CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.668 de 21 de Janeiro de 2015

EMENTA 11.668
O contrato verbal com a administração, à exceção daquele que tenha por objeto pequenas compras de pronto pagamento, feitas em regime de adiantamento, é nulo e, portanto, não gera efeitos. Tal nulidade, entretanto, não exime a Administração do dever legal e moral, e não contratual, de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data da declaração da nulidade ou pelos prejuízos efetivamente sofridos, caso a nulidade não possa ser-lhe imputável, ou seja, desde que as circunstâncias e demais peculiaridades do caso não demonstrem a má-fé do contratado ou que o mesmo tenha contribuído para consecução da invalidade contratual. O reconhecimento do dever de indenizar deverá ser apreciado, em cada caso, pela autoridade competente, nos termos do Decreto nº 44.891/04, sem prejuízo da necessária apuração da(s) eventual(is) responsabilidade(s) do(s) agente(s) que deram causa à nulidade contratual e à indenização decorrente.

 

2014-0.105.571-7

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

ASSUNTO: Apuração Preliminar. Contratação de grupo musical sem prévio empenho. Pagamento por indenização. Proposta de instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa.

Informação n°82/2015-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

O presente processo administrativo foi autuado para promoção de apuração preliminar, que, consoante se depreende do Relatório de Ocorrência de fl.02, tinha por escopo a "apuração de possível responsabilidade de servidor (indeterminado), em face de pagamento por serviços de apresentação musical do grupo vocal Terno das Damas evento realizado no dia 31/03/2011 no Shelton Inn hotel, por via de Indenização, especificamente da NF n°221, fls. 121 do p.a n° 2011-0.042.473-0".

Da leitura do p.a nº 2011-0.042.473-0, que este acompanha, verifica-se que a Secretaria Municipal de Participação e Parceria, por intermédio da Coordenadoria da Mulher, buscava a contratação do Grupo Musical Terno das Damas para apresentação durante o Seminário "Os Direitos da Mulher na Cidade de São Paulo", que seria realizado nos dias 30 e 31 de março de 2011.

Malgrado o não encerramento da instrução a tempo, mormente com o empenho subscrito pela autoridade competente, o aludido Grupo Musical acabou se apresentando por ocasião do Seminário "Os Direitos da Mulher na Cidade de São Paulo", no dia 31 de março de 2011.

Após justificativas e juntada de documentos pertinentes, foi autorizado pelo então Secretário Municipal de Participação e Parceria - SMPP o pagamento por indenização da apresentação realizada, com imediata determinação da apuração da responsabilidade pela contratação.

Finda a apuração, sobreveio o relatório de fls.67/70, elaborado pela Comissão incumbida da averiguação, propondo o prosseguimento das investigações, via sindicância.

A proposta foi acolhida pelo Senhor Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que determinou a remessa dos autos ao Departamento Disciplinar, para os fins do artigo 102, inciso III, letra "c" do decreto 43.233/03 (fl.71).

Não obstante o inconclusivo relatório apresentado pela Comissão de Apuração Preliminar, o Departamento de Procedimentos Disciplinares, considerando que o pagamento por indenização caracterizaria ilícito disciplinar e ato de improbidade administrativa, e tendo em vista que o então Secretário Municipal de Participação e Parceria, que autorizou o pagamento, não mais integra o quadro do funcionalismo municipal, propôs a instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa (vide fls.78/79).

São, em suma, os fatos relevantes a presente manifestação.

Extrai-se do posicionamento externado pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares que o pagamento por indenização caracterizaria, de per se, ilícito disciplinar e ato de improbidade administrativa.

Oportuno destacar que tal posição encontra respaldo em manifestação desta Assessoria Jurídico-Consultiva, proferida nos idos de 2004 nos autos do p.a 2003-0.230.742-3, concluindo pela impossibilidade de se autorizar o início da prestação de serviços antes da formalização da contratação que, "por ser nula de pleno direito, não surte efeito jurídico algum-nem mesmo o dever de indenizar, já que a contratante acendeu com a contratação verbal".

Com base no mencionado parecer, sobreveio a ementa nº 10.618, que reproduzimos:

"Prestação de serviços. Configuração de contrato verbal. Vedação legal expressa (artigo 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93). Boa fé não caracterizada ante a impossibilidade de alegação de desconhecimento da lei. Não caracterização dos pressupostos inerentes à indenização (ato lesivo, dano e nexo etimológico entre eles). Impossibilidade de pagamento por indenização".

Não obstante o respeito à posição de PROCED e ao parecer supracitado, tenho que o pagamento por indenização decorrente de contrato verbal não caracteriza, automaticamente, falta disciplinar e ato de improbidade administrativa, conforme pretendo demonstrar na exposição que segue.

Não se olvida que os contratos verbais com a administração são nulos e não geram efeitos, salvo para pequenas compras de pronto pagamento, sob o regime de adiantamento, hipótese excepcional que, à evidência, não se aplica ao caso dos autos.

Essa, aliás, a inteligência do artigo 60, parágrafo único, da Lei 8.666/93:

Art. 60.

Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

Também não se ignora que a nulidade do contrato gera efeitos ex tunc, impedindo as consequências que aquele ajuste ordinariamente produziria. É o que preconiza o artigo 59 da Lei 8.666/93:

Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Contudo, a mesma lei que qualifica como nulo e de nenhum efeito o contrato verbal, estabelece que tal nulidade não exonera a Administração Pública do dever de indenizar o contratado pelo que foi executado até a data da declaração ou pelos prejuízos regularmente comprovados, desde que a nulidade não lhe seja imputável.

Nesse sentido o disposto no artigo 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93:

Art. 59.

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

Vê-se que, não obstante nulo o contrato verbal, a Administração Pública não poderá, sob tal pretexto, deixar de efetuar o pagamento pelos comprovados prejuízos experimentados pelo contratado que não deu causa à nulidade.

Tal dever, muito além da imposição legal positivada no artigo 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93, decorre do princípio da moralidade ao qual se submete a Administração Pública, por determinação constitucional (artigo 37, caput, da Constituição Federal).

Corolário do primado da moralidade, o princípio que veda o enriquecimento sem causa obriga aquele que enriquecer injustamente à custa de outrem a restituir aquilo indevidamente auferiu.

Dispõe o artigo 884 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Não obstante positivada no Código Civil, a regra que veda o enriquecimento sem causa é reconhecida, pela doutrina e jurisprudência, como um princípio implícito do nosso ordenamento jurídico pátrio e, portanto, aplicável não só nas relações entre os particulares, mas também destes com o Poder Público.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo denominado "O Princípio do Enriquecimento Sem Causa em Direito Administrativo", publicado na Revista Eletrônica de Direito Administrativo Eletrônico, discorre, com o brilhantismo que lhe é peculiar, que constitui princípio geral de direito a regra que veda o enriquecimento sem causa.

Vejamos excerto daquele trabalho:1

"5. Enriquecimento sem causa é o incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que, para supeditar tal evento, exista uma causa juridicamente idônea. É perfeitamente assente que sua proscrição constitui-se em um princípio geral do direito".

Conclui Celso Antônio Bandeira de Mello que:

"Uma vez que o enriquecimento sem causa é um princípio geral do Direito  e, não apenas princípio alocado em um de seus braços: público ou privado evidentemente também se aplica ao direito administrativo".

Ainda nesse diapasão os ensinamentos de Marçal Justen Filho²:

"Mas existe solução específica no Direito brasileiro para o caso de contratações defeituosas. O legislador brasileiro efetivou opção clara pelas soluções compatíveis com um Estado Democrático de Direito. Além de todas as determinações atinentes à responsabilização civil do Estado, consagrou-se a disciplina específica do parágrafo único do art. 59 para a contratação administrativa inválida. Daí se segue que a invalidação, por nulidade absoluta, de qualquer ajuste de vontades entre a Administração e o particular gerará efeitos retroativos, mas isso não significará o puro e simples desfazimento de atos. Será imperioso produzir a compensação patrimonial para o particular, sendo-Ihe garantido o direito de haver tudo aquilo que pelo ajuste lhe fora assegurado e, ainda mais, a indenização por todos os prejuízos que houver sofrido".

Igualmente, a sempre atual lição de Hely Lopes Meirelles3:

"O Contrato administrativo nulo não gera direitos e obrigações entre as partes, porque a nulidade original impede a formação de qualquer vínculo eficaz entre os contratantes, só subsistindo suas conseqüências em relação ao terceiro de boa-fé. Todavia, mesmo no caso do contrato nulo ou de inexistência de contrato pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados para a Administração ou dos fornecimentos a ela feitos, não com fundamento em obrigação contratual, ausente na espécie, mas, sim, no dever moral e legal (art.59, parágrafo único) de indenizar o beneficio auferido pelo Estado, que não pode tirar proveito da atividade do particular sem o correspondente pagamento".

O dever da Administração Pública de indenizar o contratado pelos prejuízos decorrentes de contrato verbal vem sendo reconhecido pela jurisprudência, conforme se pode aferir de recente decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa trazemos à colação:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO MONITORIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ADMISIBILIDADE. SÚMULA 39 STJ. DISPENSA DE LICITAÇÃO. INSTRUMENTO DE CONTRATO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO VERBAL. NULIDADE. DEVER DE INDENIZAÇÃO. PROVA DA EXISTÊNCIA DA DÍVIDA.

1. É cabível ação monitoria contra a Fazenda Pública. Súmula n° 39 do STJ.

2. Na ação monitoria não é imprescindível que o documento esteja assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural força probante (art. 371, II, CPC).

3. O contrato verbal com a Administração Pública é "nulo e de nenhum efeito" (art. 60, parágrafo único, Lei nº 8.666/93). Todavia, a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado (art. 59, parágrafo único). Embargos improcedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJ-SP - Apelação ns 0000925-23.2008.8.26.0355, 9a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Dês. Décio Notarangeli, DJE de 31/01/2014) - destaques nossos.

Esse também o entendimento assentado no E. Superior Tribunal de Justiça:

RESP 1.1.083 -GO (2008/01350-4)

EMENTA

ADMINSTRATIVO. CONTRATO ADMINSTRATIVO. FORMA VERBAL NÃO-PAGAMENTO. COBRANÇA JUDICAL. PRINCÍPIO DO NÃO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PAGAMENTO DEVIDO.

1. De acordo com o art. 60, p.ún., da Lei n.8666/93, a Administração Pública direta e indireta, via de rega, está proibida de efetuar contratos verbais. Nada obstante, o Tribunal a quo constatou que houve a entrega da mercadoria contratada pelo ente federativo (fls. 201/20).

2. Se o Poder Público, embora obrigado a contratar formalmente, opta por não fazê-lo, não pode, agora, valer-se de disposição legal que prestigia nulidade do contrato verbal, porque isso configuraria uma tentativa de se valer da própria torpeza, comportamento vedado pelo ordenamento jurídico por conta do prestígio da boa-fé objetiva (orientadora também da Administração Pública).

3. Por isso, na ausência de contrato formal entre as partes e, portanto, de ato jurídico perfeito gue preservaria a aplicação da lei à celebração do instrumento,  deve prevalecer o princípio do não enriquecimento ilícito. Se o acórdão recorrido confirma a execução do contrato e a realização da obra pelo recorrido, entendo que deve ser realizado o pagamento devido pelo recorrente.

4. Inclusive, neste sentido, é de se observar que mesmo eventual declaração de nulidade do contrato firmado não seria capaz de excluir a indenização devida, teor do que dispõe o art. 59 da Lei n.8666/93.

5. Recurso especial não provido - grifo e negrito nossos.

RESP 545.471/PR (2003/0078413-5)

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. CONTRATO VERBAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO E PRÉVIO EMPENHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 59, § 4º. DA LEI 4.320/64, 59 E 60. PARÁGRAFO ÚNICO. DA LEI 8.666/93. OCORRÊNCIA OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DE ORDEM CONSTITUCIONAL (CF/88, ART. 37, XXI). FINALIDADE (LEI 8.666/93, ART. 3º). FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. REGRA GERAL: CONTRATO ESCRITO (LEI 8.666/93. ART. 60. PARÁGRAFO ÚNICO). INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL. EFEITOS. NULIDADE. EFICÁCIA RETROATIVA (LEI 8.666/93. ART. 59. PARÁGRAFO ÚNICO). APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO FINANCEIRO. PROVIMENTO.

1. Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que não há dúvidas quanto à existência do contrato verbal de prestação de serviços celebrado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela de Ouro Ltda, bem como do cheque emitido e não-pago pela municipalidade a título de contraprestação pelo arrendamento de três ônibus efetivamente utilizados no transporte coletivo. Nesse contexto, a questão controvertida consiste em saber se, à luz das normas e princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, é válido e eficaz o contrato administrativo verbal de prestação de serviço firmado.

2. No ordenamento jurídico em vigor, a contratação de obras, serviços, compras e alienações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da administração pública indireta, está subordinada ao princípio constitucional da obrigatoriedade da licitação pública, no escopo de assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes e a seleção da proposta mais vantajosa (CF/88, art. 37, XXI; Lei 8.666/93, arts. 1º, 2°e 3º).

3. Além disso, a Lei 8.666/93, na seção que trata da formalização dos contratos administrativos, prevê, no seu art. 60, parágrafo único, a regra geral de que o contrato será formalizado por escrito, qualificando como nulo e ineficaz o contrato verbal celebrado com o Poder Público, ressalvadas as pequenas compras de pronto pagamento, exceção que não alcança o caso concreto.

4. Por outro lado, o contrato em exame não atende às normas de Direito Financeiro previstas na Lei 4.320/64, especificamente a exigência de prévio empenho para realização de despesa pública (art. 60) e a emissão da 'nota de empenho' que indicará o nome do credor, a importância da despesa e a dedução desta do saldo da dotação própria (art. 61). A inobservância dessa forma legal gera a nulidade do ato (art. 59, § 4°).

5. Por todas essas razões, o contrato administrativo verbal de prestação de serviços de transporte não-precedido de licitação e prévio empenho é nulo, pois vai de encontro às regras e princípios constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse público.

6. No regime jurídico dos contratos administrativos nulos, a declaração de nulidade opera eficácia ex tunc, ou seja, retroativamente, não exonerando, porém, a Administração do dever de indenizar o contratado (Lei 8.666/93, art. 59, parágrafo único), o que, todavia, deve ser buscado na via judicial adeguada.

7. Recurso especial provido.- destacamos.

Portanto, ainda que não estivesse positivado no parágrafo único do artigo 59 da Lei 8666/93, o que se admite gratia argumentandi, mesmo assim não poderia a Administração escapar do dever moral, e não contratual, de indenizar o contratado pelo que efetivamente executou, sem oposição, até a data em que for declarada a nulidade da contratação e/ou pelos prejuízos regularmente comprovados, salvo hipótese de má-fé ou concorrência do contratado para a nulidade, pois seria inconstitucional que a Administração, adstrita que está ao princípio da moralidade, pudesse, após se beneficiar da prestação realizada pelo particular, evocar a nulidade do contrato para se furtar ao seu pagamento.

Cumpre pontuar que, embora o desconhecimento da lei não possa ser alegado objetivando descumpri-la, poderá ser considerado para fins de caracterização da boa-fé. 

Deveras, dispõe o artigo 3º da Lei 12.376/10, denominada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, anterior Lei Introdução ao Código Civil:

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

O que a legislação veda, pois, é a alegação de ignorância da lei para se eximir do seu cumprimento, não havendo óbice legal de que tal desconhecimento seja considerado para fins de caracterização da boa-fé de quem alega.

Por óbvio, a escusa do conhecimento da lei deve ser apreciada caso a caso, levando-se em conta o objeto contratado, a natureza jurídica da contratação, o contratado, enfim todas as circunstâncias e peculiaridades do caso em exame.

O que não se admite, por não se coadunar com os princípios que informam o nosso ordenamento jurídico, é a presunção absoluta de má-fé decorrente da impossibilidade de se alegar desconhecimento da lei.

Portanto, a possibilidade ou impossibilidade de se indenizar contratado que anuiu com contrato verbal com a administração deverá ser concretamente analisada, buscando verificar, nas circunstâncias de cada caso, a caracterização ou não do dolo do contratado ou de conduta que tenha contribuído para a nulidade do contrato, e não se basear em meros indícios ou presunção absoluta boa ou má-fé.

De todo o exposto, verifica-se que a efetivação de pagamento por indenização, não caracteriza, por si só, ilegalidade apta a configurar falta disciplinar ou improbidade administrativa. Ao contrário, não obstante a nulidade do contrato administrativo, constitui dever legal e moral da Administração a indenização do contratado pelo que houver executado ou pelos prejuízos suportados, desde que, verificado no caso concreto, que o contratado não tenha se portado de má-fé ou contribuído para a consecução da nulidade contratual.

Tanto é verdade que o Decreto Municipal nº 44.891/04 dispõe sobre a delegação de competência para autorizar o pagamento por indenização de despesas, ainda que decorrentes de ajustes declarados nulos, inválidos ou rescindidos. Dispõe o artigo 1º daquele decreto, in verbis:

Art. 1° Fica delegada aos Secretários Municipais, aos Subprefeitos e ao Ouvidor Geral do Município, no âmbito dos respectivos órgãos, competência para autorizar o pagamento, em caráter indenizatório, de despesas referentes a dotações próprias, realizadas no interesse do serviço público, ainda que decorrentes de ajustes declarados nulos, inválidos ou rescindidos.

Ora, a decisão de delegação, pelo titular do Poder Executivo Municipal, da competência para autorizar o pagamento, a título de indenização, de despesas oriundas de contratos nulos, decorre, à evidência, da possibilidade legal de sua efetivação.

A Advocacia-Geral da União, perfilhando o mesmo entendimento aqui esposado, expediu a Orientação Normativa nº4/2009, nos seguintes termos:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 4, DE 1º DE ABRIL DE 2009

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4- da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.015975/2008-95, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2a e 17 da Lei Complementar nº73, de 1993:

A DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL DEVERÁ SER OBJETO DE RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR NOS TERMOS DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.666, DE 1993, SEM PREJUÍZO DA APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DE QUEM LHE DER CAUSA.

JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI

Destarte, com a devida vénia, não me parece haver respaldo jurídico a embasar o reconhecimento da irregularidade, em tese, de pagamento efetuado a título de indenização. A licitude ou não do pagamento efetuado a título de indenização imprescinde da análise do caso concreto.

E no caso em exame, não se vislumbra sequer a existência de indícios da eventual má-fé da empresa Chica Produções e Comunicações Ltda, que representava o Grupo Musical Terno de Damas, ou de quaisquer condutas que tenham contribuído para a não efetivação formal da contratação.

Com efeito, analisando o p.a nº2011-0.042.473-0, verifica-se que a aludida empresa apresentou, em geral, os documentos necessários (fls.02/70, 73 e 83/87), não tendo sido adotadas as providências que eram exclusivas da Administração para a conclusão do processo de contratação, em especial parecer da Comissão Permanente de Análise de Mérito Artístico da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, instituída pela Portaria nº3/SMPP/2010 (fls.95/96 do p.a nº 2011-0.042.473-0), apreciação jurídica e empenho pela autoridade competente, com a expedição da respectiva nota.

Além do mais, o Grupo Musical Terno de Damas efetivamente se apresentou no Seminário "Os Direitos das Mulheres na Cidade de São Paulo", no dia 31/03/2011, conforme certificado às fls.92 do p.a nº 2011-0.042.473-0. E o preço do cachê artístico, no montante de R$3.000,00 (três mil reais), restou, a princípio, justificado, conforme se depreende de fls.84/86, onde constam Notas Fiscais expedidas pela contratada, referente a outras apresentações, executadas em datas próximas, com valores superiores (R$4.100,00 e R$3.200,00) aos R$3.000,00 (três mil reais) em exame.

E tanto a Comissão incumbida da Apuração Preliminar, como o Departamento Disciplinar não apontaram quaisquer indícios de eventual irregularidade do pagamento por indenização deferido.

Portanto, certificado que o Grupo Musical Terno de Damas efetivamente se apresentou no Seminário "Os Direitos das Mulheres na Cidade de São Paulo", no dia 31/03/2011, não havendo indícios que a empresa de produções, que o representa, agiu de má-fé ou contribuiu para não efetivação formal da contratação, e restando, a princípio, justificado o montante pago, a título de indenização, pela apresentação artística realizada, não há motivos para a caracterização do pagamento autorizado como irregular e ímprobo.

O pagamento, nessas circunstâncias, conforme já detidamente explanado, constituía dever da Administração, de cujo cumprimento não poderia se eximir a autoridade competente, sob pena de afronta aos princípios da legalidade e moralidade administrativa.

Impende consignar, por oportuno, que mesmo que se concluísse pela irregularidade no pagamento por indenização objeto da apuração em exame, o que se admite apenas por argumentar, ainda assim sua constatação não autorizaria, s.m.j, seu enquadramento automático às hipóteses de improbidade administrativa.

Isso porque nem toda ilegalidade se subsume a ato de improbidade. Aliás, como já destacado por esta Assessoria Jurídico-Consultiva na Informação nº 2.055/2013-PGM.AJC, lavrada pelo Dr. Luiz Paulo Zerbini Pereira:

Segundo a orientação que emana, atualmente, do Superior Tribunal de Justiça, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade", uma vez que "a improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente", e justamente por isso o mero despreparo gerencial não pode ser confundido com ato de improbidade administrava.

Como se não bastasse, cumpre consignar, por fim, o equívoco de abordagem da questão pela Comissão de Apuração Preliminar.

Ora, evidente que quando se determina a Apuração Preliminar no corpo do despacho que autorizou o pagamento por indenização, busca-se, na realidade, a identificação dos fatos e respectivas responsabilidades dos agentes que deram causa à nulidade do contrato administrativo e, via de conseqüência, ao dever da Administração de, malgrado a invalidade do contrato, indenizar o contratado.

É o que se depreende da leitura do já mencionado parágrafo único do artigo 59 da Lei 8.666/93:

Art.59.

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa - destacamos.

A responsabilização preconizada na legislação de regência é daquele que, no caso dos autos, deu ensejo à contratação verbal e, por conseqüência, sua nulidade e dever da Administração de indenizar, mas não daquele que, cumprindo dever legal, autorizou seu pagamento.

Em outras palavras, mostra-se passível de reprovação, a depender das circunstâncias, a(s) conduta(s) do(s) agente(s) que autorizou(ram) ou se omitiu(ram) ao deixar o contratado iniciar e concluir a execução dos serviços (apresentação no dia 31/03/2011), sem prévio empenho e formalização da contratação, gerando, para a Administração, o dever de indenizar o contratado, comportamentos esses que não foram averiguados pela Comissão de Apuração Preliminar e avaliados pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares,

A apuração não busca, a priori, apurar a regularidade da autorização do pagamento, até porque seria no mínimo curioso que a mesma autoridade deferisse o pagamento por indenização e, em seguida, no mesmo despacho, determinasse a apuração da autorização por ela exarada.

Não que inexista permissão para, havendo indícios, apurar-se a legalidade do pagamento por indenização deferido. Sem dúvida, havendo indícios de irregularidade na caracterização da hipótese de indenização, ou do valor pago a esse título, de rigor a investigação.

Ocorre que, na hipótese dos autos, não houve a apuração dos fatos que, a princípio, deveriam ser investigados, qual seja, as circunstâncias de fato e respectivas responsabilidades dos agentes que deram ensejo ao dever da Administração em indenizar o contratado, despendendo os esforços de investigação para apurar a autorização de pagamento, cujos indícios, ao contrário de apontar para sua ilicitude, conduzem à regularidade do deferimento exarado pela autoridade competente.

Nesse quadro, considerando que a presente manifestação se funda em entendimento em parte diverso daquele ementado sob nº 10.618, submeto o presente ao sempre prudente crivo de Vossa Senhoria, com proposta de remessa aos Excelentíssimos Senhores Procurador Geral do Município e Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos para que, em caso de concordância, seja emitida nova ementa para orientação da Administração, nos termos já mencionados.

Ato contínuo, inexistindo indícios mínimos para subsidiar a insturação de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa em face daquele que autorizou o pagamento por indenização, identificado à fl.78, conforme proposto pelo Departamento Disciplinar, e se ressentindo os autos da investigação que, nos termos do parágrafo único do artigo 59 da Lei 8.666/93, deveria ser promovida, tendo por escopo apurar eventuais responsabilidades pela contratação verbal realizada e obrigação da Administração de indenizar o contratado, proponho a devolução dos autos ao Departamento de Procedimentos Disciplinares, para, com fulcro no artigo 73, inciso III, alínea "d", do Decreto Municipal 43.233/03, deliberar quanto à instauração de Sindicância.

Eis, sub censura, o meu parecer.

Acompanha o p.a nº 2010-0.040.424-9.

 

São Paulo, 21 de Janeiro de 2015.

CRISTIANO DE ARRUDA BARBIRATO

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 202.307

PGM

 

De Acordo,

São Paulo, 23 de Janeiro de 2015

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE-AJC

OAB/SP 195.910

PGM

  

1 Mello, Celso Antônio Bandeira de. O Princípio do Enriquecimento Sem Causa em Direito Administrativo. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Eletrônico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº05, fev/mar/abr de 2006. Disponível na Internet: < http: //www.direitodoestado.co.br> Acesso em 20/01/2015.

2 Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética. 14a Edição, 2010, páginas 745/746.
3 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. ...página 192

 

 

2014-0.105.571-7

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

ASSUNTO: Apuração Preliminar. Contratação de grupo musical sem prévio empenho. Pagamento por indenização considerado, em tese, ilícito, autorizado por agente que não mais integra os quadros municipais. Proposta de instauração de Sindicância Especial de Improbidade Administrativa.

Cont. da Informação n° 82/2015-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário,

Encaminho o presente, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral do Município, a qual acolho, no sentido de que seja parcialmente alterado o entendimento ementado sob nº 10.618, para fazer constar que a nulidade do contrato verbal não exime a Administração do dever de indenizar o contratado, por aquilo que executou até a data da declaração da nulidade ou pelos prejuízos efetivamente sofridos, caso a nulidade não possa ser-lhe imputável, ou seja, desde que as circunstâncias e demais peculiaridades do caso não demonstrem a má-fé do contratado ou que o mesmo tenha contribuído para a invalidade contratual, verificação essa que deverá ser realizada, em cada caso, pela autoridade competente, nos termos do Decreto nº 44.891/04, sem prejuízo da necessária apuração de eventuais responsabilidades daqueles que deram causa à nulidade contratual e à obrigação de indenizar o contratado.

Posteriormente, recomendo a devolução dos autos ao Departamento de Procedimentos Disciplinares para competente deliberação, com fulcro no artigo 73, inciso III, alínea "d", do Decreto Municipal 43.233/03, acerca da instauração de Sindicância, objetivando investigar as circunstâncias de fato e eventuais responsabilidades dos agentes que deram ensejo à nulidade do contrato em exame e, via de conseqüência, ao dever da Administração de indenizar o contratado.

Acompanha o p.a nº 2010-0.040.424-9.

 

São Paulo, /   /2015.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP  173.527

PGM

 

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo