Processo 2003-0.112.147-4
INTERESSADA: ASSOCIAÇÃO DOS MUTUÁRIOS E MORADORES DO CONJUNTO SANTA ETELVINA - ACETEL
ASSUNTO: Reintegração de posse (autos 0026858-70.2004.8.26.0053). Fase recursal. Proposta de acordo.
Informação n° 0502/2016-PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Assessor Chefe
Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada pelo Município de São Paulo em face da entidade interessada (autos em epígrafe), atualmente em fase recursal, contando a demanda com sentença de procedência parcial, com determinação de reintegração de área pública de considerável metragem (aproximadamente 25 mil metros quadrados1), condicionada ao pagamento de indenização à ré pelas benfeitorias erigidas no local, consistentes em um acervo impressionante de construções: sede social, biblioteca, escola técnica, odontologia, refeitório, sala de segurança, escola musical, ambulatório, área de produção, piscinas, academias de ginástica, concha acústica etc (cf. laudo pericial de fls. 435/504). Além disto, o juízo fixou indenização em favor do Poder Público pelo uso pretérito do bem.
Contra a sentença foi interposto recurso de apelação pelo Município, que requereu o afastamento da condenação ao pagamento de benfeitorias, bem como a majoração pelo uso pretérito. Igualmente consta recurso pela entidade ré, que postula a anulação da sentença, de modo a fazer com que prevaleça a reintegração pela área menor indicada na exordial, e não a maior apurada em sede pericial.
A despeito do estágio processual avançado, a entidade vem envidando esforços junto ao Município no sentido da realização de acordo, nos termos da proposta apresentada perante a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial em meados de 2015 (fls. 628/631). Tal acordo consistiria na imediata aplicação do julgado, com a restituição da posse ao Município, mediante o pagamento da indenização pelas benfeitorias, descontada a indenização devida ao Poder Público. O interesse municipal em relação a tal avença advém do uso da área para fins de construção de um hospital (cf. indicado a fls. 635/633 e 671/676). A despeito da combatividade do DEMAP, não houve êxito em obter a imediata retomada da posse do imóvel, mediante formulação de requerimento de antecipação dos efeitos da tutela recursal. Vale ressaltar, desde já, que esta Assessoria Jurídico-Consultiva reputou prematura a celebração do acordo sugerido, nos termos da informação de fls. 652/653.
Recentemente, por força de iniciativa do Judiciário, foi realizada audiência de tentativa de conciliação (cf. ata acostada a fls. 738/739), em que houve proposta do juízo para que a Superior Administração verifique a possibilidade de regularização da área, de forma a manter os melhoramentos encetados no local e o atendimento da população de Cidade Tiradentes. Assim, o Município seria reintegrado na área menor constante da inicial, local em que se pretende a instalação do hospital público, de modo que no restante da área haveria a manutenção da atividade da ACETEL.
Esta a razão do encaminhamento dado ao presente: deliberação quanto à hipótese de regularização da área ocupada pela ACETEL, mediante acordo. O DEMAP teceu algumas considerações a respeito nas manifestações de fls. 750/755 e 764/768. A Diretoria do Departamento pondera que a compostura da regularização, tal qual indicada pela entidade a fls. 740/742, implica alienação de propriedade municipal mediante a renúncia aos valor das benfeitorias, o que parece esbarrar em óbices jurídicos significativos.
É o relatório do quanto necessário.
Inicialmente, convém acentuar o caráter excepcional do caso presente, que abarca ocupação de área pública com dimensão significativa e que remonta à década de 90. Além disto, consta que os equipamentos instalados apresentam uma destinação comunitária igualmente significativa, com acentuado viés público, aspecto salientado pelo Judiciário em várias decisões.
Por conta disto, nos últimos doze meses, foram apresentados dois cenários para composição entre as partes.
Pelo primeiro, haveria a reintegração da totalidade da área pelo Município, mediante o pagamento de indenização decorrente das benfeitorias construídas no local pelo ocupante. Trata-se do conteúdo da proposta intermediada pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, conforme acima exposto. Na verdade, tal composição envolveria a implementação, pura e simples, da sentença objeto de apelação pelo Município. A sua vantagem imediata seria a pronta reintegração de parte da área para fins de implementação de equipamento de saúde.
Ocorre que tal acordo foi temporariamente afastado por esta PGM-AJC, nos termos da informação de fls. 652/653, seja em razão da boa probabilidade de êxito da pretensão recursal, seja em virtude da carência de elementos que apontem para a efetiva urgência de retomada da área.
Vale salientar que tais aspectos destacados por esta AJC mantêm-se na íntegra. Aliás, sequer a comprovação de urgência para a retomada da área pública - vislumbrada como causa eficiente para o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal final - foi realizada de modo suficiente, ante as precárias informações de 635/633 e 671/676. Tal aspecto foi expressamente objeto de consideração pelo Judiciário2. Nesse sentido, o motivo imediato para a reintegração parece não encontrar suporte nas informações prestadas pela SMS.
Pelo segundo cenário, foi posta a questão da regularização da área mediante a sua alienação. Assim, o Município seria reintegrado na área menor constante da inicial, local em que se pretende a instalação do hospital público, de modo que no restante da área haveria a manutenção da atividade e das benfeitorias da ACETEL, adquirente do bem. Este o teor da petição de fls. 740/742.
No entanto, entende-se que tal cenário encontra-se refratário a qualquer acordo. Com efeito, a questão referente à regularização da ocupação indevida mediante a alienação da área já foi objeto de análise pretérita pelo Município, nos termos da tramitação levada a efeito no PA acompanhante n.° 2005-0.011.601-2. Os fundamentos que levaram ao indeferimento da Secretaria dos Negócios Jurídicos (fls. 544 do PA acompanhante) e da Secretaria do Governo Municipal (fls. 547) foram: (a) investigação realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo acerca da ocupação indevida; (b) apuração realizada em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de São Paulo, que recomendou a desocupação da área; (c) haja vista a vocação da área ao uso comum do povo, impõe-se a inadmissibilidade de que haja uso privativo e fechado apenas ao núcleo dos associados da entidade, que inclusive pagam mensalidades; (d) trata-se de bem fora do comércio, sendo vedada a alienação; (e) mesmo sendo admitida a alienação, haveria necessidade de realizar prévio certame licitatório, aberto a qualquer um do povo.
Em manifestação a respeito, esta Procuradoria Geral do Município pronunciou-se a fls. 209, exposto que "uma entidade que não acata determinações legais, obrigando a Municipalidade a ajuizar uma ação de reintegração de posse, fica inabilitada para receber esse tipo de benefício do Poder Público".
Ora, inexiste qualquer circunstância fática superveniente que altere a conclusão então firmada. Pelo contrário, as razões jurídicas suscitadas mantêm-se.
Mesmo que se alegue que a consolidação fática da ocupação recomende o firmamento de um acordo, entende-se plenamente incabível uma composição nos termos em que acenado pela ACETEL a fls. 628/631 e 740/742. Com efeito, destoa plenamente da juridicidade a possibilidade de alienação da área a tal entidade, mediante a compensação pelas benfeitorias erigidas.
Em primeiro lugar, não se pode descurar - esta é a tese reiteradamente exposta pelo Município - que a entidade erigiu as benfeitorias ciente de que o fazia sobre área pública, de modo irregular, portanto. Em segundo lugar, há consolidada jurisprudência afastando a possibilidade de retenção por benfeitorias sobre bem público, conforme já exposto por esta PGM-AJC.
A premissa tomada pelo Judiciário é a vertente social dos equipamentos instalados no local. Ocorre que tal premissa deve ser confrontada com as observações tomadas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito, conforme fls. 540 do PA acompanhante n.° 2005-0.011.601-2, dando conta de cobrança pela utilização de sala de ginástica, bem como pela realização de consulta médica e odontológica. Como será exposto a seguir, convém verificar se tal realidade subsiste, assim também a própria envergadura social das atividades beneméritas desenvolvidas pela entidade interessada.
Demais, mesmo que a ACETEL desenvolva atividades de real interesse social, a sua condução deve se pautar pelos parâmetros legais de fomento a tais práticas.
Nesse sentido, entende-se que a tabulação de acordo, nos moldes dos cenários acima expostos, contraria a ordem jurídica, o que já restou firmemente reconhecido pela Superior Administração.
Por outro lado, não se pode desprezar as razões que motivaram o Judiciário a instar o entabulamento de uma composição entre as partes. Cite-se o Acórdão acostado a fls. 289/295, em que restou destacada a "função social" conferida à área pela associação ré, que instalou no local clube esportivo, cooperativa de costura, curso de cabelereiro, centros médico odontológica, além de "outras ações cumunitárias". Igualmente merece referência a recente audiência realizada no Tribunal de Justiça, conduzida por um espírito de "aproximar a ACETEL da Municipalidade (...), como forma a evitar, assim, que a população da Cidade Tiradentes não sofra com a retirada dos melhoramentos promovidos pela ACETEL há anos".
Nesse contexto é que se pode dar início à verificação de um terceiro cenário - para além daqueles acima referidos - que legitime a regularização da situação, a exemplo do firmamento de permissão de uso da área, nos termos do Decreto municipal n.° 52.201/11. Evidentemente, a validade de tal uso está condicionada à plena obediência aos preceitos normativos que regem a matéria, cuja análise inicial está a cargo das instâncias administrativas próprias do Município.
De todo modo, alguns aspectos jurídicos podem ser enfatizados desde já. O primeiro é a indispensável avaliação do real interesse público dos serviços oferecidos pela entidade. Qual a sua extensão? Restringem-se a seus associados, os moradores do Conjunto Habitacional Santa Etelvina? Ou são estendidos de modo geral à população de Cidade Tiradentes? Há cobrança pelo uso dos equipamentos? Em suma, necessária a verificação da real situação de benesse comunitária instituída no local, condição para a aplicação do Decreto municipal n.° 52.201/2011. Evidentemente, a formulação de um acordo pode contemplar, se o caso, uma desejável extensão dos benefícios sociais atualmente oferecidos. O segundo aspecto envolve o afastamento de qualquer indenização pelas benfeitorias realizadas, em razão dos aspectos acima expostos. O terceiro abarca a efetiva reintegração da área pública necessária à instalação do Hospital Dia. Por fim, o quarto aspecto recai sobre a impossibilidade de abdicação em relação à indenização pelo uso pretérito do bem.
Repita-se que tal proposta deve ser compreendida à luz da excepcional circunstância do presente caso, que conta, demais, com o beneplácito do próprio Poder Judiciário. Necessário avaliar, em momento oportuno, a conveniência de ser instada a intermediação do Ministério Público em caso de eventual acordo.
Caso a realização da conciliação seja afastada de pronto pela Superior Administração, convém seja dada ciência ao Tribunal de Justiça da deliberação tomada no âmbito do PA n.° 2005-0.011.601-2. Demais, se for mantido o desiderato de implantar equipamento de saúde no local, conveniente a apresentação de documentos que evidenciem a robustez do projeto.
À luz de todo o exposto, conclui-se o seguinte:
(i) Incabível o firmamento de acordo, nos moldes das propostas apresentadas a fls. 628/631 e 740/742 pela entidade interessada;
(ii) A despeito disto, cabível o início de uma análise, pelas instâncias municipais competentes, da possibilidade de se expedir uma permissão de uso sobre a área pública em que estão instalados os equipamentos comunitários, nos termos do Decreto municipal n.° 52.201/2011, excluída a área em que se pretende implementar o equipamento de saúde (Hospital Dia);
(iii) Caso acolhida a proposta do item anterior, recomenda-se a formulação de pedido de suspensão do processo;
(iv) Ao revés, caso a realização de acordo seja afastada pela Administração, convém seja dada ciência ao Tribunal de Justiça da deliberação tomada no âmbito do PA n.° 2005-0.011.601-2. Demais, se mantido o desiderato de implantar equipamento de saúde no local, conveniente a apresentação de documentos que evidenciem a robustez do projeto.
Com essas considerações, sugerimos submeter o presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos e à Secretaria Municipal de Governo, para deliberação terminativa.
São Paulo, 25 de abril de 2016.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
De acordo.
São Paulo, 28/04/2016.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC
OAB/SP 195.910
PGM
¹ Vale ressaltar que, embora a inicial tenha pleiteado a reintegração de área público envolvendo 3 mil metros quadrados, a perícia judicial realizada apurou a invasão de área significativamente mais extensa (25 mil metros quadrados).
² De acordo com o Tribunal, "hospital é construção demorada que sequer teve iniciada a fase de elaboração de projetos e licitação, pois nenhuma prova disso está nos autos".
Processo n° 2003-0.112.147-4
INTERESSADA: ASSOCIAÇÃO DOS MUTUÁRIOS E MORADORES DO CONJUNTO SANTA ETELVINA - ACETEL
ASSUNTO:Reintegração de posse (autos 0026858-70.2004.8.26.0053). Fase recursal. Proposta de acordo.
Informação n° 0502/2016-PGM-AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho à Vossa Excelência a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, as quais acolho na íntegra.
Mantidos acompanhantes.
São Paulo, 2016.
ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 162.363
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo