RAZÕES DE VETO
Projeto de Lei nº 285/06
Ofício ATL nº 28, de 6 de fevereiro de 2007
Ref.: OF-SGP 23 nº 0074/2007
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 285/06, aprovado por essa Egrégia Câmara, em sessão de 26 de dezembro de 2006, de autoria da Vereadora Noemi Nonato, que estabelece normas para a utilização de caixas descartáveis e retornáveis no acondicionamento, transporte, distribuição e venda de alimentos hortifrutícolas "in natura" no âmbito do Município de São Paulo.
Embora revestida de nobres propósitos, impõe-se veto parcial à medida aprovada, atingindo o inteiro teor dos seus artigos 5º e 6º e respectivos parágrafos, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, nos termos das considerações a seguir deduzidas.
O texto aprovado cuida dos requisitos a serem observados pelas embalagens acima referidas, proíbe a entrada, no território paulistano, de alimentos em caixas de madeira sem tratamento fitossanitário, impõe penalidades e, enfim, aponta eventuais responsáveis pelo descumprimento dessas normas.
O artigo 5º da propositura prescreve, no caso de não-atendimento às suas disposições, a aplicação progressiva e cumulativa das sanções de advertência; multa de 100 reais por embalagem em desacordo com os requisitos fixados; apreensão de produtos, equipamentos, utensílios e recipientes; suspensão de venda do produto; interdição parcial ou total do estabelecimento e de veículos e cancelamento de autorização para funcionamento da empresa autuada por mais de 5 vezes.
Todavia, o Código Sanitário do Município de São Paulo (Lei nº 13.725, de 9 de janeiro de 2004), o qual consolida toda a normatização sobre vigilância e saúde, já dispõe que as infrações sanitárias serão punidas com advertência; prestação de serviços à comunidade; multa de 100 a 500 mil reais; apreensão de animais; apreensão de produtos, equipamentos, utensílios e recipientes, sua interdição ou inutilização; suspensão de venda do produto e/ou de sua fabricação; interdição parcial ou total do estabelecimento e de veículos; proibição de propaganda; cancelamento de autorização para funcionamento da empresa e/ou de seu cadastro e veículo e, finalmente, intervenção (artigo 118).
Além disso, o aludido diploma legal rege a forma de graduação das penalidades conforme a presença de circunstâncias atenuantes (importância da ação para a consumação do evento, intenção de reparar o dano e primariedade do agente) e agravantes (dolo, fraude ou má-fé, objetivo de obter vantagem pecuniária, omissão quanto a providências para sanar a situação, coação de terceiros e reincidência), a gravidade do fato em face de suas conseqüências para a saúde pública, os antecedentes do infrator quanto às normas sanitárias e sua capacidade econômica (artigos 123 a 125) e, ainda, contém regras referentes ao concurso de circunstâncias, reincidência e outras elucidativas da aplicação das sanções previstas. No tocante à pena de multa, impõe os valores de 100 a 30.000 reais para infrações leves; de 30.001 a 100.000 reais para graves; de 100.001 a 500.000 reais para gravíssimas (artigo 121).
Releva destacar que, em seu artigo 116, o Código Sanitário Municipal, para os fins de sua própria aplicação e das pertinentes normas técnicas, define como infração sanitária a desobediência ou inobservância das normas legais e regulamentos destinados à promoção, preservação e recuperação da saúde. Portanto, todas as sanções do citado artigo 118, bem como a sistemática de sua aplicação, não estão limitadas às condutas descritas no Código, estendendo-se, isto sim, ao universo de infrações sanitárias e, assim, às estipuladas no projeto de lei em causa.
Considerando-se que o Código Sanitário Municipal, hierarquicamente superior a leis esparsas, já contempla todas as infrações e penalidades sanitárias concernentes ao tema enfocado no projeto de lei, a fixação de outras sanções, consoante previsto no artigo 5º da propositura, para a mesma espécie de infrações de natureza sanitária, caracterizaria a figura do "bis in idem", ou seja, a punição por duas ou mais vezes em virtude do mesmo fato.
"Contrário sensu", a imputação de mais de uma conseqüência restritiva de direito é possível desde que essas penas sejam de natureza criminal, civil e administrativa, bastando, para tanto, que o ato tenha configurado uma conduta reprovável para cada uma dessas ordens normativas, ou, então, quando a mesma lei determina a cumulação de uma sanção administrativa com outras, tal como ocorre, muitas vezes, com a multa e a declaração de inidoneidade. O que não se admite, à luz do princípio geral de direito do "non bis in idem", é o reiterado sancionamento em razão da mesma infração, como ocorre no caso previsto na propositura, em que haveria evidente sobreposição de sanções por um só fato.
De igual modo, sou compelido a vetar, na íntegra, o artigo 6º da medida vinda à sanção, o qual considera responsável, para os efeitos de aplicação das sanções que estipula, o remetente, o transportador e o destinatário da mercadoria.
Isso porque, a teor do disposto no artigo 117 do Código Sanitário do Município - que reproduz o artigo 111 do Código Sanitário do Estado de São Paulo (Lei Estadual nº 10.083, de 23 de julho de 1998) - responde pela infração sanitária quem, por ação ou omissão, lhe deu causa, concorreu para sua prática ou dela se beneficiou, excluídos aqueles que agiram por motivo de força maior, eventos naturais ou circunstâncias imprevisíveis que causem avaria, deterioração ou alteração de locais, produtos ou bens de interesse da saúde pública.
Comparando-se ambos os dispositivos, tem-se que o artigo 6º, além de desprovido de adequado tratamento técnico, não abrange todas as condutas que poderiam caracterizar as infrações que se quer evitar, limitando-se à responsabilização daquele que for flagrado praticando o ato lesivo no momento da autuação, ao passo que o artigo 117 possibilita a punição de todos os envolvidos no processo, impondo, de modo acertado, a graduação de penas, na conformidade da participação de cada um.
Com efeito, as penas do estatuto sanitário municipal vigente incidem sobre cada infrator, convém frisar, de acordo com os seus antecedentes e condição econômica, a gravidade do fato e as circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Assim, também o § 1º do artigo 6º não poderá subsistir, inclusive, por contrariar norma federal aplicável aos Municípios, a saber, o disposto no parágrafo único do artigo 3º da Instrução Normativa Conjunta SARC/ANVISA/INMETRO nº 9, de 12 de novembro de 2002, que imputa ao fabricante a inteira responsabilidade por "informar as condições apropriadas de uso, tais como o peso máximo e o empilhamento suportável, as condições de manuseio, bem como se a mesma é retornável ou descartável".
Acresça-se, por último, que o teor do § 2º do artigo 6º, a par de sua obviedade, apenas reproduz norma já amplamente disciplinada no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, no tocante à reparação civil por danos causados a terceiros, sendo, portanto, despiciendo.
Concluindo, seja por ilegalidade frente aos mencionados artigos do Código Sanitário Municipal, seja por contrariar o interesse público a edição de normas versando sobre saúde pública mais restritivas do que as dispostas no aludido diploma legal vigente, vejo-me na contingência de vetar, em seu inteiro teor, os artigos 5º e 6º e respectivos parágrafos do projeto de lei aprovado, devolvendo o assunto à reapreciação dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB, Prefeito
Ao Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo