Processo 2011-0.143.087-3
INTERESSADO: FLÁVIO CESAR DAMASCO
ASSUNTO: Averbação de tempo de serviço extramunicipal
Informação n° 1.716/2011-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
1 - Por se tratar de caso inédito, o Departamento Judicial solicitou o pronunciamento conclusivo desta Procuradoria Geral a respeito da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, para que possa atender adequadamente o pedido de averbação de tempo extramunicipal formulado pelo interessado. A consulta decorre da dúvida existente quanto à vinculação ou não da OAB à Administração Pública Federal, o que repercute diretamente nos efeitos da averbação, considerando que apenas o tempo de serviço público pode ser computado para fins de aposentadoria, disponibilidade, adicionais por tempo de serviço e sexta-parte, nos termos do artigo 31 da Lei n° 10.430/88.
A dúvida exposta por JUD afigura-se pertinente, na medida em que decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal classificou a OAB como entidade de "categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro", a qual "não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional" (ADIn n° 3.026-4).
2 - Antes de passar ao exame da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, à luz da decisão proferida na ADIn n° 3.026-4, cujo objeto estava relacionado ao art. 79, § 1º, do atual Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), convém fazer uma importante observação: não se discute, aqui, se o tempo de exercício da advocacia pode ser considerado como tempo de serviço público para fins de aposentadoria e disponibilidade, à luz da disposição segundo a qual "No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social" (art. 2º, § 1º, do Estatuto da OAB)1. O exame que adiante se fará diz respeito ao exercício da função de servidor da OAB, e não ao exercício da advocacia no âmbito privado.
3 - Feita esta ressalva, constata-se que o interessado prestou serviços à OAB-SP, como Orientador de Cursos (ou de Estágios) de 17/09/1990 a 21/02/2003 (conforme Certidão de Tempo de Contribuição de fls. 03/08). Nota-se, pois, que ele foi admitido pela OAB-SP em 1990 (fl. 11), ainda sob a égide da Lei nº 4.215/63, que dispunha sobre o Estatuto da OAB, e que veio a ser revogada pela Lei n° 8.906/94.
Segundo o art. 1º da referida Lei n° 4.215/63, "A Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17 do Decreto n° 19.408, de 18 de novembro de 1930, com personalidade jurídica e forma federativa, é o órgão de seleção disciplinar e defesa da classe dos advogados em toda a República (artigo 139)".
Os arts. 139 e 148 dispunham o seguinte:
Art. 139. A Ordem dos Advogados do Brasil constitui serviço público federal, gozando os seus bens, rendas e serviços de imunidade tributária total (art. 31. inciso V, letra a da Constituição Federal), e tendo estes franquia postal e telegráfica.
§ 1º Não se aplicam à Ordem as disposições legais referentes às autarquias ou entidades paraestatais.
(...)
Art. 148. Aplica-se aos funcionários da Ordem dos Advogados do Brasil o regime legal do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União e leis complementares.
Verifica-se, pois, que o interessado estava legalmente adstrito ao Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei n° 8.112/90), cujo art. 10 preceitua que "A nomeação para cargo de carreira ou cargo isolado de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua validade".
Assim, na condição de servidor público estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ele se enquadra na norma contida no art. 31 da Lei Municipal n° 10.430/88, segundo a qual "O tempo de serviço público prestado à União, aos Estados, a outros Municípios e às Autarquias em geral será computado, integralmente, para os efeitos de aposentadoria, disponibilidade, adicionais por tempo de serviço e sexta-parte". Tal conclusão vale para todos os servidores da OAB que, a exemplo do interessado, tenham ingressado na Ordem, mediante concurso público, antes da Lei n° 8.906/94.
É que o novo Estatuto da OAB, confirmando que os servidores existentes quando da sua publicação eram estatutários, passou a adotar o regime celetista (trabalhista), dispondo o seguinte:
Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista.
§ 1° Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.
§ 2º Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao regime legal anterior.
Foi justamente a norma contida no § 1º do art. 79 que teve a sua constitucionalidade discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3026-4, cuja decisão - a ser examinada a seguir - não interferiu na situação jurídica do interessado.
Assentado, pois, que o interessado faz jus à averbação do tempo de serviço prestado à OAB-SP, para os fins do art. 31 da Lei Municipal n° 10.430/88, devido à data de ingresso anterior à Lei n° 8.906/94, passemos agora ao exame da nova configuração jurídica da OAB, à luz da decisão proferida na ADIn 3026-4.
4 - A Ordem dos Advogados do Brasil é entidade singularmente reconhecida pela Constituição Federal, que não só exige a sua participação em todas as fases dos concursos de ingresso da magistratura (art. 93, I), do Ministério Público (art. 129, § 3º) e dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (art. 132), como também atribui ao seu Conselho Federal competência para propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade (art. 103, VII), sem falar na competência para indicar membros do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, XII) e do Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, V).
Foi certamente esta distinção conferida pelo legislador constituinte que levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a OAB como uma "categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro", conforme acórdão proferido na ADIn 3.026-4, cujo objeto, como visto, estava relacionado à disposição transitória contida no parágrafo 1º do art. 79 da Lei Federal n° 8.906/94 (novo Estatuto da Advocacia).
O tema suscitou candentes debates no STF, traduzido nas 120 páginas do acórdão relatado pelo Ministro Eros Grau, com a seguinte ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N° 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A Lei n° 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria.
2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta.
3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.
4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências".
5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária.
6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.
7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional.
8- Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente.
9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB.
10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB.
11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade.
12. Julgo improcedente o pedido.
(STF-Sessão Plenária, ADIn 3.026/DF, Rel. Min. Eros Grau, julg. 08/06/2006, maioria de votos)
A leitura atenta do referido acórdão dá conta de que a OAB, ainda que não se sujeite "aos ditames impostos à Administração Pública Direta e indireta"; ainda que não seja "uma entidade da Administração Indireta da União"; ainda que não esteja incluída "na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como 'autarquias especiais'"; ainda que não consubstancie "uma entidade da Administração Indireta" nem esteja "sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada"; ainda que não mantenha relação ou dependência com qualquer órgão público; ainda que não possa "ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional"; ainda que lhe seja inexigível "concurso público para admissão dos contratados pelo regime trabalhista"; enfim, apesar de todas estas singularidades, ela é "serviço público independente", ou seja, uma "categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro", "cujas características são autonomia e independência".
Não se questiona, pois, que a OAB preste serviço público, ainda que se trate de uma entidade pública singular ("categoria ímpar") por força da autonomia e da independência que lhe são conferidas pela Carta Maior. Vale dizer: mesmo que formalmente a OAB não seja uma autarquia, nem uma entidade da Administração Indireta da União, como reconheceu o STF, isso não subtrai o caráter público do serviço essencial por ela prestado.
Confira-se, neste sentido, o teor do art. 44 do Estatuto da Advocacia e da OAB:
Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
5 - Mas ainda que a OAB, com todas as suas singularidades, seja uma entidade prestadora de serviço público, como sempre foi, nem por isso se pode inferir que os seus empregados - agora sujeitos ao regime trabalhista - prestem serviço público "stricto sensu".
De fato, com o advento da Lei n° 8.906/94, os empregados da OAB, agora contratados livremente, passaram a estar vinculados ao regime trabalhista, tendo o STF decidido ser-lhes inaplicável a regra do art. 37, II, da Constituição, que restringe o acesso aos cargos e empregos públicos aos previamente aprovados em concurso público.
Cabe destacar que o STF, ao julgar improcedente a ADIn 3.026/DF, confirmou a validade da norma contida no art. 79, § 1º, do novo Estatuto da OAB, do que decorre ser válida a contratação de empregados, pelo regime trabalhista, sem concurso público, a partir da vigência da Lei n° 8.906/94.
Daí se poder concluir que as singularidades da OAB, bem apontadas pelo STF, especialmente a sua não adstrição à regra do concurso público, impedem que o trabalho exercido por seus empregados (contratados livremente após o advento da Lei n° 8.906/94) possa ser considerado serviço público para fins de aposentadoria e estabilidade.
6 - Feitas estas considerações, concluo que os servidores estatutários da OAB, sujeitos às normas do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei n° 8.112/90) e admitidos mediante concurso público, antes do advento da Lei n° 8.906/94 (novo Estatuto da OAB), têm direito à averbação do tempo de serviço prestado à OAB como tempo de serviço público. Nesta categoria é que se insere o interessado.
Ao revés, os empregados da OAB, admitidos livremente, sem concurso público, pelo regime trabalhista, após o advento da Lei n° 8.906/94, não fazem jus à averbação do tempo de serviço para os fins do art. 31 da Lei Municipal n° 10.430/88.
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São Paulo, /06/2012.
LUIZ PAULO ZERBINI PEREIRA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 113.583
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 29/06/2012.
LILIANA DE ALMEIDA F. DA SILVA MARÇAL
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP n° 94.147
PGM
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1 O art. 68 do antigo Estatuto da OAB (Lei n° 4.215/63) dispunha que "No seu ministério privado o advogado presta serviço público, constituindo, com os juízes e membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da Justiça".
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Processo 2011-0.143.087-3
INTERESSADO: FLAVIO CESAR DAMASCO
ASSUNTO: Averbação de tempo de serviço extramunicipal
Cont. da informação n° 1.716/2011-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente a Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, concluindo que apenas os servidores estatutários da OAB, sujeitos às normas do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei n° 8.112/90) e admitidos mediante concurso público, antes do advento da Lei nº 8.906/94 (novo Estatuto da OAB), é que têm direito à averbação do tempo de serviço como tempo de serviço público.
Os empregados da OAB, admitidos livremente, sem concurso público, pelo regime trabalhista, após o advento da Lei n° 8.906/94, não fazem jus à averbação do tempo de serviço para os fins do art. 31 da Lei Municipal n° 10.430/88.
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São Paulo, 29/06/2012.
CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO
Procurador Geral do Município
OAB/SP 98.071
PGM
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Processo 2011-0.143.087-3
INTERESSADO: FLÁVIO CESAR DAMASCO - RF 732.694.7
ASSUNTO: Averbação de tempo de serviço extramunicipal
Informação n.° 2149/2012-SNJ.G.
DEPARTAMENTO JUDICIAL
Senhora Diretora
Tendo em vista a solicitação de fls.16, restituo o presente com a manifestação da Procuradoria Geral do Município, encartada às fls. 144/153, que acompanho, no sentido de que o servidor interessado faz jus à averbação de tempo de serviço extramunicipal, para os fins do artigo 31 da Lei Municipal n° 10.430/88, devido ao seu ingresso nos quadros da OAB-SP ser anterior à edição da Lei Federal 8.904/94, conforme fls.147.
No entanto, em resposta à consulta de fls. 14 envolvendo a natureza jurídica da OAB, acompanho, também, a conclusão da Procuradoria Geral do Município no mesmo parecer, especialmente a manifestação de fls. 153.
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São Paulo, 26/07/2012
CLÁUDIO LEMBO
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos
SNJ.G.
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo