Processo nº 2014-0.099.076-5
INTERESSADA: PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Servidor aposentado. Proposta de cassação de aposentadoria.
Informação n° 1.065/2018-PGM.AJC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Coordenador
Trata o presente de inquérito administrativo especial instaurado contra o servidor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, vínculo 2, aposentado, tendo lhe sido imputadas as seguintes condutas (cf. termo de instauração de fls. 428/430):
(i) exerceu advocacia administrativa ao constituir-se procurador de empresas que contrataram com o Município, assinando, inclusive, termo de aditamento contratual com a Municipalidade;
(ii) exerceu a administração de fato da POTENZA ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO LTDA. e de fato e de direito da MOLISE SERVIÇOS E CONSTRUÇÕES LTDA., sociedades empresárias que mantiveram relações comerciais com o Município;
(iii) a empresa em que o indiciado figura como sócio administrador - POWERRENT LOCAÇÕES LTDA. - contratou indiretamente com o Município através de interposta empresa (POTENZA ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO LTDA. e, possivelmente, também através da MOLISE SERVIÇOS E CONTRUÇÕES LTDA.), cuja administração era exercida de fato pelo próprio indiciado, conforme mencionado no item anterior.
Após regular instrução, conforme pormenorizada exposição a fls. 626/677, a Comissão Processante Permanente concluiu estarem devidamente comprovadas algumas das condutas imputadas, motivo pelo qual opinou pela aplicação da pena de CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. O entendimento foi acompanhado pela chefia de PROCED (fls. 678/688) e pela Diretoria do Departamento (fls. 689).
O entendimento foi seguido por esta Coordenadoria Geral do Consultivo, nos termos da manifestação de fls. 690/693, no âmbito da qual restou registrada uma prática reiterada das irregularidades, de modo a exigir reprimenda disciplinar. Nesse sentido, recomendou-se a aplicação da pena de CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA.
Em seguida, a Secretaria Municipal de Justiça, por meio de sua Assessoria Especial, pronunciou-se a fls. 700/716, tecendo uma série de considerações jurídicas envolvendo o exercício do poder disciplinar ora em trâmite. Em virtude de tal manifestação, a Pasta roga nova manifestação pela Procuradoria Geral do Município.
É o relatório do quanto necessário.
A robusta manifestação da Assessoria Especial da Secretaria Municipal de Justiça gira na órbita de duas teses jurídicas.
A primeira detém relação com a possibilidade de abrandamento da sanção disciplinar, ante a incidência do princípio da proporcionalidade. A segunda diz respeito à inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria.
Convém acentuar, desde já, que a posição desta Coordenadoria encontra-se explanada a fls. 690/693, com expresso reconhecimento de reiterado cometimento de infração disciplinar, suficiente para fazer incidir a cassação. Nesse contexto, a aferição da proporcionalidade já fora realizada por esta Procuradoria Geral do Município na ocasião, motivo pelo qual se mantém o posicionamento pretérito.
No tocante à alegada inconstitucionalidade da mesma sanção disciplinar, foram quatro os argumentos suscitados:
(a) O regime previdenciário resultante das Emendas Constitucionais n.° 03/1993, 20/1998 e 41/2003 provocou um abalo na manutenção da cassação de aposentadoria na categoria de pena disciplinar. Assim, "a aposentadoria passou a ser um seguro compulsório para o qual o servidor contribuiu financeiramente durante o seu período de atividade", motivo pelo qual a subsistência da perda da aposentadoria representaria verdadeiro "enriquecimento ilícito do Estado";
(b) Os proventos da aposentadoria encerram ato jurídico perfeito e direito adquirido, de modo que a sua cassação constitui ofensa ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal;
(c) Caracterização dos proventos como direito fundamental, motivo pelo qual a sua supressão configuraria medida atentatória ao princípio da dignidade da pessoa humana;
(d) A cassação de aposentadoria consubstancia sanção de caráter perpétuo, afrontando o artigo 5º, inciso XLVII, alínea "b" e XLV, da Constituição Federal.
A despeito das percucientes considerações tecidas pela Assessoria Especial da SMJ, convém reconhecer farta jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da constitucionalidade da cassação de aposentadoria.
Assim já se pronunciou, inúmeras vezes, o Supremo Tribunal Federal, "no sentido da possibilidade de cassação da aposentadoria, em que pese o caráter contributivo do benefício previdenciário" (RE 1.044.681 AgR/SP, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe 21/03/2018).
No mesmo sentido os seguintes julgados:
"Constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria (art. 134 da Lei n.° 8.112/1990). Precedentes." (RMS n° 33.937/DF, 2ª Turma, Relatora Min. Cármen Lúcia, DJe de 21/11/16).
"A Corte já se pronunciou no sentido da possibilidade de cassação da aposentadoria, em que pese o caráter contributivo do benefício previdenciário. 5. Agravo regimental não provido" (ARE n° 892.262/DFAgR, 2ª Turma, DJe 11/05/16)
"O Plenário Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade da cassação da aposentadoria, inobstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário. Precedentes: MS 21,948/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, MS 23.299/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e MS 23.219-AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau." (STA 729 AgR, Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 23/6/15)
Consigne-se o julgamento proferido pelo Pleno do STF no ano de 1998, de relatoria do Min. Moreira Alves, que afastou expressamente a alegação de ofensa ao direito adquirido. De acordo com o julgado, "o ato jurídico perfeito impede que se desconstitua aposentadoria pela aplicação de lei posterior a ela, mas não há que se invocar esse principio, que se situa no âmbito do direito intertemporal, para se pretender a inconstitucionalidade de lei que, com relação às aposentadorias ocorridas posteriormente a esta, comine sua cassação pela prática, na atividade - e, portanto, anteriormente à sua concessão -, de falta punível com demissão" (MS n° 22.728/PR, DJ 13/11/1998).
O Superior Tribunal de Justiça igualmente acolhe referida tese, conforte posição consagrada por sua 1ª Seção, nos termos do julgado a seguir:
"É firme o entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal e desse Superior Tribunal de Justiça no sentido da constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria prevista no art. 127, IV e 134 da Lei 8.112/1990, inobstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário." (MS 20.470/DF, 1ª Seção, Min. Mauro Campbell Marques, DJe 03/03/2016)
Há diversos precedentes nesse sentido, inclusive da 3ª Seção da Corte: MS 20.936/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 14/09/2015; MS 17.537/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 09/06/2015; MS 13.074/DF, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, 3ª Seção, DJe 02/06/2015.
Vale consignar o atual entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, após certa oscilação, consolidou-se na mesma direção da jurisprudência do STF e do STJ. Reproduza-se o julgado a seguir:
"(...) a pena de cassação de aposentadoria permite à Administração Pública responsabilizar o servidor por ilícito administrativo de natureza grave praticado quando ainda estava em atividade, mas que a autoridade só teve notícia depois do ato de jubilação, correspondendo à sanção de demissão ou demissão à bem do serviço público prevista para os funcionários da ativa.
Embora tenha, no passado, perfilhado posição diversa hoje devo render-me ao entendimento sufragado pelo E. Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, mesmo depois do advento das Emendas Constitucionais nos 03/93 e 20/98, que instituíram o regime previdenciário de caráter contributivo dos servidores públicos." (MS 2115199-46.2017.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Renato Sartorelli, julg. 29/11/2017).
Na doutrina, conquanto haja lições dissonantes, merece destaque a posição de José dos Santos Carvalho Filho, para quem, in verbis:
"a cassação da aposentadoria, porém, tem natureza diversa. Cuida-se de penalidade por falta gravíssima praticada pelo servidor quando ainda em atividade. Se essa falta fosse suscetível, por exemplo, de pena de demissão, o servidor não faria jus à aposentadoria, de modo que, tendo cometido a falta e obtido a aposentadoria, deve esta ser cassada. Trata-se, por conseguinte, de penalidade funcional, ainda que aplicada a servidor inativo.
Registre-se, por oportuno, que não há direito adquirido do ex-servidor ao benefício da aposentadoria, se tiver dado ensejo, enquanto em atividade, à pena de demissão. Por isso, inteiramente cabível a cassação da aposentadoria. Na verdade, até mesmo a aposentadoria compulsória de magistrado, que tem natureza punitiva, está sujeita à cassação se decisão superveniente a decretar em razão da condenação à perda do cargo. Semelhante solução tende a evitar que a aposentadoria (que - devemos lembrar - enseja remuneração) sirva como escudo para escamotear infrações gravíssimas cometidas pelo ex-servidor anteriormente, sem que se lhe aplique a necessária e justa punição. Por tal motivo, quando o servidor passa para a inatividade a fim de fugir à responsabilidade funcional, e posteriormente se conclui, em regular processo disciplinar, no sentido de que praticou falta gravíssima, a pena de cassação de aposentadoria apresenta-se com duplo efeito: invalida o ato de aposentadoria e traduz a aplicação de penalidade equivalente à de demissão" (Manual de Direito Administrativo, Editora Atlas: São Paulo, 2016, págs. 770/771)
Destaque-se, por fim, que nos termos do art. 201, §9º, da Constituição Federal, "para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei". Assim, o tempo de contribuição do apenado para o Regime Próprio pode ser utilizado para eventual concessão de aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social, contexto que afasta o alegado locupletamento ilícito do Estado.
Para além de tais posições doutrinário-jurisprudenciais, não se pode desprezar que a sanção prevista no artigo 184, inciso V, da Lei n.° 8.989/79 é sistematicamente aplicada pelas instâncias administrativas do Município de São Paulo, que reconhece a sua plena juridicidade. Inafastável, demais, a presunção de constitucionalidade do preceito legal.
À luz de todo o exposto, conclui-se:
(i) A pena de cassação de aposentadoria prevista no artigo 184, inciso V, da Lei municipal n.° 8.989/1979 encontra-se revestida de constitucionalidade;
(ii) Reiteram-se os apontamentos expedidos pela Coordenadoria Geral do Consultivo a fls. 690/695.
À consideração superior.
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São Paulo, 6 de setembro de 2018.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 10/09/2018.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE
OAB/SP 175.186
PGM / AJC
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Processo nº 2014-0.099.076-5
INTERESSADA: PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Servidor aposentado. Proposta de cassação de aposentadoria.
Cont da Informação n° 1.065/2018-PGM.AJC
PGM/G
Sr. Procurador Geral
Encaminho o parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral (fls. 720 e ss.), que acolho integralmente, no seguinte sentido: a) a pena de cassação de aposentadoria prevista no art. 184, inciso V, da Lei n.° 8.989/1979 encontra-se revestida de constitucionalidade; b) reiteram-se os apontamentos expedidos por esta Coordenadoria às fís. 690/695.
Ressalto, outrossim, quanto à preocupação externada no item "2" da manifestação de fl, 718, que o princípio da proporcionalidade, aventado no parecer de fls. 700 e ss. (sobretudo em seu item III), deve, de fato, nortear o exercício do poder disciplinar - como ilustram os precedentes invocados naquele parecer.
A Comissão Processante, o PROCED e esta Coordenadoria do Consultivo1 entenderam ausentes os pressupostos autorizadores do abrandamento da pena de cassação de aposentadoria2 (sanção disciplinar cominada para as infrações disciplinares aqui verificadas), conclusão da qual discordou, todavia, a Assessoria Especial da Secretaria de Justiça, pelos argumentos alinhavados às fls. 700/717.
À autoridade competente para aplicação da pena caberá, portanto, analisar e ponderar os elementos de instrução e as conclusões alcançadas, a fim de formar, fundamentadamente, o seu juízo quanto à reprimenda disciplinar a ser aplicada.
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São Paulo, 17 de setembro de 2018.
TIAGO ROSSI
Procurador do Município
Coordenador Geral do Consultivo
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1 Conforme fls. 626/677, 678/689, 690/695.
2 O abrandamento da pena vem disciplinado pelo art. 192 da Lei n.° 8.989/1979: "As penalidades poderão ser abrandadas pela autoridade que as tiver de aplicar, levadas em conta as circunstâncias da falta disciplinar e o anterior comportamento do funcionário".
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Processo nº 2014-0.099.076-5
INTERESSADA: PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Servidor aposentado. Proposta de cassação de aposentadoria.
Cont da Informação n° 1.065/2018-PGM.AJC
SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA
Sr. Secretário
Face ao solicitado às fls. 718, restituo com a manifestação adicional da Coordenadoria Geral do Consultivo, desta Procuradoria Geral, que acolho.
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São Paulo, 20 de setembro de 2018
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
Procurador Geral do Município
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo