CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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Razões do Veto (LEI Nº 14.487 de 19 de Julho de 2007)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 295/07

Ofício ATL nº 129, de 19 de julho de 2007

Ref.: Ofício SGP-23 nº 3230/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício em epígrafe, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 295/07, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 21 de junho de 2007, de autoria do Vereador Milton Leite, que institui, no Município de São Paulo, o Programa de Biodiesel e o Programa de Conscientização sobre a Reciclagem de Óleos e Gorduras de Uso Culinário.

Com os propósitos de recuperação e melhoria do meio ambiente e de estimular o uso de combustível renovável, o texto aprovado torna "obrigatória a utilização de óleo diesel com uma composição mínima de 2% em volume de adição ao óleo diesel em veículos de transportes coletivos municipais e intermunicipais, bem como transportadoras, empresas e indústrias sediadas nesta cidade", conforme tabela especificada em seu artigo 2º, sob pena de aplicação de multa de R$ 5.000,00 por veículo, dobrada na reincidência.

Além disso, cria o Programa de Conscientização sobre a Reciclagem de Óleos e Gorduras de Uso Culinário, a cargo da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, o qual visa à conscientização da população, dos proprietários e funcionários de estabelecimentos fabricantes de refeições e alimentos em geral sobre as formas e benefícios da reciclagem de óleos e gorduras de uso culinário, bem como sobre os danos ambientais causados pelo seu despejo na rede de esgoto. Para tanto, o Poder Público promoverá as pertinentes ações educativas e de esclarecimento, incentivará comportamentos positivos nesse sentido, por parte das entidades privadas e, para os estabelecimentos que se integrarem à rede de reciclagem, criará um selo de certificação.

Acolhendo a propositura por seu evidente mérito, sou compelido, entretanto, por razões de ordem legal e técnica, a apor-lhe veto parcial, atingindo parte da ementa e o inteiro teor de seus artigos 1º, 2º, 3º, 9º e 10, que tratam do Programa de Biodiesel, nos termos das considerações a seguir expendidas.

Os dispositivos supracitados, ao estipularem a composição do combustível e compelirem sua utilização nos veículos especificados, invadem a órbita de atribuições exclusivas da União, legislando sobre questão que não se limita ao interesse local, mas transcende, de fato, o âmbito do Município, contemplando regras sobre manipulação de produtos para uso de fonte energética, matéria cuja competência normativa incumbe privativamente à União, a teor do inciso IV do artigo 22 da Constituição Federal.

A esse respeito, cumpre assinalar que a União, no exercício próprio de suas funções, editou a Lei Federal nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e altera a Lei Federal nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, disciplinadora da política energética nacional, esgotando por completo o tema e tratando-o de forma diversa daquela objetivada pelo projeto de lei em causa, conforme se passa a esclarecer.

De início, constata-se que o parágrafo único do artigo 1º da propositura apresenta definição diversa daquela estampada no inciso XXIV do artigo 6º da Lei Federal nº 9.478, de 1997, acrescido pela Lei Federal nº 11.097, de 2005, segundo o qual biodiesel é "o biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil."

Prosseguindo, o artigo 2º da Lei Federal nº 11.097, de 2005, assim dispõe:

"Art. 2º. Fica introduzido o biodiesel na matriz energética brasileira, sendo fixado em 5% (cinco por cento), em volume, o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final, em qualquer parte do território nacional.

§ 1º. O prazo para aplicação do disposto no caput deste artigo é de 8 (oito) anos após a publicação desta Lei, sendo de 3 (três) anos o período, após essa publicação, para se utilizar um percentual mínimo obrigatório intermediário de 2% (dois por cento), em volume.

..............................................................................."

O Decreto Federal nº 5.448, de 20 de maio de 2005, que regulamenta o § 1º do artigo 2º acima transcrito, autoriza, em seus artigos 1º e 4º, a adição de 2% de biodiesel ao óleo diesel de origem fóssil, em qualquer parte do território nacional, devendo essa norma vigorar até que o percentual de 2% se torne obrigatório, o que ocorrerá a partir de janeiro de 2008, aplicando-se em 2013 o mínimo de 5%.

Contudo, os dispositivos ora vetados, ao obrigarem a adição mínima de 2% em 2007, de 3% em 2008, de 4% em 2009, de 6% em 2010, de 8% em 2011, de 10% em 2012, de 14% em 2013, de 16% em 2014, de 18% em 2015 e, finalmente, de 20% em 2016, contrariam frontalmente a política de introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, estabelecida, em detalhes, pela aludida legislação federal para todo o território brasileiro, vez que adotam percentuais mínimos muito superiores aos por ela estipulados, em total desacordo com a sistematização federal aplicável a nível nacional.

Cabe ponderar, ademais, que, por força do disposto no artigo 2º do mencionado decreto federal, a adição de biodiesel ao óleo diesel fóssil em percentual superior a 2% constitui mera faculdade e não uma obrigação, admitida apenas mediante prévia autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, nas condições ali descritas e nas demais destinações previstas pelo citado órgão, regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, ao qual, à luz do § 3º do artigo 2º da Lei Federal nº 11.097, de 2005, compete definir os limites de variação admissíveis para efeito de medição e aferição dos percentuais de adição.

Observe-se, ainda, que os prazos para atendimento do percentual mínimo obrigatório fixado pela legislação federal somente podem ser reduzidos por resolução do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, ente incumbido de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas destinadas a estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso dos biocombustíveis, a teor do inciso IV do artigo 2º da Lei Federal nº 9478, de 6 de agosto de 1997, com a redação conferida pela Lei Federal nº 11.097, de 2005. Para tanto, devem ser respeitados os critérios da disponibilidade de oferta de matéria-prima e capacidade industrial para produção de biodiesel, da participação da agricultura familiar nessa oferta, da redução das desigualdades regionais, do desempenho dos motores e, por fim, das políticas industriais e de inovação tecnológica (§ 2º do artigo 2º da Lei Federal nº 11.097, de 2005).

Verifica-se, pois, que as disposições contidas nos artigos apontados do projeto aprovado incidem, irremediavelmente, em inconstitucionalidade e ilegalidade, posto que se contrapõem a preceitos constitucionais e à normatização federal aplicável, revelando-se, por outro lado, de todo prematuras, haja vista que o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), sob a responsabilidade do Governo Federal, não atingiu, até o presente, o aperfeiçoamento técnico e economicamente sustentável para suprir as demandas do mercado, em escala comercial, sem desmerecer o considerável conhecimento tecnológico já obtido.

No âmbito desse programa, constituiu-se a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel, a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, com a finalidade de consolidar um sistema gerencial de articulação dos diversos setores envolvidos na pesquisa, desenvolvimento e produção do biodiesel, buscando a convergência de esforços e a otimização de investimentos públicos.

As ações do Governo Federal consistem, em síntese, na realização de testes e ensaios com motores, no desenvolvimento de tecnologia para produção do biodiesel em laboratório e em escalas adequadas às produções locais de óleo, na caracterização e controle da qualidade do combustível, na estruturação de laboratórios e na formação de recursos humanos, relevantes para o atendimento às necessidades do mercado, no tocante ao suporte técnico da produção e à formação de mão-de-obra especializada.

Logo, estando o programa nacional em fase de ajustamento, sem que se tenha, até o momento, definido o processo de mistura do combustível de forma a não comprometer os motores dos veículos e diante da necessidade de maior prazo para a implantação de logística de captação da matéria-prima suficiente para a transformação em biodiesel, a obrigatoriedade do uso desse biocombustível em todos os veículos de transportes coletivos municipais e intermunicipais, bem como de transportadoras, empresas e indústrias sediadas nesta Cidade, na forma determinada pela propositura, desatende ao interesse público, afigurando-se não apenas precipitada, como impossível de ser cumprida, por inexistirem condições mínimas para sua consecução.

Acresça-se, por oportuno, que, no âmbito municipal, o assunto tem recebido, por parte da Administração, a devida atenção e tratamento consentâneo com o interesse público, com o desenvolvimento de projetos, mediante cooperação entre órgãos municipais e a iniciativa privada, voltados à realização de estudos sobre a inclusão de misturas biocombustíveis, a partir da análise da viabilidade, sustentabilidade e competitividade de sua adição ao diesel usado pelos veículos empregados no transporte coletivo. Ressalte-se que tais estudos consistem na efetivação de testes, em pequena escala, que possibilitarão avaliar, em caráter experimental, o desempenho dos ônibus com combustível convencional e o resultado obtido pela frota com o biocombustível.

Finalmente, as medidas determinadas pelos dispositivos ora impugnados acabam por interferir em assunto de típica gestão administrativa, da competência privativa do Executivo, demandando, ainda, significativo dispêndio de verbas para sua execução, sem contar, todavia, com a necessária indicação dos recursos correspondentes, em desconformidade com as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pelo exposto, conquanto louvável o intuito de buscar o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, vejo-me na contingência de vetar parte da ementa e o inteiro teor dos artigos 1º, 2º, 3º, 9º e 10 do texto aprovado, com fundamento no artigo 42, §1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo