memorando 54/SMSU/2009 (TID 4900187)
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Segurança Urbana.
ASSUNTO: Críticas à Guarda Civil Metropolitana. Programa Brasil Urgente. Medidas jurídicas cabíveis.
Informação n° 390/2010-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhora Procuradora Assessora Chefe
O apresentador José Luiz Datena em seu programa Brasil Urgente da TV Bandeirantes na data de 16.09.2009 teceu comentários genéricos e depreciativos à Guarda Civil Metropolitana, ensejando este expediente que tem como objetivo definir as medidas jurídicas cabíveis contra tal ato.
O trecho da notícia encontra-se transcrita às fls. 02, a qual destacamos abaixo:
"...eu não sei porque ainda não acabaram com essa GCM. Essa Guarda Civil Municipal não está preparada para combater crime. Isso aí é um absurdo. Esses caras deveriam inclusive andar desarmados ou então já não ter isso aí...geralmente são policiais dessa GCM despreparados...essa GCM é uma tragédia... devia acabar com esse negócio de guarda civil municipal aí..."
A Assessoria Jurídica da Secretaria Municipal de Segurança Urbana às fls. 05, concluiu pela adoção das seguintes medidas:
i. pedido de resposta, em face a Rede Bandeirantes;
ii. ação penal por difamação, em face do apresentador José Luiz Datena;
iii. ação civil de reparação por dano moral, em face da Rede Bandeirantes e do apresentador José Luiz Datena.
O Departamento Judicial às fls. 12/22, opinou no seguinte sentido:
i. não ser possível a propositura de ação penal, já que o STJ não admite a possibilidade da pessoa jurídica ser vítima de quaisquer crimes contra a honra;
ii. incabível a ação penal por danos morais, já que o direito à crítica é o pleno exercício da democracia e do direito de expressão e de informação.
Esse é o relatório.
A Constituição Federal no artigo 220 assegura a liberdade de imprensa e comunicação.
O artigo 5°, incisos IV (livre manifestação do pensamento), IX (livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação) e XIV ( direito de informação e resguardo o sigilo) estabelece uma série de princípios com o objeto de conferir eficácia ao direito de informar, de se informar e de ser informado, complementando o sistema do direito de expressão e de informação.
Por outro lado, a Constituição Federal também assegura o direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevendo o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.
Um dos maiores desafios do nosso direito é exatamente compatibilizar os direitos da personalidade humana com o da liberdade de imprensa.
A busca do equilíbrio entre esses dois valores aparentemente conflitantes deverá ser realizada caso a caso, com o auxílio dos princípios constitucionais, não sendo possível fixar regras absolutas.
Não há dúvida de que um dos pilares da Democracia é exatamente a liberdade, entendida em todas as suas formas, seja a de comunicação, de locomoção, de expressão, pois, não se pode olvidar que o artigo 1° da Carta Magna estabelece que o Brasil é uma República Federativa que se constitui em Estado Democrático e o artigo 5°, "caput", assegura a todos o direito à liberdade.
Em observância à relação entre liberdade de imprensa e democracia e levando-se em conta que uma não existe sem a outra, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 130/DF, cujo acórdão encarto ao presente, declarou não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto da Lei Federal n° 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, em vista da incompatibilidade material entre referida lei e a constituição, determinando a aplicação das normas da legislação comum, notadamente, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O Direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do artigo 5° da Constituição Federal.
Pois bem. Feita essa introdução ao assunto, analisemos cada uma das medidas propostas pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana.
-PEDIDO DE RESPOSTA
A Constituição Federal prevê o direito de resposta no artigo 5°, inciso V, da Constituição Federal, reconhecendo-o como um direito fundamental.
A Lei de Imprensa n° 5.250/67, cuidava do assunto nos artigos 29 a 36.
O direito de resposta pode ser definido como aquele que assiste a toda pessoa, física ou jurídica, objeto de uma notícia publicada por um órgão de comunicação social, de ver difundido gratuitamente um desmentido, uma defesa ou uma retificação de informações.
Oportuno ressaltar que o direito à retificação da informação, independe da natureza ofensiva aos direitos de personalidade.
No caso em questão, porém, não se trata de mera retificação. O que se pretende é responder às críticas genéricas emitidas à Guarda Civil Metropolitana.
Nesta hipótese, é condição para o exercício do direito de resposta, que o texto tenha ofendido a honra ou a intimidade do respondente, sem o que não se justifica a resposta.
Para o caso em tela, entendo descabido o direito de resposta, primeiro, porque já transcorrido mais de 5(cinco) meses do fato, o que desaconselha a utilização desse instrumento que deverá ser um meio ágil para a defesa adequada e somente deverá ser utilizado enquanto perdurar o impacto da matéria. Segundo, porque as críticas feitas, nada mais são do que o exercício do direito de expressão e de informação.
Portanto, o direito de resposta nesta altura dos acontecimentos, revela-se um meio ineficaz e inapropriado.
-AÇÃO PENAL
Não se pode negar que as pessoas jurídicas tenham uma reputação a zelar.
No entanto, é entendimento pacífico do STJ, de que a pessoa jurídica não pode figurar como sujeito passivo de crimes contra a honra, seja de calúnia, de injúria ou de difamação.
Isso porque, o Código Penal nos artigos 138 a 140, ao definir os crimes contra a honra, menciona a palavra alguém, que no contexto jurídico, significa ser humano. Jamais a legislação se refere à pessoa jurídica. Eventuais ofensas à honra das pessoas jurídicas devem ser resolvidas na esfera cível.
Nesse sentido, as seguintes ementas:
Penal e Processual Penal. Agravo Regimental. Difamação. Pessoa Jurídica. C. Penal. Súmula 83-STJ. Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis ( art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, nos crimes contra a pessoa, não se inclui a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, só se protege a honra das pessoas físicas.(AgRg no Ag 672522/PR, Rei. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 17.10.2005)
Penal e Processual Penal. Recurso Ordinário de Habeas Corpus. Difamação. Pessoa Jurídica. Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, os crimes contra a pessoa não incluem a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, só protegem a honra das pessoas físicas. (Precedentes). Recurso provido. ( Resp 603807/RN, Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 08.11.2004.
Com o mesmo entendimento os seguintes casos: HC 29861/SP, Resp 493763/SP, HC I0602/G0, RHC 8859/RJ, HC 7391/SP.
Conveniente destacar também que a ofensa à honra exige o propósito e dolo de ofender. Sem tais requisitos não se configura crime contra a honra.
Por fim, interessante dizer que o artigo 142 do Código Penal, no seu inciso II, afirma que não constitui crime de injúria ou difamação, a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar.
Desse modo, incabível ação penal para o caso em
análise.
- DANOS MORAIS
De acordo com Maria Helena Diniz, "dano moral vem a ser lesão de interesse não patrimonial da pessoa física ou jurídica."1
Também pode ser definido como aquele que produz dor sem repercussão no patrimônio presente ou futuro do lesado ou independentemente dessa lesão".2
Os incisos V e X do artigo 5°, fazem menção expressa ao dano moral, vejamos:
Art. 5°......
V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;...
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O artigo 186 do Novo Código Civil, estabelece literalmente a possibilidade do dano ser exclusivamente moral e o artigo 52 desse mesmo código, esclarece que a proteção dos direitos da personalidade, aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber.
Não há dúvida, pois, que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do dano moral.
Assim sendo, os entes personalizados, sejam públicos ou privados, também são titulares de direitos que devem ser protegidos pelo ordenamento jurídico.
Tanto é verdade, que o artigo 5° nos incisos V e X da Constituição Federal não especificou ou restringiu o conceito de pessoa, portanto, os direitos tratados referem-se tanto às pessoas físicas como jurídicas.
Todavia, não vislumbro para o caso em exame, a possibilidade de propositura de ação civil para a cobrança de danos morais, já que o direito de criticar funciona como espécie de excludente de antijuricidade, pois o direito à liberdade de informação, "compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer".3
Na verdade, o direito de expressar a opinião, conota uma idéia de função social da imprensa, uma concretização do direito de participação na formação da opinião pública.
Oportuno transcrever trecho do julgamento da ADPF citada sobre o direito de crítica, por ser tão esclarecedor:
"...O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da libderdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e real alternativa à versão oficial dos fatos"
A respeito a ementa a seguir:
Penal e Processual Penal. Hábeas Corpus. Crime de Imprensa. Crítica e Ofensa. Liberdade de Imprensa. Ausência de Justa Causa (art. 648, inciso I do CPP).
I- Observações críticas, ainda que irritantes, nos limites da divulgação da situação fática, não configuram, de per si, crime de imprensa (art. 27, inciso VIII da Lei de Imprensa).
II- Não de pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao animus criticandi ou ao animus narrandi, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da imprensa.
III- A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada.
IV- Writ concedido, trancando-se a ação penal.(HC 16982/RJ, Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 29.10.2001.)
Dessa forma, entendo desaconselhável a propositura da ação de danos morais, por entender que a manifestação crítica do apresentador está inserida no exercício regular do direito de expressão e informação.
Estas as considerações que tenho a fazer.
São Paulo, 02/03/2010.
ANA REGINA RIVAS VEGA
Procuradora Assessora - AJC
OAB/SP n° 112.618
PGM
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LEA REGINA CAFFARO TERRA
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 53.274
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memorando 54/SMSU/2009 (TID 4900187)
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA
ASSUNTO: Críticas à Guarda Civil Metropolitana. Programa Brasil Urgente. Medidas jurídicas cabíveis.
Cont. da Informação n° 390/2010-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho, no sentido de que as críticas formuladas à Guarda Civil Metropolitana e aqui examinadas caracterizam-se como regular exercício do direito de expressão e de informação.
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São Paulo, 02/03/2010.
CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 98.071
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memorando n° 054/SMSU-AJ/2009 (TID 4900187)
INTERESSADO: SMSU.
ASSUNTO: Críticas à Guarda Civil Metropolitana. Programa Brasil Urgente.
Informação n.° 1023/2010-SNJ.G.
SMSU - AJ
Senhor Assessor Jurídico Chefe
Atendendo a solicitação formulada por Vossa Senhoria às fls. 08/09, e de ordem do Senhor Secretário, restituo a essa Secretaria para conhecimento das conclusões alcançadas pela AJC da PGM às fls. 34/44.
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São Paulo, 14/04/2010.
MARIA FERNANDA RAPOSO DE MEDEIROS TAVARES MARTINS
Procurador do Município
Chefe da Assessoria Técnica e Jurídica
OAB/SP 84.803
SNJ.G
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo