
SECRETARIA MUNICIPAL DE COORDENAÇÃO DAS SUBPREFEITURAS
Senhor Secretário
À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endossamos, no sentido de ser necessária a inequívoca caracterização de abandono do bem, nos termos do art. 1275 do Código Civil, para a realização de leilão para venda de veículos apreendidos em razão da infração prevista no art. 161 da Lei Municipal nº 13.478/2002, encaminho o presente para ciência e adoção das providências pertinentes à espécie, ressaltando as sugestões da Sra. Procuradora Assessora, consubstanciadas no levantamento, prévio à regulamentação da matéria, de todas as hipóteses de apreensão de bens por infração a posturas municipais e na comunicação à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, pois a infração aqui tratada também pode constituir conduta disciplinada na Lei Federal nº 9605/1998.
São Paulo, 02/06/2015
ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos
SNJ.G
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo