Processo nº 2017-0.026.304-4
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Inquérito Administrativo. Faltas consecutivas. Comprovação de problemas de saúde e uso de substâncias psicoativas. Proposta de suspensão.
ADVOGADO:Defensoria Dativa de PROCED
Informação n° 0119/2018-PGM.AJC
PGM/Coordenadoria Geral do Consultivo
Sr. Coordenador Geral
Trata-se de inquérito administrativo instaurado contra o servidor qualiliçado em epígrafe, com fundamento no art. 207 da Lei municipal n° 8.989/79, em razão de ter faltado ao serviço por mais de 30 (trinta) dias consecutivos, no período compreendido entre 03/10/2016 e 02/11/2016.
Apos regular instrução, a Comissão Processante Permanente concluiu no relatório de fls. 185/191 não estarem justificadas as faltas. No entanto, considerando as circunstâncias fáticas, entendeu cabível o abrandamento da penalidade, nos termos do artigo 192 da Lei n° 8.989/79, sugerindo a aplicação da pena de SUSPENSÃO por 7 (sete) dias. O entendimento foi acompanhado pela chefia de PROCED-2 (fls. 193/195).
A Diretoria do Departamento, porém, posicionou-se pela sua ABSOLVIÇÃO (fls. 196/198). O argumento gira na órbita dos problemas de saúde enfrentados pelo indiciado, notadamente aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas variadas há mais de vinte anos. Diante deste estado patológico, resta afetada a sua capacidade volitiva e de discernimento, o que descaracteriza o animus de abandono do serviço público. Diante do reconhecimento de doenças crônicas, a Diretoria de PROCED entende que surgem somente duas soluções: tratamento ou aposentadoria por invalidez. Foram feitas referências a decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhecendo a ilegalidade de demissões de servidores dependentes químicos.
É o relatório.
A despeito das pertinentes considerações da Diretoria de PROCED, cujo propósito parece traçar uma adequação com o entendimento do Tribunal de Justiça paulista, entende-se que não se pode firmar, como tese, posição segundo a qual a assunção de doenças crônicas afasta per se a punição disciplinar, de modo a remanescer apenas as alternativas de tratamento de saúde ou aposentadoria por invalidez.
Tal compreensão acabaria por sedimentar uma verdadeira imunidade disciplinar, bastando restar caracterizada a dependência química do servidor, para se afastar qualquer possibilidade de responsabilização na seara administrativa. Deparando-se com um processo disciplinar passível de demissão, o servidor poderia ser impelido, como verdadeira causa excludente de responsabilidade, a expor e reforçar a sua situação de dependente químico, afastando automaticamente a aplicação de qualquer penalidade. Em última análise, levando tal raciocínio ao paroxismo, poder-se-ia cogitar em um verdadeiro incentivo institucional à continuidade ao uso das substâncias que causam vício.
A bem da verdade, o entendimento que se adota não destoa das premissas jurisprudenciais relevadas pelo PROCED. De fato, com base em posição consolidada tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Tribunal de Justiça de São Paulo, em se tratando de ato sancionatório disciplinar consistente no abandono ou na inassiduidade, impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau de desídia (cf. MS 18.936/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 23/09/2016). Nesse sentido, para fins de responsabilização administrativa, devem estar conjugados dois elementos: o objetivo e o subjetivo, este consistente no animus abandonandi1.
A questão que se coloca - e que se impõe como recorrente problema no âmbito do processo disciplinar - é a avaliação do elemento subjetivo, principalmente nas situações envolvendo a dependência do servidor. Deve haver nestes casos uma presunção de ausência do fator anímico? Caso positivo, trata-se de presunção absoluta ou relativa? Caso negativo, qual o aspecto a ser levado em consideração para a respectiva avaliação?
Compreende-se que não milita em favor do servidor qualquer espécie de presunção. Pelo contrário, a instrução de processos disciplinares envolvendo agentes dependentes está condicionada a uma avaliação técnica (leia-se, médica) acerca de seu estado de saúde, notadamente em relação aos aspectos de imputabilidade, de capacidade volitiva e de discernimento.
Na hipótese de inimputabilidade, restaria afastado o elemento subjetivo caracterizador da desconformidade. Já no caso de imputabilidade, entende-se que o elemento subjetivo caracterizador das infrações previstas no artigo 188, incisos I e II, da Lei n° 8.989/79 está intimamente associado ao comportamento do servidor diante de seu problema de saúde. Conforme já apontado pelo STJ, necessário aferir o seu "grau de desídia".
Para aferir-se tal condição, somente o contexto fático in concreto, dependente de aspectos próprios de cada situação, permite uma definição sobre a configuração da infração ou da presença de causas para o abrandamento. Incabível - indesejável, até - uma estipulação e uma dosimetria apriorísticas acerca dos múltiplos fatores que lhe são correlatos.
Evidentemente, tal análise deve estar conjugada com a própria possibilidade de que o servidor seja readaptado ou aposentado por invalidez, o que reforça a necessidade de avaliação médica (prévia à conclusão do processo disciplinar, preferencialmente) em relação ao estado clínico do agente público.
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer questão relevante apontada pela Diretoria de PROCED, inclusive com arrimo em decisões do Judiciário paulista. De fato, a caracterização de uma infração passível de responsabilização administrativa perpassa pelo crivo do postulado da proporcionalidade, de modo a exigir da Administração uma aplicação gradual das sanções disciplinares2.
Aliás, a despeito das decisões colacionadas pelo PROCED - cujo entendimento ainda reverbera no Tribunal de Justiça de São Paulo -, há recentes julgados da Corte paulista apontando no sentido ora defendido. Cite-se como exemplo a decisão extraída da Apelação 0044814-26.2009.8.26.00533 (8a Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, julg. 16/08/2017), que expressamente consignou, como reforço à possibilidade de demissão, a existência de processos disciplinares anteriores pela prática de faltas interpoladas. Destaque-se, demais, a seguinte passagem:
6. Claro, não passou despercebido a este julgador que o autor/apelante buscou eximir-se das consequências das faltas em que incorreu alegando que passava por problemas com dependência química.
6.1. Análise detida de todo o Inquérito Administrativo n° 2008-0.099.483-0, de fato, permite verificar que o requerente/apelante realmente passou por dificuldades decorrentes de dependência química.
6.2. E sabe-se que hodiernamente é recorrente a verificação de pessoas com problemas decorrentes do consumo de drogas ou álcool, sendo certo que, em se tratando de servidor público, a postura da Administração deve ser, a rigor, a de submeter o funcionário a tratamento médico, no instante em que o indivíduo nessas condições não costuma discernir acerca de seus compromissos e realidades.
6.3. Na hipótese em epígrafe, entrementes, verifica-se que o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO procurou disponibilizar tratamento ao requerente/apelante, concedendo-lhe licença médica, sendo que, todavia, o autor/apelante se mostrou resistente, abandonando o tratamento, conforme se verifica do documento juntado a fls.363.
6.4. Imperioso consignar que o laudo pericial médico acostado a fls. 354, ainda que reconheça que o autor/apelante não ostentava capacidade laborativa preservada para a função diante do grau acentuado de dependência, registrou que o autor/apelante encontrava-se imputável, isto é, tinha ciência de suas condições e ações.
6.5. Logo, diante desse cenário, com todo o respeito, não há como se impor ao MUNICÍPIO DE SÃO PAULO que mantenha em seus quadros servidor que incorre em faltas reiteradamente e que, notoriamente dependente de drogas, recusa-se a submeter-se a tratamento.
No mesmo sentido o seguinte julgado4:
Ato administrativo - demissão de servidor municipal. Abandono do serviço -alcoolismo - laudo médico conclusivo de que a doença não o atingiu num grau que o privasse da capacidade cognitiva ou de se autogerir - a Administração concedeu-lhe licenças médicas, mas o autor não reagiu ao tratamento - comportamento incompatível com o serviço público -procedimento administrativo sem máculas e obediente aos princípios do contraditório e da ampla defesa - pretensão de anulação do ato demissório, de reintegração no cargo e de recebimento dos vencimentos pretéritos ação julgada improcedente sentença mantida. Recurso improvido.
Observe-se que até mesmo os Acórdãos que determinam a anulação da pena de demissão fazem alusão à necessidade de aferição do contexto da dependência química. Cite-se a seguinte decisão5:
Mas, muito embora o processo administrativo tenha observado o contraditório e ampla defesa verifica-se que a reiterada conduta faltosa do servidor estava ligada ao estado patológico em que vivia cujo alcoolismo configurou causa determinante do comportamento anormal do autor, devendo a Administração tê-lo submetido à perícia para averiguação acerca de sua higidez física e mental. Não fora produzida prova pericial no processo administrativo.
O que se depreende é que a demissão do autor se mostrou prematura porquanto desprovida de qualquer encaminhamento a tratamento de saúde ou criteriosa perícia técnica para ser verificado se efetivamente não seria aferido se a inassiduidade do servidor decorreu de sua deficiência volitiva ou de descaso com o serviço público.
O servidor portador de alcoolismo crônico que, por esse motivo, se ausenta do trabalho, não pode simplesmente ser demitido diante do número de faltas. Desde que o empregador tenha conhecimento de seu estado de saúde, imprescindível seu tratamento ou aposentadoria, jamais a demissão sob o manto do regular processo administrativo disciplinar ou de que tenha sido encaminhado a determinado setor para que fosse submetido a tratamento.
A propósito da proporcionalidade, reitere-se que o Judiciário paulista vem fazendo expressa referência à necessidade de verificação de medidas menos gravosas ao servidor, como a aposentadoria por invalidez.
Diante de todo o exposto, conclui-se que o servidor portador de doença crônica relacionada à dependência não está imune à punição disciplinar, desde que o contexto fático envolvendo a conduta do agente público diante de sua patologia indique a presença do animus abandonandi. Imprescindível, demais, a aplicação do postulado da proporcionalidade, de modo que a demissão se impõe como ultima ratio, nas situações em que outras medidas menos gravosas, inclusive a aposentadoria por invalidez, evidenciarem-se como incabíveis ou ineficazes. Todos estes aspectos estão condicionados a uma avaliação técnica de caráter médico, de competência do Depa tamento de Saúde do Servidor.
Aplicando-se tais premissas ao caso concreto, verifica-se que os documentos apresentados demonstram um certo grau de desídia do indiciado, remanescendo a caracterização da infração. De acordo com o prontuário de fls. 115/116, referente à avaliação para capacidade laborativa, o servidor foi considerado imputável, não tendo preenchidos os critérios para readaptação ou aposentadoria por invalidez. Na ocasião, foi orientado a manter tratamento psiquiátrico. Observe-se, demais, a instauração de outros processos disciplinares atinentes a faltas (cf. indicado a fls. 177). O derradeiro deles - que tramitou no PA n° 2016-0.035.849-3 - culminou na absolvição do interessado. Todas estas circunstâncias militam a favor da responsabilização disciplinar.
Por outro lado, à luz do postulado da proporcionalidade e da necessidade de gradação, incabível a demissão do servidor, mostrando-se apropriada a sua suspensão, notadamente em relação às circunstâncias do caso concreto. Com efeito, conforme relatório de acompanhamento de fls. 54, o indiciado vem sendo acompanhado pela Coordenadoria Regional de Saúde Centro desde 2010. Embora o seu comparecimento tenha sido irregular ao longo dos anos, em 2016 tornou-se mais "presente e participativo em seu tratamento".
Assim, encaminho o presente, rogando remessa ao Serviço Funerário Municipal, com proposta de ABRANDAMENTO DA PENALIDADE, nos termos do arigo 192 da Lei municipal n° 8.989/79, com aplicação da pena de SUSPENSÃO POR : 10 (dez) DIAS do indiciado.
Demais, conforme a recomendação do PROCED, e a despeito do exame realizado em maio de 2017 (fls. 115/116), sugere-se nova avaliação do servidor acerca da possibilidade de aposentadoria por invalidez. Caso se entenda de modo negativo, recomendável a aplicação do Decreto n° 50.573/09.
.
São Paulo, 21 de março de 2018.
BORDALO RODRIGUES
Procurador do Município
OAB/SP 183.508
PGM-AJC
.
De acordo.
São Paulo, 22/03/2018
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE
OAB/SP 175.186
PGM/AJC
1Sob o rótulo animus abandonandi serão tratadas tanto as faltas previstas no artigo 188, inciso I, da Lei n.° 8.989/79 (abandono de cargo) quanto as infrações contempladas em seu inciso II (inassiduidade habitual decorrente de faltas interpoladas). Não se ignora, vale apontar, divergência jurisprudencial acerca da necessidade de caracterização do animus na hipótese de falta interpolada, conforme apontado pelo STJ no MS 14.697/DF (3a Seção, Rei. Min. Ericson Maranho, DJe 22/03/2016), entre outros julgados.
2 É o que implicitamente está contemplado no artigo 192 da Lei n.° 8.989/79, no tocante ao abrandamento da penalidade disciplinar.
3 Tal recurso envolveu a demissão de servidor do Município de São Paulo, mantida pelo Judiciário.
4 Apelação n° 0010888-83.2011.8.26.0053, 12a Câmara de Direito Público, Rel. Des. Venício Salles, j. em 17/09/2015.
5 Apelação n° 0000860-51.2006.8.26.0079, 1a Câmara de Direito Público, Rel. Des. Danilo Panizza, j. em 21/03/2017.
.
.
Processo nº 2017-0.026.304-4
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Inquérito Administrativo. Faltas consecutivas. Comprovação de problemas de saúde e uso de substâncias psicoativas. Proposta de suspensão.
ADVOGADO: Defensoria Dativa de PROCED
Cont. da Informação n° 0119/2018-PGM.AJC
PGM.G
Sr. Procurador Geral,
Considerando a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente, encaminho o presente, com proposta de ABRANDAMENTO DA PENALIDADE, nos termos do artigo 192 da Lei municipal n° 8.989/79, com aplicação da pena de SUSPENSÃO POR 10 (dez) DIAS do indiciado.
.
São Paulo, 23/03/2018
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP n° 195.910
PGM
.
.
Processo nº 2017-0.026.304-4
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Inquérito Administrativo. Faltas consecutivas. Comprovação de problemas de saúde e uso de substâncias psicoativas. Proposta de suspensão.
ADVOGADO: Defensoria Dativa de PROCED
Cont. da Informação n° 0119/2018-PGM.AJC
SFM/GAB
Sr. Superintendente
Tendo em vista a competência do Sr. Superintendente, fixada no artigo 8°, "d" e "i", da Lei 8.383/76, bem como o deslinde do Inquérito Administrativo promovido pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares (art. 2°, da Lei 15.797/2013), encaminho o presente com proposta de ABRANDAMENTO DA PENALIDADE, nos termos do artigo 192 da Lei municipal n° 8.989/79, com aplicação da pena de SUSPENSÃO POR 10 (dez) DIAS do indiciado nos termos dos artigos 188, inciso I e 192, ambos da Lei municipal n° 8.989/79, restando injustificadas as faltas constantes do presente.
Demais, recomenda-se a tomada das providências recomendadas pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares a fls. 198.
.
São Paulo, 27/03/2018
RICARDO FERRARI NOGUEIRA
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 175.805
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo