TID 15587128
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE LICENCIAMENTO
ASSUNTO: Aplicação de legislação urbanística em pedidos de alvará de edificação.
Informação n. 1236/2016-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe
O presente foi iniciado pelo Gabinete de SEL em vista da notícia de inquérito administrativo no qual foram questionados os critérios adotados em procedimentos de licenciamento edilício, no que se refere à aplicação da legislação urbanística municipal. Tendo em vista que tais critérios vêm sendo utilizados há muito tempo por aquela Secretaria, eventual entendimento contrário a respeito poderia levar à irregularidade de vários empreendimentos já aprovados, trazendo também intranquilidade para os servidores da Pasta na aplicação da legislação. Por isso, solicitou-se de SEL ATAJ a análise jurídica de tais temas (fls. 1).
SEL-ATAJ, então, instruiu o expediente com cópia dos autos do referido inquérito administrativo, no qual, apesar dos questionamentos referidos, o servidor veio a ser absolvido, tendo em vista, sobretudo, a ausência de responsabilidade direta pelos atos praticados (fls. 2/66). Juntou também cópia de relatório do grupo de trabalho constituído no âmbito daquela Secretaria para avaliação das conclusões alcançadas na sindicância instaurada para apurar irregularidades no licenciamento do Shopping Vila Olímpia (fls. 68/111), relatório que rechaçou as ilegalidades apontadas e foi acolhido pela Titular da Pasta (fls. 112/114). Por fim, manifestou-se SEL-ATAJ pela improcedência dos questionamentos referidos, destacando: a) a viabilidade de anexação de lote em projeto modificativo, inclusive no regime da Operação Urbana Consorciada Faria Lima; b) a observância dos índices urbanísticos no lote original do empreendimento considerado; c) a correção do critério para fixação da largura mínima a ser exigida na Rua Fidêncio Ramos; d) a inexistência de irregularidade nas novas aberturas para tal via, consideradas saídas de emergência; e) a desnecessidade de demarcação de vagas adicionais em decorrência da alteração do projeto, tendo em vista que já estavam previstas vagas acima do exigido para a área do empreendimento. Todavia, tendo em vista o conflito entre tal entendimento e aqueles que foram adotados na comissão processante, sugeriu-se o encaminhamento à Procuradoria Geral do Município para manifestação quanto a qual posicionamento deve prevalecer.
É o breve relatório.
Não há como menosprezar a complexidade do caso. Não bastasse a própria sofisticação da matéria envolvida, que decerto não pode ser tida como das mais acessíveis, o fato é que se confrontam, no caso, acuradas análises técnicas, ambas sob a valorosa condução de Procuradores do Município. De uma parte, a avaliação feita pela Comissão Especial, com base em alentada instrução e oitiva de especialistas; de outra parte, a sustentação efetuada por grupo de trabalho específico, constituído por alguns dos mais experientes integrantes do corpo técnico municipal. Isso tudo diante de um cenário que pode trazer repercussões não somente para o caso considerado, mas para outros similares, alcançando, ainda, a esfera jurídica de terceiros, como servidores, empreendedores e adquirentes.
Sem embargo, até mesmo tendo de vista a competência para dar orientação jurídica aos diversos órgãos municipais, cabe à PGM pronunciar-se a respeito. Vale notar, a propósito, a inteira correção do procedimento adotado por SEL-ATAJ, órgão vinculado institucionalmente à PGM e integrado por Procuradores de carreira, responsável por dar a orientação jurídica cotidiana às atividades da Pasta e que pode, conforme o caso, submeter consultas à PGM sobre questões específicas, seja diante de conflitos com outros órgãos, seja diante da complexidade da matéria envolvida. Convém ressaltar, ademais, a postura adotada pela Assessoria, que se posicionou claramente - aliás, com um comprometimento admirável - em relação a cada um dos pontos previamente à remessa do expediente à PGM, efetivando, à perfeição, o procedimento de consulta em matéria edilícia descrito na Informação n. 227/2016 - PGM-AJC.
No mérito, a despeito da zelosa e criteriosa análise efetuada pela Comissão Especial, não parece possível acompanhar suas conclusões.
Anexação de lotes em projetos modificativos. Quanto à anexação de lotes em projetos modificativos, inclusive no âmbito da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, a própria comissão acabou por entender que o entendimento adotado pelo órgão licenciador seria aceitável (fls. 29), trazendo até mesmo argumentos que esclarecem o complexo regime existente na matéria, que envolve a necessidade de compatibilização de um licenciamento ulterior com a possibilidade de um projeto modificativo. No entender da comissão, a questão não comportaria uma única e peremptória solução (fls. 32).
De todo modo, tendo em vista os propósitos que nortearam a consulta ora respondida, talvez não seja possível deixar de avaliar se a alternativa adotada realmente constitui a melhor solução jurídica para a questão, inclusive para aplicação nos casos em que a questão ainda poderá vir a surgir.
Em verdade, a solução adotada por SEL realmente constitui a melhor forma de compatibilizar o projeto modificativo com os direitos subjetivos decorrentes da concessão de uma licença já expedida. De fato, os órgãos de licenciamento edilício construíram um método racional, que possibilita considerar em separado as áreas dos lotes originais e dos anexados, de tal forma a permitir que os distintos regimes incidam em cada lote, levando, assim, a uma composição entre essas diferentes regulações.
A rigor, a a lei poderia - sem incorrer em inconstitucionalidade alguma e sem ensejar indenização em favor do proprietário - ter simplesmente vedado os projetos modificativos, limitando-se o reconhecimento de direitos adquiridos às licenças já expedidas, em seus respectivos termos. No entanto, o parágrafo único do art. 243 da Lei n. 13.885/04 previu expressamente a possibilidade de incorporação de novos lotes, tornando necessária uma compreensão a respeito, inclusive no tocante à operacionalização do preceito.
É o texto do preceito:
Art. 243. Nos projetos de edificação com licenças expedidas nos termos da legislação vigente anteriormente à data de entrada em vigor desta lei, na aprovação de projetos modificativos de acordo com a Lei n° 11.228, de 25.06.92, e complementações introduzidas por legislação subseqüente, não serão admitidas:
I. a incorporação de novos lotes, aumentando a área de terreno do projeto;
II. qualquer alteração que implique desconformidade do projeto com relação ao estatuído na presente lei.
Parágrafo único. A incorporação de novos lotes poderá ser admitida desde que para a área correspondente ao acréscimo seja aplicado o coeficiente de aproveitamento básico, que só poderá ser ultrapassado através de outorga onerosa do direito de construir, nos termos do PDE e desta lei.
A incorporação, que pode ser entendida a ação correspondente a adicionar algo novo a determinado ser ou corpo, conjunto ou realidade (Aulete), implica, de certo modo, a preservação do objeto anterior. Houvesse simplesmente a constituição de um novo objeto, não somente deixaria de estar justificado o uso do vocábulo, como a disposição seria inócua: sendo simplesmente o caso de submeter todo o corpo à nova legislação, não haveria necessidade de preceito transitório. Portanto, fica claro que o preceito em questão existe apenas para preservar os atributos do objeto original - a licença ao qual agora é adicionado algo novo - o lote remembrado.
De outra parte, o preceito não chegou a ampliar a ultratividade da legislação revogada, como ocorreria, por exemplo, caso tivesse sido prevista a aplicação desta a todo o terreno resultante do remembramento. Limitou-se a lei a prever a possibilidade de tal incorporação, o que certamente não afasta a aplicação da nova lei ao lote incluído. Nesse sentido, a lei até mesmo previu expressamente que a área acrescida - somente ela - estaria sujeita ao coeficiente de aproveitamento básico. Não há dúvida, portanto, de que a lei não somente possibilita, mas exige a combinação de ambos os regimes.
A referência destacada ao potencial básico faz sentido em um cenário de implantação de desdobramento dos diversos conceitos de coeficiente de aproveitamento, próprio da Lei n. 13885/04, tendo sido efetuada, ao que parece, por uma espécie de zelo do legislador - ainda que a disposição não fosse propriamente necessária, porquanto o aproveitamento a ser adotado não poderia ser outro que não aquele ordinariamente adotado pela regulação urbanística. No tocante à taxa de ocupação, pois, a única solução possível seria realmente fazer cumprir o parâmetro da nova lei em relação ao lote acrescido, que serviu como ponto de partida para a adesão à operação urbana consorciada, realizada nos termos do regime específico ali incidente.
Conclui-se, assim, não haveria melhor solução que aquela adotada pelos órgãos licenciadores, ou seja, a possibilidade de anexação de lotes após a aprovação do projeto original e consideração em separado dos lotes objeto do licenciamento original e do projeto modificativo, no qual a taxa de ocupação exigida pela nova lei serviu de referência inicial para adesão à operação urbana consorciada.
Área mínima para adesão à operação urbana consorciada. Da mesma forma, não se pode afirmar que os lotes anexados teriam de possuir a área mínima definida na operação urbana consorciada para adesão ao seu regime. De fato, a aplicação em separado dos critérios, feita tão somente pela necessidade de preservar direitos protegidos pela lei, não descaracteriza o todo resultante do empreendimento, o qual constitui o resultado prático da intervenção e serve de referência para o atendimento das diretrizes urbanísticas. Nesse sentido, o plano da operação urbana pretende o remembramento de lotes e a outorga de benefícios para os lotes que apresentem certas dimensões mínimas, que são atendidas pela totalidade do empreendimento.
Alteração de índices no lote original. De outra parte, não há dúvida de que não poderia haver a alteração dos índices urbanísticos no lote original, como bem observado pela Comissão Processante, até mesmo com base no interrogatório do indiciado (fls. 35). A esse respeito, verifica-se, em verdade, uma diferença de interpretação entre SEL e a Comissão Especial no tocante à leitura das plantas: para o órgão licenciador, nenhuma alteração de índices houve no lote original, ao passo que, para a Comissão Processante, tal modificação ocorreu (fls. 36).
Segundo a Comissão Especial, teria havido "a ocupação dos recuos lateral e dos fundos anteriormente existentes entre o edifício e suas divisas confrontantes com o lote anexado" (fls. 36), o que levaria ao aumento da taxa de ocupação no lote original. Como essa área foi repetida nos pavimentos superiores, teria ocorrido também majoração do coeficiente de aproveitamento (fls. 37). Por isso, o tipo objetivo do ilícito teria sido realizado (fls. 41). De acordo com SEL, ao contrário, a ocupação de área antes destinada a recuos foi compensada com o remanejamento de outras porções da edificação, com o aumento da área de teatro, alteração e reposicionamento de vazios e leve deslocamento do perímetro externo da edificação, o que levou à observância dos mesmos índices urbanísticos do projeto original (fls. 118).
Não cabe a esta Procuradoria Geral infirmar o entendimento de SEL sobre como devem ser lidas tecnicamente as plantas destinadas ao licenciamento edilício. SEL não nega a ocupação de recuos asseverada pela Comissão Processante; apenas afirma que isso foi objeto de uma compensação com outras áreas. Eventualmente, poderia haver uma crítica das áreas computáveis e não computáveis, caso isso fosse passível de algum escrutínio sob uma perspectiva jurídica; no entanto, na ausência de tal crítica, o que aqui se discute é a mera apuração das áreas envolvidas, a qual se mostra necessária para a aferição da taxa de ocupação e do coeficiente de aproveitamento.
Na verdade, a identificação de áreas computáveis e não computáveis constitui verificação inerente à atividade de análise dos projetos de edificações, a qual é executada rotineiramente pelos órgãos competentes, sob sua inteira responsabilidade. Nessa perspectiva, é manifesto que se deu uma grande mobilização dos técnicos de SEL em virtude da constituição do Grupo de Trabalho constituído pela Portaria n. 21/SEL.G/2015, não havendo motivos de ordem jurídica para concluir que a contagem das áreas, por parte de um amplo conjunto de servidores daquela Pasta, pudesse ter ocorrido de modo errôneo.
De outra parte, eventual implantação em desconformidade com a leitura feita por SEL não seria capaz de levar à invalidade da licença expedida. Com efeito, o licenciamento proporciona uma manifestação, por parte do Poder Público, quanto à licitude do exercício de uma atividade de acordo com determinadas condições. No caso em exame, a atividade - ou seja, a implantação no lote original - somente pode ser considerada lícita caso tenha ocorrido de acordo com a interpretação dada por SEL. Caso isso não tenha ocorrido, não terá sido em decorrência de um alvará irregular, mas de uma interpretação incompatível com a do órgão licenciador, sendo o caso, pois, de investir não contra o alvará, mas contra a própria implantação. Assim sendo, em relação a tal ponto, poderia ser sugerida a elaboração de vistoria, a fim de verificar se as condições estabelecidas no licenciamento -devidamente interpretado - foram observadas.
A largura da via Fidêncio Ramos. A questão da margem de diferença na apuração da largura da via, nos termos da Lei n. 10.015/85, tampouco revela uma irregularidade na conduta do órgão licenciador. De fato, a aprovação do empreendimento em via com largura de 11,40 metros, quando a exigência legal era de 12 metros, não pode ser entendida como uma violação aos termos do dispositivo que confere a possibilidade de tal imprecisão.
Com efeito, dispõe o § 3o do art. 12 da Lei n. 10.015/88:
"Serão admitidas pequenas irregularidades devidas à imprecisão de execução de muros de alinhamento, até uma variação de 5%, no máximo, entre a largura efetivamente existente no local e aquela exigida para a implantação do uso pretendido".
O texto, à evidência, não proporciona uma tarefa simples para o intérprete. De início, o polissêmico vocábulo variação enseja percalços. De fato, não se trata aí propriamente de considerar a modificação de um atributo de um mesmo objeto - como se fala, por exemplo, em variação do valor de uma mercadoria, da temperatura ambiente ou até mesmo do humor de alguém. No caso, trata-se de uma comparação entre objetos distintos - a largura real no local e a exigida pela lei -, que não se refere, pois, a uma espécie de inconstância, mas a uma diferença. Observe-se, a propósito, que a questão não é a variação em si, como ação ou resultado de variar, mas uma medida obtida na comparação de duas grandezas.
De outra parte, a diferença entre duas grandezas lineares -a largura efetivamente existente no local e a exigida para a implantação do uso pretendido -, que deveria também ser, por definição, uma grandeza linear - por exemplo, em metros -, acaba por estar limitada a um parâmetro fixado em percentual, ou seja, a uma relação - o que parece justificar o uso, ainda que infeliz, do vocábulo variação. Nesse sentido, seria intuitivo pensar que tal relação se apurasse por meio de uma composição entre as medidas lineares referidas: para tanto, duas relações numéricas parecem fazer sentido, ambas tendo como numerador de uma fração a diferença em medidas lineares, uma delas tendo como denominador a medida existente no local e a outra, a largura a exigida para a implantação do uso pretendido.
No caso dos autos, a diferença linear seria de 0,6m, gerando uma fração de 5% caso adotada como denominador a largura exigida para a instalação do uso pretendido (12m) e uma proporção de 5,26% caso adotada como denominador a largura da via (11,40m). No primeiro caso, a diferença estaria dentro da margem admitida pela lei; no segundo, a proporção ultrapassaria o parâmetro legal.
Como se vê, portanto, a opção por uma das duas exegeses exige uma integração interpretativa que está longe de decorrer objetivamente da literalidade do preceito. A rigor, trata-se de norma bastante imperfeita, a qual exige, para sua interpretação, a opção por uma das soluções acima adotadas, que consistem em deduzir ou pressupor a existência de uma fração e definir, entre dois possíveis valores, qual seria seu denominador. Diante desse cenário, não parece possível entender uma das soluções como "inusitada" (fls. 1) e a outra como "pervertida" (fls. 47).
A escolha por um desses dois denominadores para a fração considerada, na verdade, não pode ser definida segundo critérios puramente jurídicos. De fato, se seria possível afirmar, de um lado, que odiosa sunt restringenda, de modo que a lei deveria ser interpretada em favor da liberdade - no caso, a edificabilidade -, seria também possível afirmar, de outro lado, que exceptio est strictissimae interpretationis.
Sendo ambas as soluções juridicamente admissíveis e tendo em vista que há uma preocupação por parte de SEL em orientar os trabalhos futuros, seria recomendável a submissão do assunto à Câmara Técnica de Legislação Urbanística, competente para solucionar questões técnicas surgidas na aplicação da legislação de uso e ocupação do solo (art. 157 da Lei n. 16.402/16), até mesmo porque disposição semelhante - e com a mesma imprecisão - persiste na atual legislação de uso e ocupação do solo (art. 112, § 7o da mesma lei).
De todo modo, ainda que a norma em questão possa receber interpretação diversa, isso não importaria em invalidação dos atos praticados com base na exegese anterior. Primeiro, porque a definição seria dada em virtude de uma espécie - talvez imperfeita - de discricionariedade técnica, que decorre do art. 157 da Lei n. 16.402/16, e não por conta de uma falha jurídica do posicionamento precedente, pois, como visto, as duas interpretações são juridicamente aceitáveis. Segundo, porque, mesmo que houvesse mudança de entendimento jurídico por parte da Administração, ele realmente só poderia ter efeitos ex nunc, ou seja, poderia valer apenas para os casos futuros, não alcançando os atos já praticados com base na exegese outrora vigente.
Tal é a posição da melhor doutrina, que reconhece, entre as consequências do princípio da segurança jurídica, o "impedimento de aplicação da nova interpretação a situações pretéritas"1. É também o entendimento desta PGM, que já reconheceu, em vários casos, a impossibilidade de aplicação retroativa da nova interpretação jurídica (cf. Informações n. 206/2011, n. 370/2012 e n. 872/2014 -PGM.AJC).
Acessos para a Rua Fidêncio Ramos. No tocante aos acessos à rua Fidêncio Ramos, tampouco parece haver divergência entre a Comissão Processante e SEL quanto à impossibilidade de que o projeto modificativo ensejasse um agravamento da desconformidade em relação à então nova legislação. Não há, portanto, a esse respeito, questão jurídica a ser solucionada.
Sem embargo, parece necessário discutir quais as possíveis implicações do desacordo entre os órgãos, sobretudo em relação à validade dos atos praticados. De fato, a Comissão Processante afirma que o projeto ampliou os acessos à Rua Fidêncio Ramos, o que seria facilmente constatável mediante um rápido passar de olhos sobre as respectivas plantas. Segundo se entendeu, no projeto original, as saídas das escadas 1, 2, 3, 4, 5 e 6 davam acesso a uma área murada do lote, ao passo que, no projeto modificativo, tais escadas passaram a ligar o edifício diretamente com o passeio público (fls. 50 e 52). Já SEL afirma que as linhas paralelas constantes da aprovação original não indicam a existência de muro, podendo ser uma pequena mureta de contenção de terra do jardim projetado, pois, caso se tratasse de muro, este estaria necessariamente indicado por escrito e com indicação de sua altura. Isso teria sentido, ademais, porquanto as saídas de emergência precisariam realmente ter acesso à via pública e não a obstáculos. Além disso, em razão das respectivas barras antipânico, as portas de saída podem ser abertas somente de dentro para fora (fls. 120).
Sob este aspecto, tampouco parece possível discutir, sob uma perspectiva estritamente jurídica, a avaliação feita por SEL em sua esfera de competência. Dessa sorte, se o órgão de licenciamento informa que a planta aprovada anterior não continha um muro que fechasse a saída de emergência, levando em conta os padrões habitualmente utilizados em tais elementos gráficos, não há motivo para infirmar tal assertiva, sobretudo diante de uma justificativa plausível - a necessidade de ligação direta entre a escada de emergência e o logradouro. Por outro lado, não parece possível afirmar que o projeto modificativo teria agravado uma desconformidade quanto ao acesso à edificação se tais aberturas não constituem, como afirmado, uma forma de acesso, pois rião seria possível, por meio delas, ingressar no prédio em questão.
Vagas decorrentes de áreas acrescidas. Quanto ao número de vagas de garagem correspondente às áreas acrescidas, destinadas a teatro e cinema, deve também prevalecer a interpretação dada por SEL. Com efeito, há dois parâmetros mínimos de vagas: um, que é definido pela legislação urbanística, de acordo com as proporções da área construída; e outro, que é definido por SMT, tendo por referência os impactos sobre o trânsito. Sendo ambos exigíveis, acaba por ser necessário, na prática, observar o maior deles.
No caso dos autos, o aumento da área relativa ao teatro não ensejou aumento do aproveitamento considerado pela lei, tendo em vista ser a área considerada não computável nos termos da legislação então aplicável (Lei n. 11.536/94). No entanto, o acréscimo de vagas se fez necessário em decorrência da Resolução CNLU 119/99, que regulou a matéria. De todo modo, o aumento verificado em razão do projeto modificativo trouxe repercussões apenas em relação ao primeiro parâmetro mencionado, qual seja, o número de vagas exigido nos termos das normas de uso e ocupação do solo. Tal aumento, contudo, acabou por ser inócuo, pois, mesmo majorado, tal parâmetro continuou a ser inferior ao fixado por SMT.
De outra parte, esse aumento de área construída não gerou alteração no segundo parâmetro, fixado por SMT, uma vez que isso só aconteceria caso a alteração de área tivesse sido superior a 5% do número de vagas já aceito por aquela Secretaria (cf. item 4.D.4 do Decreto n. 32.329/92). Assim sendo, realmente não existia razão para rever o número mínimo de vagas exigido do empreendimento, não havendo, assim, sob tal aspecto, fundamento jurídico para questionar o licenciamento efetuado.
As diferentes atividades de controle interno. Por fim, convém observar que as preocupações lançadas por SEL se tornaram ainda mais prementes com a edição do Decreto 57.263/16, que assim dispõe:
Art. 5° As atividades de consultoria jurídica orientam o controle interno da legalidade dos atos da Administração, a defesa do erário e do interesse público definido pelas leis vigentes e serão exercidas peia Procuradoria Geral do Município e pelas assessorias jurídicas dos órgãos do Poder Executivo, bem como das autarquias e fundações.
Parágrafo único. Os Procuradores do Município exercem privativamente as atividades de consultoria e, nos termos da lei, o assessoramento jurídico do Poder Executivo, autarquias e fundações, bem como nos casos de interesse geral da Administração Pública Municipal.
Entre as atividades de controle interno referidas pelo caput do dispositivo estão tanto os procedimentos disciplinares - neste caso, a cargo de PROCED - quanto a fiscalização hierárquica - neste caso, atribuída ao Titular de SEL. Sendo uma determinada questão jurídica comum a ambos os controles, tudo recomenda que ela seja tratada do mesmo modo em ambas as esferas, pois a orientação da Procuradoria Geral do Município deve ser uma só.
Nesse sentido, iniciativas meritórias como a constituição da comissão especial de sindicância, em PROCED, com a participação de técnicos gabaritados, bem como a criação de um grupo de trabalho, no âmbito de SEL, para análise de critérios adotados no licenciamento edilício, devem ser harmonizadas, sob o ponto de vista da orientação jurídica, pela Procuradoria Geral do Município. Concluindo-se que o órgão licenciador vem dando às normas legais interpretação adequada, tal entendimento deve ser seguido nos futuros procedimentos disciplinares que cuidem da matéria. Entendendo-se que a atuação disciplinar revelou, de modo procedente, alguma imperfeição jurídica nas atividades de licenciamento, estas deverão conformar-se à orientação adotada por parte da PGM.
É preciso, outrossim, adotar certas cautelas em relação a essa uniformização de entendimentos.
De uma parte, será sempre necessário avaliar os efeitos de uma determinada análise jurídica que condicione a atuação dos órgãos licenciadores, de modo a identificar se houve a apuração de uma ilegalidade na atuação pretérita ou se está sendo dada orientação no sentido de uma mudança de interpretação, embora fosse aceitável a exegese anterior. No primeiro caso, será preciso invalidar os atos praticados, o que exige, salvo melhor juízo, a oportunidade de apresentação de defesa pelos interessados e a apuração das responsabilidades envolvidas. No segundo caso - que tende a ser a regra, por exemplo, nos casos em que a Pasta seguiu a orientação expressamente dada pela sua Assessoria Jurídica, como órgão descentralizado de consultoria jurídica vinculado institucionalmente à PGM -, será o caso apenas de adotar a nova interpretação em caráter ex nunc, ou seja, para os casos futuros, sem que sejam atingidos os atos já praticados, conforme apontado anteriormente.
De outra parte, parece recomendável, no cenário normativo atual, que uma conclusão quanto ao entendimento jurídico unificado a ser adotado em procedimentos edilícios e disciplinares ocorra o quanto antes, sobretudo porque tal aspecto interfere seriamente com a esfera dos servidores envolvidos. De fato, se cabe à PGM dar a orientação jurídica que alcançará os procedimentos disciplinares e havendo condições para que tal análise abstrata seja feita desde logo, não há razão para submeter o servidor à continuidade de uma ação disciplinar que dependa estritamente da apuração de uma possível ilegalidade objeto de tal análise. Vale notar, a propósito, que a discussão da matéria em questão pode dar-se no âmbito de expedientes administrativos, com pareceres das diferentes áreas, bem como em comissões e grupos de trabalho, até mesmo constituídos ad hoc, não sendo indispensável que a apresentação de determinados pontos de vista seja efetuada pelo próprio servidor em um procedimento disciplinar.
Por fim, é preciso enfatizar que eventual conclusão pela adoção ex nunc de um determinado entendimento, em nome da segurança jurídica, tendo em vista a razoabilidade do posicionamento anterior, implica, salvo melhor juízo, não somente a preservação dos atos administrativos praticados, mas a própria inatacabilidade da conduta do servidor, sob a perspectiva disciplinar, em razão da adoção de interpretação tida agora como superada em função de uma análise mais acurada, por parte da PGM, de uma matéria controvertida.
Ante o exposto, tendo em vista que a análise ora efetuada revela a inexistência de ilegalidade, por parte de SEL, no que se refere às questões suscitadas, sugere-se, em sendo acolhido este entendimento, seja o presente remetido àquela Pasta e, posteriormente, a PROCED, para ciência de tal posicionamento, que deve, nos termos recente do regulamento citado, servir como orientação da atuação da Municipalidade, seja nos procedimentos de licenciamento edilício, seja nos procedimentos de controle interno da Administração, inclusive os de caráter disciplinar.
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São Paulo, 29/09/2016.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
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De acordo.
São Paulo, 29/09/2016.
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE SUBSTITUTO - AJC
OAB/SP 227.775
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1 Cf. Medauar, Odete. Direito administrativo moderno, 18a ed. São Paulo: RT, 2014, p. 152.
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INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE LICENCIAMENTO
ASSUNTO: Aplicação de legislação urbanística em pedidos de alvará de edificação
Cont. da Informação n. 1236/2016-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que acolho, no sentido de que, quanto às questões jurídicas submetidas por SEL a esta Procuradoria Geral do Município, deverá prevalecer o entendimento adotado por aquela Pasta, sugerindo-se seja tal conclusão adotada como orientação jurídica tanto para os procedimentos de licenciamento edilício quanto para os de caráter disciplinar.
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São Paulo, 07/10/2016.
ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP n° 162.363
PGM
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INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE LICENCIAMENTO
ASSUNTO: Aplicação de legislação urbanística em pedidos de alvará de edificação
Cont. da Informação n. 1236/2016-PGM.AJC
SEL
Senhora Secretária
De acordo com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, encaminho-lhe o presente, para ciência das conclusões alcançadas, que acolheram o posicionamento dessa Pasta quanto à matéria controvertida deduzida.
Em seguida, solicita-se o retorno do presente a esta Procuradoria Geral, a fim de que seja encaminhado para ciência de PROCED, que deverá observar a orientação jurídica ora adotada nos procedimentos disciplinares pendentes e futuros.
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São Paulo, 07/10/2016
ROBINSON SAKlYAMA BARREIRINHAS
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 173.527
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo