CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.690 de 28 de Setembro de 2016

EMENTA N° 11.690
Servidor público. União estável. Licença gala. Artigo 64, II, da Lei Municipal n° 8.989/79 - Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo. Texto normativo municipal no qual consta apenas a expressão "casamento". Princípio da interpretação conforme à Constituição. Artigo 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988 não só previu a união estável como entidade familiar como ainda determinou sua proteção pelo Estado. Possibilidade de concessão de licença gala a servidor municipal em virtude de união estável.

TID 15168332

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL - SMADS

ASSUNTO: Solicitação de licença gala por motivo de celebração de Escritura Pública de Declaração de União Estável.

Informação n° 1229/2016-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Sr. Coordenador Geral do Consultivo

Trata-se de ofício encaminhado pela Coordenadoria de Gestão de Pessoas da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social - SMADS/CGP à Assessoria Jurídica da mesma Pasta - SMADS/AJ, no qual sua Coordenadora Geral submete àquele órgão o seu entendimento no sentido da possibilidade de deferimento de licença gala diante da lavratura de "escritura pública de declaração de união estável", não obstante a ausência de previsão expressa no artigo 64, inciso II, do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, Lei Municipal n° 8.989/791.

Ao apreciar tal consulta, SMADS/AJ acompanhou o entendimento de SMADS/CGP pelos seguintes motivos: (a) ao tratar da licença nojo, o Estatuto dos Funcionários deste Município já equiparou a união estável ao casamento; (b) a diferenciação entre casamento e união estável ofende o princípio da isonomia e contraria o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal federal - STF; (c) o conceito de família tem sido compreendido de modo cada vez mais amplo, de modo a abranger os mais diversos tipos de núcleos familiares.

Encaminhado à Coordenadoria Jurídica da Secretaria Municipal de Gestão - SMG/COJUR, a Assessoria Técnico-Jurídica daquela Pasta - SMG/ATEG providenciou a juntada de diversos documentos: (i) Parecer nº 15.848/12 da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, no qual, em situação análoga à presente, admitiu o gozo de tal benefício, tendo em vista os artigos 226, § 3º, da Constituição Federal - CF e 1.723 do Código Civil - CC; (ii) notícia da decisão do Conselho da Justiça Federal que concedeu licença gala a servidor que apresentou certidão de união estável lavrada em cartório, fundamentada nos citados dispositivos legais e no entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre tal questão; (iii) Parecer desta Assessoria Jurídico-Consultiva - AJC, ementado sob o nº 10.755, no qual se entendeu inviável a concessão de licença gala por se tratar de institutos diversos; e (iv) Parecer desta AJC, ementado sob o n° 11.635, cuja conclusão foi no sentido da possibilidade de alteração do inciso II do artigo 64 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo para inclusão da união estável como fato ensejador da concessão da licença gala.

A SMG/ATEG, compartilhando do entendimento da SMADS/AJ, considerou que a expressão "casamento" da lei Municipal nº 8.989/79 deve ser interpretada conforme a Constituição Federal, significando o ato de constituição de família. Assim sendo, propôs a alteração da Portaria 79/07-SMG, conforme minuta juntada a este expediente.

É o que nos cabe relatar.

A questão suscitada neste expediente diz respeito à interpretação do inciso II do artigo 64 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, Lei Municipal nº 8.989/79, pois se trata de identificar o alcance da expressão "casamento", se se restringe ao ato solene que origina o vínculo matrimonial ou se se refere à constituição de família, considerada em sentido amplo, independente do modo pelo qual se dá tal formação.

Esta Assessoria entendia que aquele dispositivo deveria ser interpretado de maneira restrita, pois, não obstante o reconhecimento da possibilidade de se constituir um núcleo familiar tanto através do casamento quanto por meio da união estável, considerava se tratar de hipóteses distintas, com regras e características próprias, razão pela qual o Estatuto dos Funcionários Públicos deste Município teria assegurado a licença gala apenas no caso da celebração de casamento civil ou religioso2.

Posteriormente, considerando a orientação firmada pelo STF na ADI 4.277/DF, esta Assessoria alterou seu entendimento quanto à possibilidade, em abstrato, de concessão de licença gala na hipótese de união estável e passou a considerar adequada a alteração da Lei Municipal nº 8.989/79 para sua inclusão no inciso II do seu artigo 64.

Apesar de interdependentes, trata-se de questão diversa da analisada naquela oportunidade, pois não se está examinando a possibilidade em abstrato de concessão de licença gala em casos de união estável, mas sim a alteração da interpretação até agora dada ao dispositivo da legislação municipal3.

Assim considerada a questão sob exame, precisas as manifestações da SMADS/AJ e SMG/ATEG ao indicarem que a solução passa por uma interpretação conforme à Constituição do inciso II do artigo 64 da citada Lei.

Diversos métodos de interpretação se colocam à disposição do intérprete ao se deparar com certo dispositivo da legislação infraconstitucional, mas, ao adotá-los, deverá sempre considerar a interpretação que mais se aproxime ao texto constitucional.

Como nos ensina Joaquim Gomes Canotilho, o princípio da interpretação conforme à Constituição (princípio geral de interpretação) "é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei. Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de conservação de normas"4.

Em outras palavras, dada a prevalência da Constituição, a interpretação jurídica deverá recorrer às normas constitucionais ao buscar a definição do sentido do texto normativo infraconstitucional, de modo a sempre identificar aquele que se mostra mais conforme àquelas normas.

A interpretação conforme à Constituição tem especial relevância nas hipóteses em que certo dispositivo oferece diferentes possibilidades de interpretação (normas plurissignificativas ou polissêmicas), sendo algumas incompatíveis com o texto constitucional. Em tais casos, deverá o intérprete adotar o sentido que se mostre mais adequado à Constituição, visando à conservação da norma infraconstitucional.

Apesar da conclusão alcançada por esta Assessoria anteriormente, é possível perceber que a interpretação que se mostra conforme à Constituição é justamente aquela que dá à expressão "casamento", contida no inciso II do artigo 64 do Estatuto, o sentido de constituição de família, igualando o tratamento dado ao casamento e à união estável.

O Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, Lei Municipal nº 8.989 de 1979, foi editado durante a vigência do texto constitucional de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional de 1969, o qual estabelecia que a família era constituída apenas pelo casamento5.

 A Constituição Federal de 1988, de modo diverso, estabeleceu a constituição da família não só pelo casamento como pela união estável, a qual deverá ser protegida pelo Estado6.

Ou seja, quando vigente a Constituição de 1967, só havia a constituição da família, ao menos juridicamente, através do casamento, situação que foi radicalmente alterada com a promulgação do texto de 1988, que não só previu a formação de núcleo familiar por meio da união estável, como ainda determinou ao Estado a sua proteção.

Ora, se sequer havia a figura da união estável quando da edição do Estatuto dos Funcionários do Município de São Paulo, pois o único meio de se constituir uma família, à época e em termos jurídicos, era o casamento, não acreditamos que o sentido da norma foi de excluir os companheiros dos beneficiários de tal direito; ao contrário, parece-nos que o dispositivo sempre disse respeito à constituição de família, prevendo a expressão "casamento" única e tão somente por ser a única forma juridicamente prevista para tal fim.

Por outro lado, não nos parece possível, diante deste cenário, considerar que os cônjuges têm mais direitos garantidos pelo Estado do que os companheiros, pois se estaria considerando a união estável uma entidade familiar de segunda classe ou inferior ao casamento, o que vai de encontro ao texto constitucional, além de afastar a proteção ali imposta ao Estado.

Deste modo, compartilhamos do entendimento da SMADS/AJ e SMG/ATEG, entendendo que, em respeito ao princípio da interpretação conforme à Constituição, a união estável está compreendida no inciso II do artigo 64 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, Lei Municipal nº 8.989/79, razão pela qual propomos a revisão do Parecer desta Assessoria ementado sob o nº 10.755. Quanto à minuta apresentada pela SMG/ATEG, diante da conclusão ora alcançada, não temos nada a opor à pretendida alteração da Portaria nº 79/07 - SMG.

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São Paulo, 28/09/2016.

FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP n° 255.898

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 29/09/2016.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE SUBSTITUTO - AJC

OAB/SP 227.775

PGM

 

1 Art. 64 - Serão considerados de efetivo exercício os dias em que o funcionário estiver afastado do serviço em virtude de:

(...)
II - casamento, até 8 (oito) dias.

2 Conforme Parecer ementado sob o nº 10.755 (Informação nº 517/2005 - PGM.AJC).

3 Na realidade, a questão que aqui se coloca é a mesma analisada no Parecer ementado sob o nº 10.755.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993, p 1112.
5 Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Podêres Públicos.

6 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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TID 15168332

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL - SMADS

ASSUNTO: Solicitação de licença gala por motivo de celebração de Escritura Pública de Declaração de União Estável.

Cont. da Informação n° 1229/2016-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral do Município

Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido da possibilidade de concessão de licença gala, com fundamento no artigo 64, inciso II, da Lei Municipal nº 8.989/79 (Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais), a servidor municipal em virtude de união estável, com a consequente revisão do entendimento contido no Parecer daquela Assessoria ementado sob o nº 10.755, ressaltando não haver nada a opor à pretendida alteração da Portaria nº 79/07 - SMG.

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São Paulo, 05/10/2016.

ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP nº 162.363

PGM

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TID 15168332

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL - SMADS

ASSUNTO: Solicitação de licença gala por motivo de celebração de Escritura Pública de Declaração de União Estável.

Cont. da Informação n° 1229/2016-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE GESTÃO

Senhor Secretário

À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido da possibilidade de concessão de licença gala, com fundamento no artigo 64, inciso II, da Lei Municipal nº 8.989/79 (Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais), a servidor municipal em virtude de união estável, com a consequente revisão do entendimento contido no Parecer daquela Assessoria ementado sob o nº 10.755, ressaltando não haver nada a opor à pretendida alteração da Portaria n° 79/07 - SMG, devolvo o presente para ciência e prosseguimento.

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São Paulo, 05/10/2016.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

Procurador Geral do Município

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo