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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.213 de 23 de Dezembro de 2020

EMENTA N.° 12.213
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei federal 13.708/18). Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP). Firmamento de acordos. Acesso ao sistema informático. Tratamento de dados pessoais dos credores do Município de São Paulo. Compatibilidade com o regime de proteção de dados. Paralelismo com dos dados disponibilizados no âmbito judicial. Atendimento aos princípios da finalidade, adequação, necessidade, entre outros (art. 6° da Lei 13.708/18).

processo nº 6021.2020/0039844-6 

Interessado: NÚCLEO DE PRECATÓRIOS

Assunto: Lei Geral de Proteção de Dados. Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP). Consulta.

Informação n° 1.176/2020-PGM.CGC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe,

Trata-se de pertinente consulta formulada pelo Núcleo de Precatórios da Procuradoria Geral do Município (PGM-PREC), no âmbito do doc. SEI 034302346, sobre a compatibilidade do Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP) em relação ao novo regime incorporado na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018).

A consulta vem acompanhada da exposição acerca da metodologia adotada pelo SCCP em relação às propostas de acordo, notadamente dos contextos que abarcam os dados veiculados.

Dois são os pontos sensíveis vislumbrados pelo núcleo. O primeiro envolve a possibilidade de advogados poderem ter acesso a todos os precatórios vinculados a determinado CPF/CNPJ. O segundo, a possibilidade de acesso aos credores relacionados a determinada OC/EP. As informações fornecidas nesses casos são as seguintes: (i) nome completo do credor; (ii) OC e EP do precatório, caso tenha sido fornecido somente CPF/CNPJ; (iii) número do processo principal, caso conste do sistema de precatórios. O sistema, vale apontar, não fornece informações referentes ao CPF/CNPJ (para quem não possuir tais dados), valor do precatório, endereço, telefone e quaisquer outras informações pessoais do credor.

Com base em tal panorama, o Núcleo de Precatórios expõe o seu entendimento jurídico sobre o tema, concluindo que o "módulo de acordos" do SCCP está em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados, com a  Constituição Federal  e com a legislação que rege a matéria.

Diante da relevância da matéria, formula a consulta com base em dois questionamentos:

1°) A possibilidade de um advogado, via certificado digital, ter acesso a dados de precatórios (nome completo do credor, número da Ordem Cronológica, número do EP - Número do processo na DEPRE, número dos autos), sem acesso a outros dados como endereço, data de nascimento, CPF/CNPJ, valor do precatório, viola a LGPD?

2°) A publicação do resultado das propostas de acordo deferidas e indeferidas, com o número da ordem cronológica do precatório, nome e CPF do credor, viola a LGPD?

É o relatório.

O Poder Público, independentemente da esfera federativa, sempre foi um tradicional repositório de dados pessoais, substrato necessário para a implementação de diversas políticas públicas. Pode ser considerado, inclusive, "o detentor de dados pessoais mais antigo de que se tem noticia, já que a maioria das atividades básicas depende de cadastros, registros e uso de diferentes dados pessoais de todos os cidadãos"1.

Considerando a relação entre tais dados e a garantia constitucional da privacidade, da intimidade e da vida privada - de preservação obrigatória pela Administração -, sobreveio a Lei Geral do Proteção de Dados - LGPD (Lei 13.709/18). Trata-se de diploma de amplo alcance, porquanto dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado.

Convém destacar que referida tutela já estava incorporada, conquanto de modo sucinto, na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11), nos termos de seu art. 31, pelo qual "o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais."

O próprio Judiciário vem sistematicamente apreciando litígios envolvendo tal aspecto. Cite-se o recente julgado envolvendo a pandemia do Covid-19, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o "direito fundamental à proteção de dados pessoais" e suspendeu a eficácia da Medida Provisória 954/2020, que previa o compartilhamento de dados de usuários de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para a produção de estatística oficial durante o período de anormalidade (ADI 6.387, 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393).

No âmbito do Município de São Paulo, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi objeto de regulamentação pelo Decreto 59.767/20, que estabelece competências, procedimentos e providências correlatas a serem observados pelos órgãos e entidades locais, visando garantir a proteção de dados pessoais.

Esse regulamento designou o Controlador Geral do Município como o encarregado da proteção de dados pessoais, ex vi do art. 41 da Lei 13.709/18. Uma de suas atribuições é a edição de diretrizes para a elaboração dos planos de adequação, compreendido como o conjunto das regras de boas práticas e de governança de dados pessoais que estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os procedimentos, as normas de segurança, entre outros aspectos. Também merece destaque as atribuições da Comissão Municipal de Acesso à Informação, entre as quais deliberar sobre as propostas de referidas diretrizes.

Verifica-se, portanto, que a aplicação do regime de proteção de dados encontra-se em pleno processo de implementação no Município de São Paulo, motivo pelo qual as conclusões ora expedidas podem sofrer eventauis alterações diante da superveniência de diretivas específicas em relação à matéria.

No que se refere ao tratamento de dados pessoais pela Administração, há todo um capítulo na LGPD dedicado ao tema (capítulo IV). Nos termos de seu art. 23, o tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público. Esse preceito é compatível com o seu art. 7°, inc. III, o qual igualmente faz referência à Administração Pública, autorizada para o "tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres".

O caso sob análise, referente ao sistema de precatórios conduzido pela Procuradoria Geral do Município, constitui evidente seara de persecução do interesse público, atrelada, como bem apontou PGM/PREC, a uma política pública disciplinada constitucionalmente, consistente no regime especial de pagamento de precatório.

Além disso, as informações veiculadas no portal municipal representam um desdobramento daquelas insertas nos processos judiciais das quais derivam e que são, como regra, públicos. Ainda de acordo com PGM/PREC, o "próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, através do sistema ESAJ, permite a consulta de processos judiciais através do nome da parte, número do processo e documento da parte." Dessa forma, a incidência de um necessário paralelismo permite dessumir que a publicidade ínsita à seara judicial se estende aos sistema de acordos envolvendo os precatórios daí resultantes.

É nesse sentido que o manuseio desses dados atende o princípio da finalidade insculpido no art. 6°, inc. I, da Lei 13.709/18, pelo qual a realização do tratamento serve a propósitos legítimos, específicos e explícitos, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades. Ora, considerando que o manejo das informações advindas de processos judiciais, ulteriormente utilizadas para o firmamento de eventuais acordos envolvendo precatórios, está inserido em uma mesma finalidade ampla: o atendimento do resultando decorrente de uma demanda judicial, plenamente atendido o postulado finalístico.

Outro princípio cujo atendimento merece análise é o da adequação, que impõe uma compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento (art. 6°, inc. II). A razão exposta nos parágrafos anteriores permite vislumbrar a ocorrência de uma plena compatibilidade nesse sentido, porquanto o contexto do tratamento é único, vinculado ao processo judicial originário.

Merece destaque o postulado da necessidade (art. 6°, inc. III), segundo o qual o tratamento deve restringir-se ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados. Quanto a isso, os dados objeto de tratamento disponibilizados no módulo de acordos limitam-se aos estritamente necessários para a identificação precisa do credor e de seu respectivo precatório. São eles: o nome completo do credor; o OC e EP do precatório (caso tenha sido fornecido somente CPF/CNPJ); o número do processo principal. O sistema, frise-se, não fornece informações referentes ao CPF/CNPJ (para quem não possuir tais dados), valor do precatório, endereço, telefone e quaisquer outras informações pessoais do credor.

Além disso, as informações totais manuseadas pelo PGM/PREC são aqueles decorrentes dos processos judiciais, todos eles, ao que parece, necessários ao firmamento do acordo com os interessados.

Da mesma forma parecem estar presentes os demais princípios, notadamente os do livre acesso e o da segurança (art. 6°, incs. IV e VII, respectivamente). Conforme exposto pelo Núcleo de Precatórios, o módulo de acordos constitui "ferramenta tecnológica segura em que o titular dos dados pode verificar o que se encontra na base do Município e eventualmente pedir sua correção, caso verifique alguma imprecisão."

Por fim, não se pode deixar de considerar as considerações da PGM/PREC, no sentido do atendimento ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que a automação agiliza todo o procedimento do acordo, desde o acesso e o preenchimento das informações, passando pela elaboração das minutas, culminando em sua análise pela Câmara de Conciliação de Precatórios. Assim, trata-se de ferramenta que permite ao credor "receber antecipadamente e de forma mais célere possível, os valores a que tem direito."

Diante de todo o exposto, não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre o Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCC) e a Lei Geral de Proteção de Dados, notadamente em relação aos princípios da finalidade, adequação e necessidade, corolários da proporcionalidade que devem pautar o tratamento de dados pessoas pelo Poder Público. No que se refere especificamente aos dois questionamentos formulados pelo Núcleo de Precatórios, responde-se negativamente a ambos.

Reitere-se que as conclusões ora expedidas podem sofrer eventuais ajustes ou alterações diante da superveniência de diretivas específicas em relação à matéria, ex vi do Decreto municipal 59.767/20.

À consideração superior.

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São Paulo, 23/12/2020

RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor – AJC
OAB/SP 183.508
PGM

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1SANTOS, Marcela de Oliveira. MOTTA, Fabrício. Regulação do tratamento de dados pessoais no Brasil - o estado da arte. In: "LGPD & Administração Pública". Ricardo Martins e Augusto Dal Pozzo (coord.), 2020, p. 91.

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processo nº 6021.2020/0039844-6 

Interessado: NÚCLEO DE PRECATÓRIOS

Assunto: Lei Geral de Proteção de Dados. Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP). Consulta.

Cont. da Informação n° 1.176/2020-PGM.CGC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral

Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.

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São Paulo, 23/12/2020

TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM

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processo nº 6021.2020/0039844-6 

Interessado: NÚCLEO DE PRECATÓRIOS

Assunto: Lei Geral de Proteção de Dados. Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP). Consulta.

Cont. da Informação n° 1.176/2020-PGM.CGC

NÚCLEO DE PRECATÓRIOS
Senhor Procurador do Município

Nos termos do encaminhamento constante no doc. SEI 034302346, restituo o presente com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo (parecer constante no doc. SEI 034893396), que acolho na íntegra, no sentido de que não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre o Sistema de Controle e Cadastro de Precatórios (SCCP), tal qual delineado na consulta inaugural, e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei federal 13.708/18).

Advirta-se que as conclusões expedidas podem sofrer eventuais ajustes ou alterações diante da superveniência de diretivas específicas em relação à matéria, ex vi do Decreto municipal 59.767/20.

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São Paulo, 28/12/2020

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
RESPONDENDO PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo