Processo SEI n° 6011.2017/0000189-9
Informação n° 959/2017-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Sr. Coordenador Geral do Consultivo
Trata-se, atualmente, da adoção pela Secretaria do Governo Municipal - SGM das providências pertinentes à contratação direta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT (Correios), para a prestação de serviços de transporte de encomendas (SEDEX), incluindo as necessidades da Secretária Especial de Comunicação - SECOM e da Secretaria Especial de Relações Governamentais, conforme estimativa apresentada pela Supervisora de Infraestrutura e Apoio da Secretaria do Governo Municipal -SGM/CAF/SGRL/SIA.
Ao ser encaminhado à Assessoria Jurídica daquela Pasta - SGM/AJ, essa manifestou-se no sentido: (a) da possibilidade de contratação do serviço por dispensa de licitação, nos termos do artigo 24, inciso VIII, da Lei Federal n° 8.666/93, não obstante os pareceres desta Assessoria Jurídica ementados sob os n° 10.025 e 11.498, dada a natureza de serviço público do serviço postal, conforme entendimento consolidado da Advocacia Geral da União - AGU; (b) da possibilidade de contratação por inexigibilidade, nos termos do artigo 25, caput, da Lei Federal n° 8.666/93, pois os serviços a serem contratados inserem-se naqueles previstos no artigo 9° da lei Federal n° 6.538/78; e, (c) da prescindibilidade dos documentos comprobatórios da regularidade fiscal, mesmo no caso de contratação por dispensa, dado se tratar de mero "contrato da Administração", no qual atua em condição equiparada ao particular.
Diante da repercussão da contratação na Administração Municipal e dos pareceres desta AJC, entendeu aquela consultoria ser o caso de nos encaminhar consulta com os seguintes quesitos:
a) A contratação do serviço de SEDEX pode ser enquadrada no art. 24, VIII da Lei de Licitações? Neste caso, poder-se-ia enquadrar o contrato como Contrato da Administração e afastar a regularidade fiscal e os impedimentos à contratação e pagamento da Lei do CADIN?
b) A contratação do serviço de SEDEX, restrita ao transporte de documentos e papeis, pode ser enquadrada no art. 25, caput, da Lei 8.666/93?
O exame da consulta exige a análise de diversas questões relacionadas a um tema extremamente complexo, qual seja a natureza jurídica das atividades empreendidas pelos Correios e as consequências daí advindas.
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Os Correios exercem uma série de atividades, desde o simples envio de cartas até serviços financeiros e de logística integrada. A Lei Federal n° 6.538 de 1978, em seu artigo 7°, caput e parágrafos, considerou certas atividades executadas por tal empresa pública como serviço postal.
Art. 7° - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento.
§ 1° - São objetos de correspondência:
a) carta;
b) cartão-postal;
c) impresso;
d) cecograma;
e) pequena - encomenda.
§ 2° - Constitui serviço postal relativo a valores:
a) remessa de dinheiro através de carta com valor declarado;
b) remessa de ordem de pagamento por meio de vale-postal;
c) recebimento de tributos, prestações, contribuições e obrigações pagáveis à vista, por via postal.
§ 3° - Constitui serviço postal relativo a encomendas a remessa e entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal.
Dentre aquelas, a mesma lei estabeleceu que algumas seriam exploradas pela União em regime de monopólio.
Art. 9° - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada:
III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
A Lei Federal n° 6.538/78 foi objeto de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, na qual se suscitou que esse texto legal não fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois representaria ofensa aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos nos artigos 1°, inciso IV, 5°, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único.
O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal - STF julgou A arguição improcedente, nos termos da divergência inaugurada pelo Ministro Eros Grau, o qual discordara do Ministro Marco Aurélio, relator da ação. Cabe transcrever a ementa daquele julgado:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1°, INCISO IV; 5°, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9°, DA LEI. 1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9° desse ato normativo. (ADPF 46, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020 RTJ VOL-00223-01 PP-00011).
Na realidade, ao examinarmos os votos vencido e vencedor, perceberemos que a divergência deu-se ao redor da mudança ou não da ideologia constitucionalmente adotada, para nos valermos da expressão do professor mineiro Washington Peluso Albino de Souza. Enquanto o Ministro Marco Aurélio defendeu a ocorrência de uma mudança ideológica da Constituição de 1988 a partir das reformas da década de 90, as quais foram ao encontro de uma ideologia neoliberal, que propugnava, entre outras medidas, o fim da participação direta do Estado na atividade econômica, o Ministro Eros Grau entendeu que a Constituição estabelece um Estado voltado à superação dos conflitos sociais e econômicos que aquele texto trouxe para o seu bojo, razão pela qual considerou o serviço postal um serviço público, bem como constitucional a exclusividade prevista no artigo 9° da Lei Municipal n° 6.538/78.
Em outras palavras, muito além de examinar a constitucionalidade ou não de certo monopólio (ou exclusividade, nos termos daquele julgado), o Supremo Tribunal Federal definiu a natureza jurídica do serviço postal e reconheceu aos Correios a qualidade de empresa prestadora de serviço público, afastando de sua atuação todas as normas próprias daquelas que exploram atividade econômica em sentido estrito.
Esse entendimento foi reforçado nos julgados posteriores do STF, que reconheceram a imunidade tributária dos Correios, independentemente de a sua atividade ser exercida em regime de exclusividade ou de concorrência.
EMENTA Recurso extraordinário com repercussão geral. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Peculiaridades do Serviço Postal. Exercício de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com particulares. Irrelevância. ICMS. Transporte de encomendas. Indissociabilidade do serviço postal. Incidência da Imunidade do art. 150, VI, a da Constituição. Condição de sujeito passivo de obrigação acessória. Legalidade. 1. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade econômica. 2. As conclusões da ADPF 46 foram no sentido de se reconhecer a natureza pública dos serviços postais, destacando-se que tais serviços são exercidos em regime de exclusividade pela ECT. 3. Nos autos do RE n° 601.392/PR, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, ficou assentado que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, CF, deve ser reconhecida à ECT, mesmo quando relacionada às atividades em que a empresa não age em regime de monopólio. 4. O transporte de encomendas está inserido no rol das atividades desempenhadas pela ECT, que deve cumprir o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importa o quão pequenos ou subdesenvolvidos. 5. Não há comprometimento do status de empresa pública prestadora de serviços essenciais por conta do exercício da atividade de transporte de encomendas, de modo que essa atividade constitui conditio sine qua non para a viabilidade de um serviço postal contínuo, universal e de preços módicos. 6. A imunidade tributária não autoriza a exoneração de cumprimento das obrigações acessórias. A condição de sujeito passivo de obrigação acessória dependerá única e exclusivamente de previsão na legislação tributária. 7. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento, reconhecendo a imunidade da ECT relativamente ao ICMS que seria devido no transporte de encomendas. (RE 627051, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-028 DIVULG 10-02-2015 PUBLIC 11-02-2015)
Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, "a", da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 601392, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-105 DIVULG 04-06-2013 PUBLIC 05-06-2013)
Em suma, tendo em vista o texto constitucional e a Lei Federal n° 6.538/78, bem como a jurisprudência do STF, podemos afirmar que (a) os Correios são uma empresa prestadora de serviço público, motivo pelo qual não atrai a incidência das regras próprias das exploradoras de atividade econômica em sentido estrito; (b) o serviço postal, descrito no artigo 7° daquela lei, é um serviço público; e (c) parte desse serviço público é exercido com exclusividade pelos Correios, nos termos do artigo 9° da mesma lei.
Portanto, valendo-nos da lição do professor Eros Grau, podemos afirmar, a partir do entendimento consolidado no STF, que os Correios não atuam em área de titularidade do setor privado, mas sim do setor público, razão pela qual não haveria intervenção do Estado na economia, mas tão somente atuação estatal.
Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do público[1].
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Analisando-se as consequências daquelas assertivas nos contratos celebrados entre a Administração Pública e os Correios, podemos afirmar que dois são os cenários, a depender da exclusividade ou não dos serviços.
Caso se trate de atividade prevista no artigo 9° da citada lei, ter-se-á exclusividade, o que afastará a competição e a possibilidade de se instaurar procedimento licitatório, restando configurada típica hipótese de inexigibilidade de licitação (artigo 25, caput, da Lei Federal n° 8.666/93).
Por outro lado, na hipótese de ser serviço postal que não se sujeita à exclusividade da prestação pelos Correios[2], é possível a sua contratação direta por dispensa de licitação, por se tratar de pessoa jurídica de direito público interno, integrante da Administração Federal e criada para esse fim específico em data anterior à vigência da Lei Federal n° 8.666/93, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado (artigo 24, inciso VIII, da Lei Federal n° 8.666/93).
Em relação ao citado entendimento desta AJC (Parecer ementado sob o n° 10.025), em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU e parte da doutrina pátria, no sentido de que a hipótese daquela dispensa só se verifica quando a empresa foi criada pelo próprio ente para lhe fornecer seus produtos ou serviços ou quando não exerçam atividade econômica com intuito lucrativo, além de já ter sido reexaminado em manifestações posteriores (v.g., Informação n° 24/2011 e 1512/2014 - PGM.AJC), não se aplica ao caso em tela.
O fundamento daquele entendimento é a impossibilidade de se ofertar privilégios ou prerrogativas à empresa estatal exploradora de atividade econômica que atue no mercado com empresas privadas[3], pois, ao explorar atividade econômica em sentido estrito, o Estado estaria atuando em área de titularidade do setor privado e, ao disciplinar essa intervenção, a Constituição não só indicou as hipóteses em que poderia ocorrer, como ainda estabeleceu a observância aos princípios da livre concorrência e livre iniciativa e a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas.
Segundo tal entendimento, o estabelecimento de prerrogativas ou privilégios à empresa estatal que explora atividade econômica em sentido estrito representaria clara vantagem em comparação às empresas privadas que atuam no mesmo mercado, o que iria de encontro à livre concorrência e à livre iniciativa, princípios constitucionalmente assegurados.
Entretanto, como os Correios não são empresa estatal exploradora de atividade econômica em sentido estrito, mas sim empresa pública prestadora de serviço público, a razão de ser daquele entendimento não se faz presente na hipótese da contratação de tal empresa, afinal, em tal caso o Estado não atua em área de titularidade do setor privado, mas sim de sua própria titularidade, o que afasta princípios e regras característicos da intervenção do Estado no domínio econômico.
Em suma, ainda que desconsiderado o reexame daquele entendimento em manifestações posteriores desta AJC, o mesmo não seria aplicável à contratação dos Correios, o que permite a dispensa de licitação com fundamento no artigo 24, inciso VIII, da Lei Federal n° 8.666/93.
Por fim, resta-nos abordar a viabilidade ou não da contratação dos Correios diante da sua inscrição no Cadastro Informativo Municipal - CADIN Municipal.
A Lei Municipal n° 14.094/05, a qual criou o CADIN, veda, em seu artigo 3°, qualquer tipo de acordo com pessoas, físicas ou jurídicas, inscritas naquele cadastro[4]. Entretanto, não obstante a objetividade dessa previsão, tal proibição deve ser vista com cuidados ao se tratar de ajustes entre entes estatais, dados os fins por eles perseguidos e as consequências, mediata e imediatamente consideradas.
A vedação tem um nítido caráter sancionador, o qual visa desestimular a inadimplência através da proibição de contratação, em sentido amplo. Sua coerência é irretocável ao se tratar de pessoas físicas, empresas privadas, empresas estatais que exploram atividades econômicas em sentido estrito ou mesmo entidades não governamentais, pois, em qualquer um desses casos, estar-se-ia concedendo um benefício (pessoal, financeiro, econômico, comercial etc.) a alguém que impôs um prejuízo ao Município.
Entretanto, se se mostra coerente em relação àqueles, revela-se muitas vezes inadequada ao se tratar de ajustes entre entes estatais, por uma simples razão: não haverá um benefício ao ente, ainda que aparenta haver, pois, mediatamente, qualquer prestação que lhe seja devida reverterá para a sociedade.
Aliás, visualizando a questão sobre um outro prisma, não só não haverá benefícios como todos são, em essência, ainda que observadas as autonomias de cada, um só ente: o Estado Brasileiro.
Realmente, entendendo-se que os entes estatais, entre os quais o Município e os Correios, integram um todo, o Estado Brasileiro, torna-se clara a necessidade de suas relações serem baseadas na colaboração e na solidariedade, não na cisão, na segregação ou no conflito. Aproxima-se daquilo que o professor Gilberto Bercovici chama de federalismo cooperativo:
(... ) União e entes federados devem atuar conjuntamente para assegurarem a igualdade na prestação de serviços públicos essenciais a todos os brasileiros. A igualdade que se busca é tanto a igualdade dos cidadãos em relação à prestação de serviços públicos, quanto a igualdade da capacidade de todos os membros da Federação na prestação destes mesmos serviços[5].
Esse cenário indica a necessidade de se mitigar a exigência de ausência de inscrição no CADIN quando se tratar de ajustes firmados com ente estatal, salvo, com empresa exploradora de atividade econômica, caso em que deverá ser observada a vedação legal. Tal mitigação, contudo, não significa nem pode significar o afastamento daquela regra em quaisquer acordos celebrados com entes da Administração Direta ou Indireta, desde que não explorem atividades econômicas em sentido estrito, pois não se deve considerar apenas a natureza estatal daquele ente e os fins perseguidos, mas também a existência de benefício para o Município. Ou seja, deve estar demonstrado, além da imprescindibilidade da contratação, que essa trará, no caso concreto, um notório benefício ao Município que justifique a desconsideração do CADIN.
De acordo com uma abordagem dogmática e considerando-se as especificidades indicadas acima, a questão não se resolve com recurso ao princípio da legalidade, mas sim, seguindo-se a lição de Humberto Ávila, ao postulado[6] da razoabilidade, pois é uma situação em que se manifesta "um conflito entre o geral e o individual, entre a norma e a realidade por ela regulada, e entre um critério e uma medida"[7]. Como nos ensina aquele autor, dentre tantas acepções de razoabilidade, três se destacam:
Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. São essas acepções que passam a ser investigadas.
(... )
Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada. O exame de alguns casos comprova isso.
O Poder Executivo editou medida provisória com a finalidade de ampliação do prazo de decadência, de dois para cinco anos, para a propositura de ação rescisória pela União, Estados ou Municípios. No julgamento foi asseverado que o Poder Público possui algumas prerrogativas, as quais devem, porém, ser suportadas por diferenças reais entre as partes, e não, apenas, servir de agravamento da satisfação do direito do particular. Somente uma razão de ser plausível e aceitável justifica a distinção. Em decorrência disso e de outros fundamentos, a medida provisória foi declarada inconstitucional, em razão de a instituição de discriminação arbitrária violar os princípios da igualdade e do devido processo legal.
Uma lei estadual determinou que o período de trabalho de secretários de Estado deveria ser contado em dobro para efeitos de aposentadoria. Levada a questão a julgamento, afirmou-se que não há razoabilidade em se considerar que o tempo de serviço de um secretário de Estado deva valer o dobro que o dos demais servidores. Trata-se de discriminação arbitrária ou aleatória. Em virtude disso, a distinção foi considerada inválida, pois a instituição de distinção sem causa concreta viola o princípio da igualdade.
Uma lei vinculou o número de candidatos por partido ao número de vagas destinadas ao povo do Estado na Câmara de Deputados. O número de candidatos foi eleito critério de discriminação eleitoral. Os partidos insurgiram-se contra a medida, alegando ser ela irrazoável. No julgamento, porém, considerou-se haver congruência entre o critério de distinção e a medida adotada, pois a vinculação das vagas ao número de candidatos levaria à melhor representatividade populacional.
Nos dois casos acima referidos o postulado da razoabilidade exigiu uma correlação entre o critério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada. Não se está, aqui, analisando a relação entre meio e fim, mas entre critério e medida. A eficácia dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1°) e do devido processo legal (art. 5°, LIV) soma-se a eficácia do princípio da igualdade (art. 5°, caput), que impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem razão é violar o princípio da igualdade. [8]
Levando-se em conta a razoabilidade, enquanto relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada, dadas as singularidades que envolvem os ajustes entre entes estatais, não é possível afirmar a existência de congruência entre a previsão do artigo 3° da Lei Municipal n° 14.094/05 e a vedação ampla e indistinta a qualquer acordo quando existente inscrições no CADIN, motivo pelo qual não se mostra razoável tal proibição, quando genérica e abstratamente considerada.
Vale mencionar que este órgão consultivo já reconheceu, algumas vezes, a possibilidade de ponderação entre os efeitos da inclusão no CADIN e o interesse público na prestação do serviço (v.g., Ementas n° 11.104-PGM e n° 11.598-PGM), de forma que, quando algum ou alguns dos efeitos da inclusão no CADIN puderem causar mais danos do que benefício à Administração e às suas atividades essenciais, seria admitida a mitigação das consequências previstas na Lei municipal n° 14.094/05.
Nesse sentido, vale trazer o seguinte trecho de manifestação desta Assessoria Jurídico Consultiva (Informação n° 48/2012 PGM.AJC):
Eventualmente, diante das possíveis conseqüências para o interesse público primário, a Administração poderá sopesar os interesses envolvidos e deixar de aplicar, pontualmente, algum ou alguns dos efeitos da inclusão no CADIN. Conforme bem lembrado na consulta que nos foi encaminhada, esta Procuradoria Geral já entendeu que podem ser mitigados os efeitos do CADIN, especialmente diante da gravidade da eventual interrupção do serviço e da impossibilidade fática ou jurídica da sua execução por outro prestador.
Tal análise, no entanto, deve ser feita caso a caso, e eventualmente obstará a produção de certos efeitos, mas não a inclusão no CADIN. Pode ser que, diante de uma situação concreta, a produção de um efeito específico não seja razoável, por conflitar com outros princípios da Administração, mas nada impeça a incidência dos demais efeitos.
Por fim, é importante ressaltar que, em manifestações anteriores, essa AJC já teve a oportunidade de definir a competência da Procuradoria Geral do Município - PGM e da, à época, Secretaria de Negócios Jurídicos - SNJ para se manifestar em processos que envolvam a aplicação da Lei 14.095/05 (Informações n° 774/2014 e 1.416/14 - PGM.AJC).
Nesse sentido, cumpre ressaltar a manifestação da Secretaria dos Negócios Jurídicos a respeito, acatando parecer desta PGM (Informação n° 1451/2014 - SNJ.G):
Quanto à questão da competência da PGM para analisar as hipóteses de mitigação dos efeitos do CADIN, permitimo-nos tecer algumas ponderações adicionais ao que foi exposto por PGM/AJC.
Inicialmente, cumpre consignar que a Lei Municipal 14.094/05 veda a contratação e o pagamento de pessoa física ou jurídica inscrita no CADIN, não tendo estabelecido qualquer exceção.
Há, contudo, circunstâncias - algumas das quais já foram analisadas pela PGM - que, caso a caso, podem justificar a mitigação dos efeitos da inscrição no CADIN.
É possível defender que em tais situações se encontraria configurada uma verdadeira inexigibilidade de conduta diversa por parte do Administrador.
Diante da presença de tais circunstâncias, cabe ao ordenador da despesa decidir quanto às justificativas apresentadas e eventual autorização para contratação, podendo o mesmo consultar a PGM em caso de dúvida, nos termos da Portaria Conjunta SNJ/PGM no 06/13.
É importante registrar, assim, que a competência - e a responsabilidade dela decorrente - pela decisão de contratação a despeito da existência de inscrição no CADIN, bem como decisão de efetuar o pagamento devido, é do ordenador da despesa, ainda que consultada a Assessoria Jurídica da Pasta ou a PGM.
Não é demais lembrar que se trata de situações excepcionais, em que as contratações eventualmente são autorizadas em contrariedade a texto expresso de lei. Logo, eventual decisão nesse sentido envolve Juízo da autoridade competente acerca de não haver, no caso concreto, conduta outra que possa ser tomada pelo Administrador senão a contratação, por razões de elevado interesse público.
Assim sendo, fica claro que não cabe a esta PGM analisar de forma originária a possibilidade de mitigar ou não os efeitos previstos na Lei 14.095/05, mas sim enfrentar eventuais dúvidas jurídicas que apareçam no âmbito das Pastas de origem a respeito do assunto.
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Portanto, em resposta aos quesitos que nos foram formulados na presente consulta:
a) A contratação dos Correios, para a prestação de serviços postais (artigo 7° da Lei Federal n° 6538/78), pode ser enquadrada no artigo 24, inciso VIII, da Lei Federal n° 8.666/93, exceto quanto aos serviços sujeitos à exclusividade de prestação (artigo 9° da Lei Federal n° 6538/78); diante da presença de certas especificidades, como a demonstração de notório benefício à Administração Municipal e a natureza jurídica do ente estatal, a autoridade competente, caso entenda ser o caso, poderá delas se valer para justificar a eventual mitigação da exigência do artigo 3° da Lei Municipal n° 14.094/05, a qual sempre se dará concretamente e em caráter excepcional.
b) A contratação dos Correios só poderá ser enquadrada no artigo 25, caput, da Lei Federal n° 8.666/93 se os serviços postais a serem contratados forem os sujeitos à exclusividade de prestação (artigo 9° da Lei Federal n° 6538/78).
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São Paulo, 07/07/2017.
FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP n° 255.898
PGM
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De acordo.
São Paulo, 07/07/2017.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP n° 175.186
PGM
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Processo SEI n° 6011.2017/0000189-9
Cont. da Informação nº 959/2017–PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral do Município
Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido da possibilidade de contratação direta dos Correios por dispensa de licitação, nos termos do artigo 24, VIII, da Lei Federal nº 8.666/93, e, diante da presença de certas especificidades, da possibilidade de mitigação, a critério da autoridade competente, dos efeitos da vedação decorrente da inscrição no CADIN.
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São Paulo, 12/07/2017.
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP nº 195.910
PGM
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Processo SEI n° 6011.2017/0000189-9
Cont. da Informação nº 959/2017–PGM.AJC
SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL - SGM
Senhor Secretário
À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido da possibilidade de contratação direta dos Correios por dispensa de licitação, nos termos do artigo 24, VIII, da Lei Federal nº 8.666/93, e, diante da presença de certas especificidades, da possibilidade de mitigação, a critério da autoridade competente, dos efeitos da vedação decorrente da inscrição no CADIN, devolvo o presente para ciência e adoção das providências que julgar pertinentes.
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São Paulo, 18/07/2017.
Ricardo Ferrari Nogueira
Procurador Geral do Município
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo