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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 82 de 23 de Janeiro de 2017

Informação nº 0082/2017-PGM-AJC
Alienação de área municipal. Leito da antiga Travessa Amador Martin, Distrito de Água Rasa.

Processo 2002-0.187.385-7

INTERESSADO: Administração Municipal

ASSUNTO: Alienação de área municipal. Leito da antiga Travessa Amador Martin, Distrito de Água Rasa.

Informação n. 82/2017-PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

No momento, trata o presente da alienação de área municipal correspondente ao antigo leito da Travessa Amador Martin, Distrito de Água Rasa, desafetado pela Lei n. 16.063/14, a qual também autorizou sua alienação.

Tendo sido constituída Comissão Especial de Licitação em SDMU para o processamento do certame, foi elaborado o respectivo edital, submetido à Assessoria Jurídica da Pasta, que propôs a manifestação da Procuradoria Geral do Município, nos termos do art. 87 da Lei Orgânica do Município.

É o breve relatório.

Cabe analisar, pois, as questões pendentes apresentadas por SMDU-AJ.

Grande parte de tais questões está relacionada à interpretação da autorização dada pelo Legislativo para a venda do bem, a qual, em vista de emenda realizada no curso da tramitação do projeto de lei, acabou tomando feição distinta daquela geralmente observada em textos normativos similares.

Vale transcrever, assim, o dispositivo legal:

"Art. 2o Fica o Executivo autorizado a alienar, mediante licitação, na modalidade concorrência, a área municipal referida no art. 1º desta lei.

Parágrafo único. A área deverá ser reavaliada pelo órgão competente da Prefeitura previamente à abertura do certame lícitatório, levando-se em conta a projeção do valor da área pública quando incorporada á área particular lindeira, avaliando todos os impactos e benefícios urbanísticos gerados pela incorporação".

Destarte, a Lei n. 16.063/14 apenas exige uma reavaliação previamente à abertura do certame lícitatório (art. 2o, parágrafo único). Não está previsto, assim, um prazo de validade para avaliação já realizada. No entanto, parece razoável evitar o transcurso de um ano entre esta e a alienação do bem, até porque tal é o prazo geralmente adotado nos reajustes de contratos administrativos, sendo razoável presumir que, escoado tal prazo, já não se possa considerar atualizado um determinado valor.

Assim, parece necessária a realização de nova pesquisa de preços, com a consequente revisão da avaliação efetuada, tendo em vista o tempo transcorrido desde a coleta da última amostra de dados (junho de 2016) ou até mesmo desde a última avaliação (janeiro de 2016). De todo modo, levando em conta a complexidade do caso e todas as demais questões a serem endereçadas, recomenda-se que a renovação da pesquisa e da avaliação constituam as últimas providências antecedentes à abertura do certame, após a solução de todas as outras questões que venham a surgir no curso deste processo, a fim de evitar que uma nova avaliação venha também a tornar-se desatualizada. Ademais, embora fosse razoável a existência de alguns meses entre a avaliação e a licitação, o fato é uma avaliação o mais contemporânea possível torna mais segura a posição dos agentes municipais perante os órgãos de controle.

Por outro lado, o método de avaliação empregado por DGPI tentou refletir a exigência acima transcrita no sentido de levar em conta "a projeção do valor da área pública quando incorporada à área particular lindeira" (art. 2o, parágrafo único). Para tanto, avaliou-se o imóvel resultante da fusão do bem municipal com o terreno particular lindeiro, aferindo-se, em seguida, qual a proporção do lote municipal no terreno resultante. No entanto, afirmou DGPI-4 que não cabe àquela unidade avaliar os impactos e benefícios urbanísticos gerados pela incorporação, mencionados ao fim do dispositivo acima transcrito. Existem, assim, dois pontos a serem analisados: a correção do critério adotado pelo DGPI na avaliação e a necessidade de uma avaliação específica de tais impactos e benefícios urbanísticos.

Em primeiro lugar, é preciso afastar uma possível inferência no sentido de que o texto teria imposto uma avaliação pelo método chamado involutivo - realizado em função do valor hipoteticamente obtido por um empreendimento a ser ali executado -, o que certamente decorre da utilização do vocábulo incorporação. No entanto, a leitura atenta do preceito não autoriza que se conclua tratar-se de uma incorporação imobiliária, uma vez que o preceito já havia mencionado anteriormente tal ação de incorporar: "quando incorporada à área particular lindeira". Incorporar seria, portanto, a ação de juntar, reunir ou agregar (Aulete) a área pública ao terreno vizinho. Quando o preceito, ao seu final, alude à mesma incorporação, é a esta operação que está se referindo. Portanto, os impactos e benefícios seriam aqueles resultantes da unificação entre a área pública e a área privada lindeira, o que não tem relação alguma com a execução de uma incorporação imobiliária no local ou com a imposição um método involutivo de avaliação.

De todo modo, resta ainda a questão relativa ao objeto de tal avaliação, tendo em vista o texto do dispositivo. A tarefa de exegese seria, de fato, muito mais simples caso não se empregasse - talvez em excesso, na tradição brasileira - o gerúndio. O texto seria muito mais claro, por exemplo, se dispusesse que a área seria objeto de uma reavaliação e que nesta se levaria em conta a fusão das áreas e seriam avaliados todos os impactos em benefícios associados. No entanto, embora esse significado coordenativo possa decorrer do uso de vírgula antes de "levando-se" e de "avaliando"1, também seria possível entender que as vírgulas foram utilizadas impropriamente, tendo tais frases uma espécie de valor adverbial2 ou até mesmo um propósito de indicar uma simultaneidade nas ações - esta última hipótese, aliás, é que configuraria o uso mais apropriado do gerúndio para os mais rigorosos, sobretudo os que seguem a tradição lusitana. Nesse caso, poderia ser entendido que, ao avaliar o imóvel, o órgão de avaliação estaria ao mesmo tempo levando em conta a fusão das áreas e que, ao levar em conta a fusão das áreas, estaria simultaneamente avaliando os impactos e benefícios urbanísticos por ela gerados.

Se a interpretação meramente gramatical não parece ensejar a univocidade necessária a uma conclusão, os elementos semânticos e pragmáticos oferecem alguma luz para a aplicação do dispositivo. Para tanto, podemos considerá-lo em três partes: a) a reavaliação pelo órgão competente da Prefeitura previamente à abertura do certame licitatório; b) a consideração da projeção do valor da área pública quando incorporada à área particular lindeira; c) a avaliação de todos os impactos e benefícios urbanísticos gerados pela incorporação.

Como a primeira parte não traz critério algum de avaliação, parece inevitável a conclusão de que a reavaliação deve ser feita com base na projeção do valor da área pública quando incorporada ao terreno lindeiro (segunda parte). Já a avaliação dos impactos e benefícios urbanísticos (terceira parte) não parece constituir um aspecto autônomo, que possa ensejar a necessidade de uma avaliação em apartado - para a qual, aliás, o DGPI afirma não ter competência. Na verdade, ao fazer a reavaliação considerando a área unificada (segundo elemento), o órgão competente já levará em conta a situação urbanística final, incluindo, assim, os impactos e benefícios gerados pela unificação, que tiveram efeito sobre o valor do terreno resultante. Em outras palavras: ao apurar o valor do bem segundo a situação final resultante da fusão, o órgão competente já estará considerando os impactos e benefícios urbanísticos correspondentes, uma vez que a consideração do objeto hipotético para avaliação - o lote futuro, resultante da unificação - já abarcaria, em si, todos os efeitos urbanísticos práticos dessa incorporação entre os lotes sobre o valor do imóvel vizinho, não havendo outras repercussões, nem mesmo em tese, que pudessem ser consideradas em separado.

No entanto, não parece que a avaliação efetuada tenha levado em conta a referida projeção da unificação, nem os impactos e benefícios correspondentes. De fato, o raciocínio empreendido, ao que parece, foi o de apurar proporcionalmente o valor da área pública no imóvel resultante da unificação hipotética. No entanto, isso não parece atender ao preceito em questão. Para apurar, de fato, a projeção da unificação e seus respectivos impactos e benefícios, seria preciso avaliar o lote lindeiro segundo as duas configurações a serem comparadas: a atual e a que resultaria da incorporação da área pública. A diferença entre os valores é que constituiria a projeção econômica dessa incorporação, correspondendo aos impactos e benefícios que dela resultariam.

Por ocasião da reavaliação, DGPI deverá justificar a metragem adotada para o imóvel resultante, observado que não parece usual que as medidas reais sejam exatamente iguais às registrárias, exceto quando realizado um procedimento de retificação de área. Por outro lado, aparentemente não está demonstrado que os ângulos do terreno ensejariam uma apuração de sua área apenas com base na multiplicação das dimensões lineares laterais. De outra parte, deverão ser identificados todos os lotes aptos a tal unificação, por estarem no domínio de um mesmo proprietário lindeiro, valendo observar que a planta de fls. 32 não inclui o imóvel do n. 57 da Rua Imbó, que também é de titularidade da empresa Acre Incorporações e Emprendimentos Ltda. (fls. 356, cf. indicação feita às fls. 535) e se mostra essencial, aliás, para que se considere ter a área pública um único confrontante. Tendo em vista esse imóvel, por sinal, a comparação a ser realizada deverá referir-se, de um lado, à situação futura hipotética, decorrente da unificação, e, de outro, a dois imóveis ainda descontínuos, separados para área municipal - cujo valor deverá ser considerado em conjunto para apuração da diferença em relação ao da área unificada.

Portanto, parece necessário que DGPI proceda a uma nova avaliação do bem, não somente para atualizar o valor apurado, mas para que se siga uma linha de raciocínio ligeiramente distinta daquela já adotada, a fim de refletir plenamente a autorização legislativa específica, apurando o valor do imóvel lindeiro antes e depois de uma hipotética unificação, com o objetivo de definir o resultado econômico que adiviria da incorporação do imóvel municipal ao patrimônio privado. Com tal reavaliação, assim realizada, parece possível reputar atendido o preceito legal, ensejando a regular alienação do bem.

Sem embargo, é preciso apontar que todas as dificuldades na aplicação do inovador preceito, ainda que superadas no âmbito da Administração, poderão voltar à tona por ocasião do controle externo relativo à possível avaliação do bem. Nesse sentido, embora não pareça haver dúvida de que a melhor interpretação do dispositivo é aquela acima exposta, também é certo que poderia, em tese, haver um entendimento divergente a respeito. Caso a autoridade administrativa pretenda cercar-se dos maiores cuidados para evitar as eventuais investidas por parte dos órgãos de controle, não seria despropositado considerar a hipótese de propor ao Legislativo uma nova redação para o dispositivo, deixando claro o raciocínio a ser adotado na reavaliação do bem.

Vale observar, ademais, que já não parece viável considerar a possibilidade de que a venda seja realizada sem a realização de certame licitatório, uma vez que a lei autorizativa o impôs expressamente. Todavia, tendo em conta os possíveis efeitos do tema em relação a terceiros, parece necessário apontar que o argumento sustentado por SEL para considerar o terreno como inaproveitável não se sustenta sob a perspectiva jurídica.

Com efeito, as características exigidas para os lotes, nos termos da legislação aplicável, não impedem, em regra, as edificações em lotes preexistentes. O próprio artigo 134 da Lei n. 16.402/16 aponta as situações em que é permitida a ocupação e o uso de lote com área ou frente inferior ao mínimo estabelecido para a respectiva zona quando o lote não atende aos parâmetros aplicáveis. É certo que entre tais situações não se encontra mencionada expressamente a desafetação de área municipal. No entanto, a desafetação tem por efeito justamente a transformação, em lote, de uma área antes afetada ao uso público, sendo inaceitável afirmar que tal operação fundiária seria ilegal. Ao contrário, a desafetação decorre de uma norma legal concreta, que somente pode gerar uma situação lícita. Essa situação deve ser entendida como compreendida no inciso I do art. 134 citado, entendendo-se o lote resultante da desafetação como regular em decorrência da legislação aplicável ao parcelamento - neste caso, a intervenção sobre o parcelamento já realizado.

No entanto, embora convenha afastar o argumento, até mesmo para evitar que ele venha a ser utilizado em casos semelhantes, já não parece útil reabrir a questão relativa ao aproveitamento isolado do imóvel - que poderia decorrer, por exemplo, das características físicas do terreno diante da necessidade da observância dos parâmetros edilícios ali incidentes. Com efeito, conforme já mencionado, a lei autorizativa já impôs a realização de licitação, não parecendo possível, neste caso, adotar entendimento diverso, exceto caso se proponha a alteração da Lei n. 16.063/14.

No tocante à minuta de edital, não parece haver observações a serem feitas, até porque foi seguido o edital-padrão já aprovado, que havia sido submetido a esta Assessoria (Informação n. 1021/2012 - PGM.AJC). De todo modo, esta Assessoria, em tal análise anterior, havia apontado a necessidade de que fosse justificada a não inversão de fases da licitação; todavia, considerando que os aspectos envolvidos alcançariam qualquer alienação de área pública, a autoridade poderia justificar a não inversão quando da aprovação do edital-padrão, devendo, nos casos concretos, apenas aludir à justificativa antes apresentada. No entanto, salvo melhor juízo, tal alusão ainda não consta do presente, malgrado tenha sido feita a opção por não inverter as fases da licitação a ser realizada.

Ante o exposto, sugere-se o retorno do presente a DGPI, para conclusão da instrução, nos termos apontados.

 

São Paulo, 23 / 01 / 2017.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

  

1 Sobre a utilização da vírgula antes do gerúndio que introduz uma oração reduzida equivalente a uma coordenada aditiva, cf. Piacentini, Maria Tereza de Queiroz. Não tropece na língua: lições e curiosidades do português brasileiro. Curitiba, Bonjuris, 2012, p. 170.

2 Cf. ibidem, p. 172.

 

 

Processo 2002-0.187.385-7

INTERESSADO: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

ASSUNTO: Alienação de área municipal. Leito da antiga Travessa Amador Martin, Distrito de Água Rasa.

Cont. da Informação n. 82/2017-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que acompanho, no sentido de que caberá complementar a instrução do presente para a abertura do certame licitatório, sobretudo no tocante à avaliação da área, segundo os critérios apontados.

 

São Paulo, 26/01/2017.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

 

 

Processo  2002-0.187.385-7

INTERESSADO: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

ASSUNTO: Alienação de área municipal. Leito da antiga Travessa Amador Martin, Distrito de Água Rasa.

Cont. da Informação n. 82/2017-PGM.AJC

DGPI

Senhora Diretora

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, com a indicação das providências ainda necessárias para possibilitar a abertura de licitação para alienação da área municipal autorizada por lei.

Acompanham: p.a. 2003-0.300.787-3 e 2006-0.123.579-4; TID 5139997.

 

São Paulo, 27/01/2017

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 175.805

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo