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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.862 de 18 de Maio de 2018

EMENTA N° 11.862
Sobreposição entre espaço livre doado à Municipalidade, posteriormente integrado em planta de regularização de loteamento, e lotes incluídos em outro parcelamento regularizado. Definição do limite entre as glebas. Ausência de elementos que permitam sustentar a prevalência de um dos loteamentos em favor da Municipalidade.

Processo nº 2014-0.331.976-2

INTERESSADO: José Roberto Retti e outros

ASSUNTO: Ação de usucapião.

Informação nº 0588/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata o presente de acompanhar ação de usucapião, proposta por José Roberto Retti e outros, relativa a imóvel situado na Rua Francisco Retti, n. 234/236 (proc. n. 0067030-29.2012.8.26.0100, da 1ª Vara de Registros Públicos).

A instrução realizada identificou a existência de interferência entre a área usucapienda e espaço livre previsto na planta do loteamento Vila Oratório - AU 3666 (fls. 59/60), o que levou a Municipalidade a contestar o feito (fls. 61/65).

O autor, contudo, apresentou elementos relativos a outra ação de usucapião, vencida por proprietário lindeiro, com trânsito em julgado, na qual a Municipalidade também havia questionado a existência de interferência com o mesmo espaço livre (fls. 66/103). 

Depois de analisar tais documentos, DEMAP-3 solicitou manifestação de SEHAB-CRF (fls. 104/110). Esta, por sua vez, juntou elementos relativos à regularização do Loteamento Vila Oratório, em que está situado o espaço livre municipal, e do Loteamento Jardim Santa Rita, em que está situado o lote usucapiendo. De acordo com o que se informou, o primeiro loteamento obteve aceitação técnica e averbação junto à serventia predial, ao passo que o segundo loteamento foi regularizado apenas em relação às áreas com titulação hábil, não tendo sido efetuada a averbação registrária, de modo que os moradores estariam cientes da necessidade de ajuizamento de ações de usucapião (fls. 112/120).

Diante de novo questionamento de DEMAP-3 (fls. 123), os autos foram novamente remetidos a SEHAB-CRF, para informação quanto à implantação e integração dos loteamentos à cidade antes de 19.12.1979, bem como quanto a qual das plantas deveria ser utilizada para análise da interferência com próprios municipais (fls. 124).

SEHAB-CRF esclareceu que as plantas AU 1776 e 3666 são oficiais, decorrentes de regularizações promovidas pela Municipalidade, ainda que tenha havido uma sobreposição de áreas. De todo modo, confirmou-se a situação de antiga implantação e integração à cidade (fls. 126/129).

Depois de nova manifestação de DEMAP-3 (fls. 132), a unidade oficiante propôs a manifestação de desinteresse da Municipalidade no feito, tendo em vista que se trata de loteamentos implantados e integrados à cidade antes de 1979 (fls. 133).

DEMAP-G solicita orientação desta Coordenadoria, sugerindo a aplicação da orientação contida na Ementa n. 11.773 - PGM.AJC, para considerar regularizada a implantação desconforme e manifestar desinteresse no feito (fls. 134/135).

Foi solicitado de DEMAP, para consulta, o p.a. n. 1995-0.066.208-6, que tratou da ação relativa a lote vizinho e passa a acompanhar o presente.

É o relatório.

Embora se trate de definir quanto a se uma determinada situação implantada antes de 19.12.1979 deve prevalecer na prática, em detrimento de uma área pública projetada, não parece possível aplicar o entendimento contido na Ementa n. 11.773 - PGM.AJC ao caso. De fato, a situação não merece ser tida como solucionada apenas com o advento do regime estabelecido pela Lei Federal nº 11.977/09 e legislação sucessiva, pois é possível analisá-la segundo o regime anterior, à luz dos elementos relativos aos loteamentos em conflito, especialmente no tocante à extensão das glebas originais e às regularizações correspondentes.

Na verdade, o caso pode ser enfrentado com base no entendimento contido nas Ementas n. 11.706 e 11.805- PGM.AJC, que deram continuidade às observações feitas na Informação n. 181/2015 - SNJ.G. Trata-se, em verdade, de avaliar se seria realmente possível sustentar o domínio público sobre a totalidade da área prevista como espaço livre em um loteamento, tendo em conta que parte dessa área foi ocupada por lotes do parcelamento lindeiro, análise que deve ser feita com base na apuração dos limites entre as glebas originais, tendo em vista que a aquisição da propriedade em decorrência do parcelamento do solo, inclusive no tocante às áreas públicas, tem caráter derivado, e não originário.

No parecer ementado sob o n. 11.805- PGM.AJC, esse entendimento foi aplicado a um conflito tabular entre duas glebas que sofreram parcelamentos regularizados pela Municipalidade. Naquele caso, foi a própria Municipalidade que, ao efetuar tal regularização, definiu os limites da gleba correspondente, o que ocorreu em prejuízo do imóvel lindeiro, que lhe pertencia. Analisada a questão em profundidade, ficou claro que a divisa não havia sido fixada segundo a melhor técnica, mas não havia como rever tal posicionamento, à luz da segurança jurídica, diante de uma situação fática consumada há décadas.

O mesmo entendimento deve ser aplicado ao caso presente, acrescido das observações que seguem.

Com efeito, nem sequer é possível afirmar, aqui, que a divisa tenha sido definida de modo incorreto na planta do Loteamento Jardim Santa Rita, onde se encontra o lote usucapiendo. Em verdade, a pretensão veiculada Municipalidade em sua contestação depende exclusivamente da representação do espaço livre contida na planta aprovada do Loteamento Vila Oratório, que não garante, por si, que as divisas ali adotadas são realmente as mais adequadas sob o ponto de vista tabular. Todavia, não há elementos técnicos para afirmar que deveria prevalecer a divisa retratada em tal planta, onde está situado o espaço livre municipal, pois a descrição original de tal gleba é demasiado precária.

Isso não escapou da percepção do órgão julgador no julgamento de usucapião de lote lindeiro, em que foi vencida a Municipalidade: 

Existe dúvida fundada sobre a força de antigas transcrições imobiliárias, do início do Século XX, que deram origem aos loteamentos vizinhos Vila Oratório e Jardim Santa Rita. Tais registros, retratos de uma época, não continham a precisa localização geodésica do imóvel, suficientes para locá-lo com exatidão no solo.

Para que se tenha idéia, a transcrição n. 15.568, origem dominial da Vila Oratório, sobre a qual se funda o recurso da Municipalidade, tem a seguinte descrição:

"Uma gleba de terrenos desprovida de iluminação pública e outros melhoramentos, a cerca de 1.700 m do entroncamento da Rua Oratório com a Rua da Mooca, medindo área total de 248.425 m2, mais ou menos, tudo em campo ou matagal, contendo uma casa rústica de tijolos, com 4 cômodos e cozinha, atijolados, um poço, um barracão e uma cocheira de tijolos, coberta de telhas, confinando com a Rua do Oratório, com terrenos de Rodolpho Crespi, Clemente Bonifácio, Companhia Vila Bertioga e outros"1.

Na verdade, de modo geral, até meados do século passado, tais descrições precárias eram comuns. As divisas certamente existiam na prática, mas não eram representadas em documentos passíveis de recuperação ou transposição para os dias atuais. Na verdade, tudo acabou superado pela urbanização: mesmo as divisas mais problemáticas foram fixadas por acordo expresso ou tácito entre os proprietários, levando a uma dada configuração fática, que foi incorporada pelas descrições tabulares seguintes. Nesse contexto de falta de elementos técnicos que possam caracterizar como incorreta a divisa resultante da implantação de loteamentos, é a situação fática que deve prevalecer, pois se presume que o acertamento da divisa ocorreu segundo as divisas que existiam in loco na época, as quais constituíam, assim, os elementos mais aptos para efetuar a integração da descrição das propriedades envolvidas.

Note-se: a questão aqui não diz respeito à eficácia da planta de parcelamento do solo para fins de destinação de áreas à Municipalidade. A discussão gira em torno de qual era a extensão da propriedade original do loteador, a qual constituía o limite para tal destinação, que não poderia ser feita a non domino. A planta do parcelamento, por mais que este fosse aprovado ou inscrito, não poderia ampliar os direitos do parcelador para que então estes fossem transferidos ao Município. Somente podia ser destinado ao Município o terreno que pertencesse ao loteador - e não há elementos técnicos, no caso presente, que possam ensejar a afirmação de que a gleba referente ao Loteamento Vila Oratório iria além da configuração que foi de fato implantada.

Por outro lado, o fato é que, na linha adotada no parecer ementado sob o n. 11.805 - PGM.AJC, mesmo que houvesse elementos técnicos nesse sentido, não seria possível ir contra a definição de limites que fora feita por ocasião da elaboração da planta referente à regularização do loteamento Jardim Santa Rita. Conforme se observou naquele precedente, não há dúvida de que, ao promover a regularização de tal loteamento, a Municipalidade assumiu um determinado posicionamento para a divisa - que, no caso presente, tem norteado, há décadas, a atuação dos particulares e a própria atividade de tributação realizada pela Municipalidade.

É certo que a descrição tabular da gleba em que se implantou o Loteamento Jardim Santa Rita não oferece melhores condições técnicas e que a averbação da respectiva regularização nem chegou a ser efetuada. É certo, também, que se optou por solução peculiar no sentido de restringir a regularização, sem um escrutínio mais preciso a respeito, aos trechos que tivessem base fundiária. Isso, contudo, não afasta a expectativa que a própria Municipalidade gerou por força da regularização, pois não somente a Municipalidade se omitiu quanto à pretensa invasão do espaço livre, mas também manteve todos os lotes na planta, inclusive no trecho em que residiria a tal sobreposição. Mais que isso: tendo em vista a inviabilidade, apenas registrária, de promover a averbação da planta, os moradores teriam sido cientificados quanto à necessidade de promover ações de usucapião para o fim de regularizar o domínio sobre suas moradias (fls. 114, in fine).

Nesse panorama, a atuação da Municipalidade acaba por ter um papel relevante no sentido de avaliar qual poderia ser a divisa entre as glebas. Isso tampouco passou despercebido do Poder Judiciário no já referido litígio que lhe foi submetido:

Diante de tão confusa situação, não há segurança para afirmar a natureza pública do imóvel. Pelo contrário, persiste fundada dúvida, que milita em favor dos requerentes, em razão de comportamento prolongado e concludente da Municipalidade.

O conjunto de mais de duas dezenas de casas, entre as quais se encontra o imóvel usucapiendo, foi adquirido e pago pelos antecessores dos autores há mais de quarenta anos, ainda no início da década de sessenta. A Municipalidade jamais tomou as medidas administrativas e judiciais para reclamar de tal situação. Ao invés disso, efetuou lançamentos fiscais sobre os imóveis da região, mencionando rua e quadra, reconhecendo, assim, a sua natureza particular. Não bastasse, erigiu um muro divisório no local, separando os fundos dos lotes de um posto de saúde ali existente.

Diante da incerteza da força dos títulos, assume crucial importância a conduta das partes. Sabido que o comportamento contraditório não é tolerado pelo direito, uma vez que a conduta anterior das partes gera efeitos jurídicos futuros, constituindo o melhor critério de interpretação da situações jurídicas (cfr. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Editora Almedina, 1.995).

Parece evidente que se nem mesmo a Prefeitura Municipal sabe onde se situa a área do imóvel "Vila Oratório", cuja descrição impede sua precisa definição geodésica, não se pode afirmar a natureza pública do imóvel. Claro que cabe à Municipalidade definir o que lhe pertence e, se o caso, determinar que um topógrafo trace os exatos limites da gleba"2.

Portanto, décadas depois da implantação e da regularização, não parece possível discutir a configuração adotada na planta de regularização do Loteamento Jardim Santa Rita. Para que se chegue a tal conclusão, nem sequer é preciso promover nova análise técnica quanto à divisa, bastando reconhecer a irreversibilidade dos efeitos da avaliação que levou à existência dos lotes, até mesmo sob a perspectiva de que as mudanças de entendimento administrativo devem ser adotadas em caráter ex nunc, não atingindo decisões já praticadas segundo o entendimento revisto (cf. Informações n. 206/2011, n. 370/2012 e n. 872/2014 - PGM.AJC).

É evidente que seria preferível que a aprovação ou até mesmo a regularização do Loteamento Vila Oratório tivesse contemplado uma análise quanto a se as áreas ali indicadas como destinadas realmente pertenciam ao loteador, o que possibilitaria a efetiva ocupação de tais trechos ou a modificação do projeto, caso a destinação estivesse além dos limites da gleba original. No entanto, não tendo sido feita tal análise, e na ausência de elementos técnicos que caracterizem outra divisa, a prevalência da situação fática é a solução que se impõe, até porque nunca houve, por parte da Municipalidade, nenhum questionamento a tal configuração.

Portanto, sugere-se a remessa a DEMAP, para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito, seguindo-se o encaminhamento a CGPATRI, para anotações cadastrais cabíveis, que serão úteis caso algum dos demais lotes da quadra em questão venha a ser objeto de nova ação de usucapião.

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São Paulo, 18 / 05 / 2018.

JOSE FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 22/05/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 TJSP - 4ª Câmara de Direito Privado - Apelação Cível n. 396.0944/7-00 - Rel. Des. Francisco Loureiro - j. .10.04.2008 (fls. 85). O teor da transcrição pode ser consultado no p. a. 1995-0.066.208-6, ora acompanhante (fls. 202v./203), do qual consta também a análise relativa ao tema das divisas no respectivo laudo pericial (fls. 148/180 e 213/260).

2 TJSP - 4ª Câmara de Direito Privado - Apelação Cível n. 396.0944/7-00 - Rel. Des. Francisco Loureiro - j. .10.04.2008 (fls. 86/87).

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Processo nº 2014-0.331.976-2

INTERESSADO: José Roberto Retti e outros

ASSUNTO: Ação de usucapião.

Cont. da Informação nº 0588/2018-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, propondo o encaminhamento a DEMAP para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito, seguindo-se a remessa a CGPATRI, para as anotações cabíveis.

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São Paulo, 28/05/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2014-0.331.976-2

INTERESSADO: José Roberto Retti e outros

ASSUNTO: Ação de usucapião.

Cont. da Informação nº 0588/2018-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

Com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acolho, encaminho-lhe o presente, para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito, com posterior remessa a CGPATRI, para as anotações devidas.

Acompanha o p.a. n. 1995-0.066.208-6.

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São Paulo, 29/05/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo