do processo 2015-0.055.046-5
INTERESSADO: ALOISIO FERRAZ DE CAMARGO
ASSUNTO: Demissão a bem do serviço público. Análise do cabimento de ação de improbidade administrativa.
Informação n° 0489/2016-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe
1. O Departamento de Procedimentos Disciplinares (PROCED) encaminha o presente, com proposta para ajuizamento de ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativo em face de Aloísio Ferraz de Camargo, com assento nos artigos 9o, "caput" e incisos VII e X, e artigo 11, "caput" e inciso I, da Lei n.° 8.429/92. Requer, demais, a formulação de pedido de sequestro de bens, nos termos do art. 16 do mesmo diploma.
A conclusão decorreu dos elementos agregados na tramitação de três processos administrativos. O PA n.° 2013-0.367.175-8 (acompanhante) consistiu no Inquérito Administrativo Especial que resultou na aplicação da pena de demissão a bem do serviço público, o que ocasionou a instauração do presente processo, no qual foi desenvolvida a sindicância destinada à apuração de atos de improbidade, bem como o contraditório da Sindicância Patrimonial realizada no PA n.° 2014-0.107.497-5 (acompanhante).
PROCED entendeu que as provas realizadas nos processos permitiram concluir de modo positivo em relação ao cometimento de ato ímprobo, pois o interessado se beneficiou do esquema de fraude para expedição de certificados de quitação de ISS, tendo percebido comissão de 15% do valor da propina. Vale ressaltar que o interessado atuou como intermediário dos interesses da Construtora "MAC", que recolheu tributos em valor bastante inferior ao devido, procedimento-padrão do aludido esquema de corrupção. Demais, apurou-se a omissão na declaração de bens, assim também a existência de movimentação financeira a descoberto, no valor total de quase 1 milhão e meio de reais. Instado a se manifestar, o interessado não logrou explicar este vultoso acréscimo patrimonial.
No âmbito da investigação patrimonial, PROCED apurou o envolvimento de terceiros: Paula Sterman Ferraz de Camargo e Maria Fernanda Ferraz de Camargo, esposa e filha do ora interessado, respectivamente. Quanto a esta, não houve a consumação da ocultação do patrimônio, motivo pelo qual restou afastada a incidência do art. 3o da Lei n.° 8.429/92. Já em relação à esposa, o Departamento vislumbra a ocorrência presumida participação e benefício no negócio que fundamentou o acréscimo patrimonial. Desta forma, Paula Sterman Ferraz de Camargo pode figurar no polo passivo da ação, em virtude de sua coparticipação na conduta tipificada no art. 9o, inciso VII, da Lei de Improbidade.
A despeito desta última conclusão, PROCED não afasta a ocorrência de aspectos que tornam nebulosa a participação da esposa do interessado. A par da participação ser presumida, o bem adquirido não parece ter características ostensivas nem aberrantes. Além disso, a Senhora Paula não foi ouvida nos autos da sindicância, o que, embora não represente violação à cláusula do devido processo legal, pode ser recomendável.
Por fim, de acordo com o PROCED, a responsabilidade da empresa MAC é de difícil configuração, além de inexistir dano patrimonial, porquanto houve o pagamento da diferença de ISS. Trata-se de compreensão que se alinha com o procedimento adotada pelo Ministério Público, que considerou-a vítima de concussão, e não autora do crime de corrupção ativa.
É o relatório do quanto necessário.
2. Os elementos coligidos nos processos administrativos acima referidos permitem reconhecer, de fato, o cometimento de improbidade administrativo pelo interessado, motivo pelo qual se ratifica a conclusão levada a efeito pelo PROCED, que roga autorização para a respectiva ação de responsabilidade, com assento nos artigos 9o, "caput" e incisos VII e X, e artigo 11, "caput" e inciso I, da Lei n.° 8.429/92. Para além do acréscimo patrimonial sem lastro, restou caracterizado que o interessado recebeu valores para beneficiar a empresa MAC, servindo de intermediário entre esta pessoa jurídica e os demais agentes envolvidos no esquema de fraude do ISS.
Concorda-se, demais, com a formulação de pedido de sequestro de bens, ex vido art. 16 da Lei n.° 8.429/92.
3. Vale acrescentar, na linha de precedentes desta Procuradoria Geral do Município, o exercício de pretensão envolvendo o ressarcimento integral da lesão, especificamente em relação ao dano moral coletivo sofrido pelo Município de São Paulo. De modo geral, cabível a ocorrência de danos morais de pessoas jurídicas, ex vi da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral." De modo específico, cabível que entes públicos sofram indigitada lesão. É o que salientam os juristas que se debruçam sobre o tema, como Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, para quem "é plenamente admissível, assim, que o ato de improbidade venha a macular o conceito que gozam as pessoas jurídicas de direito público relacionadas no art. 1o da Lei n.° 8.429/92, o que acarretará um dano de natureza não-patrimonial passível de indenização."1
Assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai da decisão proferida no âmbito do REsp n.° 960.926/MG, 2a Turma, rel. Min. Castro Meira, DJe 01/04/2008, no seguinte sentido:
Nada justifica a exclusão da pessoa jurídica de direito público, já que um ato ímprobo pode gerar um descrédito, em desprestígio que pode acarretar o desânimo dos agentes públicos e a descrença da população que, inclusive, prejudique a consecução dos diversos fins da atividade da Administração Pública, com repercussões na esfera econômica e financeira.
Em resumo, seja pelo dano moral causado à coletividade ante a frustração concreta causada pelo ato ímprobo, seja pelo prejuízo moral que leve a macular a imagem do agente público junto à coletividade, são devidos danos morais.
O caso in comento encontra-se revestido de peculiaridades que sugerem a efetiva ocorrência de dano moral coletivo, sobretudo em razão da divulgação midiática do ocorrido. Demais, condutas desonestas como as ora reprimidas acarretam efetivo descrédito perante a sociedade do ente público, fazendo transparecer uma (falsa) imagem de que o exercício eficiente e hígido da função administrativa encontra-se comprometido. É evidente o abalo associado a tal situação, cuja reação envolve uma tutela jurídica sob o prisma do ressarcimento da pessoa coletiva pública atingida.
Igualmente cabível a formulação de pedido de perda da função pública, embora o interessado não mais integre o corpo funcional do Município de São Paulo. A despeito da polêmica doutrinária existente, entende-se que merece prevalecer a interpretação ampliativa, como ressalta Marino Pazzaglini Filho, para quem a pena "não incide apenas sobre a função pública exercida pelo agente condenado à época em que praticou o ato de improbidade administrativa reconhecido na sentença judicial, mas sobre a função pública que ele esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível."2
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando nesse sentido, nos termos do julgado extraído do REsp 1,297.021/PR, 2a Turma, rei. Min. Eliana Calmon, DJe 20/11/2003, in verbis:
A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
Tal posição, aliás, já foi suscitada em pareceres desta Assessoria Jurídico-Consultiva (cf. Informação n.° 658/2014-PGM.AJC), acolhida pela Secretaria dos Negócios Jurídicos (Informação n.° 1.303/2014-SNJ.G). No mesmo sentido o parecer vertido na Informação n.° 1.259/2014-PGM.AJC, acolhida pela SNJ (Informação 2.487a/2014-SNJ.G).
4. Acolhem-se igualmente as ponderações do PROCED realizadas a fls. 599/603, que justificaram a não-inclusão no polo passivo tanto da empresa MAC quanto de Maria Fernanda Ferraz de Camargo, filha do ora interessado.
5. Remanescem dúvidas, porém, sobre a inclusão de Paula Sterman Ferraz de Camargo como ré na ação de improbidade. Como já referido, o PROCED entende cabível o ajuizamento da lide também em face da esposa do interessado, embora tenha exposto robustas razões em sentido contrário, bem como sugerido a sua oitiva, "dando-lhe oportunidade de explicar e eventualmente provar a natureza e efetividade de sua participação na aquisição do bem".
Em primeiro lugar, convém salientar que Paula Sterman Ferraz de Camargo assume (ou assumiu) a condição de agente público municipal (Registro Funcional n.° 312.067.8.01), conforme a tela retro juntada, extraída do Diário Oficial da Cidade. Tal circunstância, por si só, exige uma análise mais detida sobre a sua efetiva condição funcional e as repercussões daí decorrentes.
Em segundo lugar, não se pode deixar de reconhecer que os motivos elencados pelo PROCED a fls. 599/603 abalam a conclusão de que a cônjuge deve ser inserida no polo passivo. A questão é tormentosa e deve ser inserida em um contexto revestido de maior complexidade, extrapolando a análise (meramente) objetiva do regime patrimonial de bens decorrente do casamento. Vale dizer, a simples circunstância de que o cônjuge está inserido em um regime de comunhão parcial (ou total) não se presta, per se, a lhe angariar a condição de ímprobo. Uma presunção assentada nestes termos se apresenta, a nosso ver, ilegítima.
Não é este o desiderato do art. 3o da Lei n.° 8.429/92, bem assim dos demais ditames da mesma norma, que emprestam à improbidade um acentuado grau de reprovabilidade, o que deve se coadunar com o respectivo nível de culpabilidade. Desconsiderar tais fatores seria abalizar a responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa, o que, evidentemente, representa um retrocesso jurídico. A doutrina suscita tal aspecto ao tecer considerações acerca do art. 3o da Lei n.° 8.429/92, de modo a ser exigida a "comprovação da conduta dolosa, no campo da tipificação subjetiva, sob pena de abertura no sistema punitivo da improbidade à responsabilidade objetiva, o que seria contrário à Constituição"3.
Assim, sendo, para além do regime conjugal, outros elementos são necessários para a configuração da improbidade do cônjuge no caso do tipo vertido no art. 7o, inciso VII, da Lei n.° 8.429/92 c/c. o art. 3o do mesmo diploma.
Ora, no caso in comento, como bem observado pelo PROCED, inexiste demonstração suficiente de participação ou conhecimento de Paula Sterman Ferraz de Camargo acerca do enriquecimento ilícito do marido. O bem adquirido em conjunto (imóvel cuja matrícula encontra-se acostada a fls. 509/510) não assume "características ostensivas, nem aberrantes, considerando o poder aquisitivo de servidores de bom padrão econômico, como são os fiscais tributários deste Município" (fls. 601). Demais, "desconhece-se a renda da Senhora Paula, o seu poder aquisitivo e qual a sua participação na aquisição do imóvel".
Acresça-se a isso o fato de que o imóvel em tela foi objeto de financiamento, com alienação fiduciária do bem, em montante representativo de cerca de 70% de seu valor integral, conforme consta na matrícula de fls. 509/510 (R.05), circunstância avessa a uma situação de ostensividade patrimonial.
Nesse sentido é que pode ser recomendável, à luz das ponderações do PROCED, a concessão de oportunidade para manifestação de Paula Sterman Ferraz de Camargo. Este entendimento já fora abraçado por esta Assessoria Jurídico-Consultiva no âmbito da Informação n.° 0474/2016-PGM.AJC, embora as conclusões foram voltadas para a imputação de agente público municipal, e não de terceiro-beneficiário. A despeito disto, as razões lá expostas ora se aplicam.
Por fim, não se desconsidera o precedente desta Assessoria Jurídico-Consultiva, tomado no âmbito do PA n.° 2013-0.277.262-3, tendo sido incluída no polo passivo da ação de improbidade a esposa do sindicado (cf. Informação n.° 405/16-PGM-AJC). Ocorre que as peculiaridades e as circunstâncias apuradas em tal expediente - diversas daquelas presentes no presente processo - permitiram concluir pela sua responsabilização. Cite-se, por exemplo, que a renda da esposa foi considerada para a conformação do fluxo de caixa. Demais, o volume dos bens envolvidos foi significativamente superior, de modo a estar configurada a ostensividade suscitada pelo PROCED.
6. Diante de todo o exposto, conclui-se o seguinte:
(i) Cabível o ajuizamento de ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativo em face de Aloísio Ferraz de Camargo, com assento nos artigos 9o, "caput" e incisos VII e X, e artigo 11, "caput" e inciso I, da Lei n.° 8.429/92, com a formulação de pedido de sequestro de bens, ex vi do art. 16 do mesmo diploma. Entende-se pertinente inserir no objeto da demanda as pretensões referentes ao ressarcimento do dano moral coletivo sofrido pelo Município, assim também a perda da função pública.
(ii) Os elementos constantes permitem dessumir a não-inclusão no polo passivo tanto da empresa MAC quanto de Maria Fernanda Ferraz de Camargo, filha do ora interessado.
(iii) No que se refere à responsabilidade de Paula Sterman Ferraz de Camargo, cônjuge do interessado, inexistem, por ora, elementos para a sua inserção no polo passivo. A despeito disto, recomenda-se que PROCED verifique a sua provável situação funcional e as eventuais repercussões daí decorrentes, podendo ser sugerida, demais, a sua oitiva.
Roga-se deliberação conclusiva por parte da Secretaria dos Negócios Jurídicos. Ressalte-se o dever de preservação de sigilo das informações confidenciais constantes do presente.
São Paulo, 19 de abril de 2016.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 183.508
PGM/AJC
De acordo.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC
OAB/SP 195.910
PGM
1 Improbidade administrativa, 2.ed., 2004, pp. 470-1. No mesmo sentido: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional, 2009, Belo Horizonte: Fórum, p. 310; TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. O Estado como sujeito passivo de danos morais decorrentes de ato de improbidade administrativa. In: Fórum administrativo, Belo Horizonte, ano 2, n. 11, jan.2002.
2 Lei de improbidade administrativo comentada, 2.ed., 2005, São Paulo: Atlas, p. 148.
3 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional, 2009, Belo Horizonte: Fórum, p. 357.
INTERESSADO: CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Sindicância patrimonial. Omissão de bens. Patrimônio incompatível. Movimentação financeira a descoberto. Ex-servidor. Anotação em prontuário. Proposta de ajuizamento de ação de improbidade.
Cont. da informação n° 0489/2016-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho à Vossa Excelência as manifestações da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho integralmente.
Mantidos acompanhantes.
São Paulo, 20/O4/2016.
ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 162.363
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo