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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.932 de 9 de Janeiro de 2019

EMENTA N° 11.932
Lei Municipal n. 8.989/79. Artigo 189, inciso II. Demissão a bem do serviço público. Prática de crime hediondo ou crime contra a administração pública, a fé pública, a ordem tributária e a segurança nacional. Ausência de competência da autoridade administrativa para afirmar a materialidade e a autoria de crime. Função eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de aplicação da penalidade de demissão a bem do serviço público, com fundamento no art. 189, II, da Lei Municipal n. 8.989/79 antes do trânsito em julgado da sentença condenatória penal. Inexistência de ofensa à independência das instâncias penal e administrativa.

Processo nº 2018-0.030.321-8

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial.

Informação n.° 28/19-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Sr. Coordenador Geral do Consultivo

Trata-se de inquérito administrativo instaurado em face do servidor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx - xxxxxxxxxxxxxxxxxxx pela suposta prática de conduta tipificada penalmente como tráfico ilícito de drogas.

A Comissão Processante Permanente - CPP, com base na decisão que indeferiu o requerimento de liberdade provisória (fl. 25) e na condenação do indiciado, nos autos da ação penal n. 0018474-39.2018.8.26.0050, à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, propôs a aplicação ao servidor da pena de demissão a bem do serviço público (fls. 111/117).

A Diretoria do Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED, contudo, discordou da proposta da CPP, pois considerou que, não obstante a independência das instâncias administrativa e penal, a conduta imputada ao indiciado é crime e depende de pronunciamento final do Poder Judiciário, devendo-se aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim sendo, propôs a conversão do julgamento em diligência, nos termos do artigo 93, alínea d, do Decreto Municipal n. 43.233/03 (fls. 120/121).

É o que nos cabe aqui relatar.

Inicialmente, é importante relembrar que a análise no inquérito administrativo cinge-se à conduta indicada no termo de instauração. Assim sendo, a primeira providência que nos parece fundamental é a sua transcrição nesta oportunidade:

"(...) imputando-lhe a autoria da(s) seguinte(s) conduta(s): o servidor foi preso em flagrante, convertida a prisão em preventiva, por tráfico de drogas e responde a ação de Procedimento Especial da Lei Antitóxicos, n° 0018474-39.2018.8.26.0050 perante a 22ª Vara Criminal - Foro Central Criminal Barra Funda".

Percebe-se que a instauração se deu em virtude da prática de tráfico ilícito de drogas, sujeitando o indiciado à pena máxima de demissão a bem do serviço público, nos termos do artigo 189, inciso II, da Lei Municipal n. 8.989/79:

Art. 189 - Será aplicada a pena de demissão a bem do serviço público ao funcionário que:

(...)

II - praticar crimes hediondos previstos na Lei Federal n° 8.072, de 25 de julho de 1990, alterada pela Lei Federal n° 8.930, de 6 de setembro de 1994, crimes contra a administração pública, a fé pública, a ordem tributária e a segurança nacional; (...).

A aplicação da penalidade do artigo 189, caput, em virtude da subsunção à hipótese do seu inciso II, depende da caracterização da conduta do indiciado como algum crime ali indicado; ou seja, só se mostra possível a aplicação da demissão a bem do serviço público, com fundamento no artigo 189, inciso II, se demonstrada a existência daquele crime e a sua prática pelo indiciado.

Como a afirmação da materialidade e da autoria de um crime cabem exclusivamente aos órgãos jurisdicionais1, o exame por parte dos órgãos administrativos, quando a conduta constante da instauração do processo disciplinar for a prática de algum daqueles crimes indicados no citado dispositivo, sempre dependerá do julgamento na esfera penal. Em outras palavras, se a instauração do processo disciplinar se der pela prática de crime hediondo ou crime contra a administração pública, a fé pública, a ordem tributária e a segurança nacional, como no presente2, nos termos do artigo 189, II, a decisão por parte da autoridade administrativa sempre dependerá do pronunciamento jurisdicional.

Importa esclarecer, contudo, que esse caso não se confunde com aqueles nos quais a instauração fundamenta-se nas demais hipóteses do artigo 189 ou mesmo do artigo 188 daquela lei, mas a conduta descrita no termo também é tipificada na legislação penal. Nesses casos, a análise pelos órgãos administrativos e a decisão pela autoridade competente independerá de qualquer decisão judicial.

Em síntese: como só a justiça penal pode afirmar a existência de um crime e indicar a pessoa que o praticou, quando constar que a instauração do processo disciplinar é pela prática de determinado crime, nos termos do artigo 189, inciso II, dever-se-á aguardar o desfecho do processo penal, pois só será possível à autoridade administrativa afirmar a existência jurídica do crime a partir de uma decisão judicial que o reconheça; contudo, se a instauração se der por outro fundamento, mesmo quando a conduta praticada pelo servidor também for tipificada na legislação penal, a decisão da autoridade administrativa independerá do desfecho da ação judicial.

Trata-se de lição conhecida a independência entre as instâncias administrativa e penal, salvo quando, na instância penal, houver decisão de inexistência material do fato ou de negativa de autoria, casos em que essas conclusões repercutem na seara administrativa (a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica nesse sentido).

Essa independência deve ser respeitada nos casos em que a conduta prevista como infração disciplinar também é tipificada na legislação penal, razão pela qual só haverá repercussão da decisão judicial na seara administrativa nas hipóteses de inexistência material do fato ou de negativa de autoria.

Contudo, na específica hipótese do artigo 189, inciso II, diante da necessidade de se afirmar a existência do crime, não é possível admitir essa independência. Como a declaração quanto à materialidade e a autoria de um crime é uma função eminentemente jurisdicional, a autoridade administrativa não tem competência para afirmar a existência de um crime, pressuposto lógico da aplicação da penalidade de demissão a bem do serviço público com fundamento no artigo 189, inciso II.

Portanto, como a proposta da CPP é a demissão do servidor a bem do serviço público, mostra-se correta a conclusão da Diretoria do PROCED, no sentido da inadequação de tal medida, pois só haverá certeza após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Assim sendo, concordando com a Diretoria daquele Departamento, também propomos a conversão do julgamento em diligência, nos termos do artigo 95 do Decreto Municipal n. 43.233/03, até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Todavia, parece-nos pertinente destacar que a instauração do presente inquérito administrativo não se fundamentou exclusivamente no artigo 189, II, da Lei Municipal n. 8.989/79, mas igualmente no artigo 188, inciso III, da mesma lei, motivo pelo qual a CPP deverá examinar o presente também sob o prisma desse último dispositivo.

Por fim, reiteramos o entendimento dessa Assessoria, no sentido da desnecessidade de retorno do feito à autoridade que converteu o julgamento em diligência para declaração de superveniente impertinência, podendo a CPP adotar desde logo as medidas que julgar pertinentes (Informação n. 353/2017 - PGM.AJC)

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São Paulo, 09/01/2019

FABIO VICENTI VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP n° 255.898

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 04/02/2019

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP n° 175.186

PGM

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1 Quando dizemos que somente os órgãos jurisdicionais competentes podem declarar a existência do crime, estamos afirmando que apenas a decisão judicial traz certeza juridica quanto à sua existência. Isso não significa que outros órgãos ou mesmo indivíduos não possam inferir que determinada conduta constitui crime, mas apenas que tal entendimento não estará revestido da certeza jurídica própria das decisões judiciais.

2 Considera-se o tráfico ilícito de drogas crime equiparado a hediondo.

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Processo nº 2018-0.030.321-8

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial.

Cont. da Informação n.° 28/19-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral do Município

Com as considerações da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido da impossibilidade de aplicação da penalidade de demissão a bem do serviço público, com fundamento no art. 189, II, da Lei Municipal n. 8.989/79, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória penal, encaminho-lhe o presente com a proposta de conversão do julgamento em diligência, destacando que a instauração do presente inquérito administrativo não se fundamentou exclusivamente no artigo 189, II, da Lei Municipal n. 8.989/79, mas também no artigo 188, inciso III, da mesma lei.

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São Paulo, 05/02/2019.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP nº 195.910

PGM 

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Processo nº 2018-0.030.321-8

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial.

Cont. da Informação n.° 28/19-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA - SMJ

Senhor Secretário

À vista da conclusão da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria, a qual acompanho, no sentido da impossibilidade de aplicação da penalidade de demissão a bem do serviço público, com fundamento no art. 189, II, da Lei Municipal n. 8.989/79, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória penal, encaminho o presente à sua criteriosa deliberação a proposta de conversão do julgamento em diligência.

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São Paulo, 08/02/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

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Processo nº 2018-0.030.321-8

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial.

DESPACHO nº 102/2019-SMJ.G

I. Em face dos elementos constantes do presente, em especial das conclusões da Procuradoria Geral do Município, que adoto como razão de decidir, CONVERTO O JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA, com fulcro no artigo 95 do Decreto nº 43.233/03.

II. Publique-se, encaminhando-se ao PROCED para processamento.

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São Paulo,

RUBENS RIZEK JR

SECRETÁRIO MUNICIPAL DA JUSTIÇA

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo