DESPACHO 90612/00 - SJ
Ofício SP 2000/2077 TR 2044 AVS
PROCED.G - Senhora Diretora
Este expediente teve origem com o Ofício da OAB/SP, solicitando informações acerca dos fatos noticiados na Reclamação efetivada pelo Sr. Presidente da Associação dos Procuradores do Município de São Paulo, cujas razões encontram-se aduzidas às fls. 03/09.
Examinei detidamente a matéria, instruindo o expediente com cópias dos documentos que forneceram subsídios à resposta ao Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP, bem como das providências posteriormente adotadas pelo Departamento Fiscal (cf. fls. 244 a 260).
Em face disto, exponho a seguir os fatos que pude registrar e, no final determino as providências que me competem :
OS FATOS
O Vereador José Eduardo Martins Cardoso requereu uma ação popular perante a 4ª Vara da Fazenda Pública pedindo a nulidade do Decreto-regulamento nº 39.017 de 31.01.2000 - processo nº 205/053.00.003646-6.
Ao formular o PEDIDO , o autor requereu "a citação dos RÉUS " aos quais elencou como sendo:
a) Prefeitura do Município de São Paulo
b) Prefeito do Município de São Paulo
O Doutor Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública determinou a CITAÇÃO pedida (fl. 40) a qual se realizou, no que toca à "Prefeitura", na pessoa do representante judicial da Municipalidade que é a Procuradoria Geral do Município (cf. art. 2º, I da Lei Municipal nº 10.182 de 30.10.86).
Isto posto, já em 15.03.2000 o Procurador do Município, CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , na qualidade de Chefe do Setor denominado FISC 4, solicitou, diretamente , ao Secretário de Finanças as informações que julgou cabíveis (fls. 39) e a Procuradora Assessora Chefe da Procuradoria Geral do Município, em 11.05.2000, providenciou a autuação do processo administrativo (fls. 38).
Já se vê, até aqui, que todos os órgãos competentes para a defesa do Município em juízo, adotaram as providências legalmente a si atribuídas, sem qualquer manifestação quanto à impossibilidade de ser contestada a ação.
Em 19.04.2000 o Procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , através do ofício 4/044/2000 (fls. 86/87), solicitou "autorização para que o Município, na referida ação popular, utilizando-se da faculdade prevista no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717, de 1965, se abstenha de contestar o pedido, limitando-se ao seu acompanhamento."(sic. fl. 87, g.n.)
Em 18.05.2000 foi remetido o expediente ao titular da Pasta para deliberação, pela competência, nos termos da Lei Federal nº 4.717 de 29.06.65, combinado com o art. 27 da Lei Municipal 10.182/86 e com o Decreto Municipal nº 27.321 de 11.11.88 (art. 4º), sendo proferido, em 19.05.2000 despacho autorizando a contestação do pedido pela Municipalidade, uma vez justificado o interesse público, conforme demonstrado pelos fundamentos jurídicos dele constantes (fls. 131/140)
O expediente deu entrada no Departamento Fiscal em 22.05.2000, ou seja, em tempo para a elaboração e apresentação da peça de defesa da Municipalidade.
No entanto, às 17:46 horas do último dia do prazo judicial , 22.05.2000, o Procurador Municipal CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , Chefe do Setor denominado FISC 4, a quem competia o acompanhamento do feito, conforme informação de fl. 173, protocolou representação contra a autorização do Titular da Pasta (fls. 142/145), recusando-se a contestar o pedido na mencionada ação popular , alegando, ainda, que "nenhum Procurador, representando o Município, poderia sustentar as razões de defesa do ato impugnado, sob pena de violação de sua consciência e da ética profissional", e , desta forma, impossibilitou, "de motu proprio", a adoção de qualquer medida tendente à defesa da Municipalidade naqueles autos, inclusive a redistribuição, em tempo hábil, da ação judicial a outro Procurador.
Esta recusa não está legitimada face aos deveres do procurador, decorrentes da atribuição legal de competência à Procuradoria Geral do Município.
A Procuradoria Geral do Município foi criada pela lei nº 10.182 de 30.10.86 como órgão integrante da composição da Secretaria dos Negócios Jurídicos, cabendo-lhe, dentre outras atribuições,
"representar judicial e extrajudicialmente o Município".
A sua implantação, nos termos do art. 27 dessa lei, foi efetivada pelo Decreto nº 27.321 de 11.11.88 que, disciplinando essas atribuições, estabelece caber ao Secretário:
¾ supervisionar, coordenar, controlar e delinear a orientação geral a ser observada pela Procuradoria Geral do Município ¾ PGM e demais unidades que integram a Secretaria, no que tange às suas atribuições específicas e programas de atuação.
¾ autorizar o ajuizamento de ações, submetidas ao Prefeito as situações específicas.
Portanto, são indubitáveis as duas situações:
a) a representação judicial do Município como competência privativa da Procuradoria Geral do Município;
b) a competência privativa do Secretário para autorizar ajuizamento de ações, ressalvadas aquelas que têm por objeto a cobrança da dívida ativa (cf. art. 87 da Lei Orgânica do Município combinado com o art. 2º III da Lei nº 10.182/86).
A função do Procurador
A postulação do Município em juízo tem de ser feita pelo Procurador de carreira, "ex-vi" do art. 12, II do Código de Processo Civil, combinado com os arts. 2º, I, 13 e segs. da Lei Municipal nº 10.182/86 (doc. em anexo).
Nesta qualidade, o Procurador é um advogado público .
Insista-se que a liberação do Procurador, como advogado público ¾ em cada situação na qual se recusasse a defender o Município ¾ implicaria a contratação de um advogado estranho ao "Quadro" ou a designação de um outro advogado público .
A primeira hipótese é ilegal ; a segunda seria possível, mas, não foi adotada pelo procurador "a quem cabia a defesa ¾ Dr. CESAR ANTONIO ALVES CORDARO " (v. item 4 da inicial) por sinal Chefe do Setor FISC 4.
Logo, o referido procurador não cumpriu o seu poder-dever, tanto que o Conselho da Procuradoria Geral do Município recomendou sua punição, nos termos do voto da Sra. Procuradora Relatora (fls.176/187).
O Advogado Público
Advogado público , ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO , (cf. Advocacia Pública. In Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo: CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos, 1995.) é expressão que
"designa aqueles que, com vínculo de emprego estatutário, integram a Advocacia Geral da União, a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria do Município" (p. 11).
Nesta condição ¾ continua a professora Di Pietro ¾ a independência profissional inerente à advocacia
"é evidentemente relativa; se existe um corpo de advogados trabalhando para o mesmo cliente, que é o Estado, não é possível que cada qual aja individualmente , sem atentar para a orientação uniforme que o órgão deve seguir. Se cada qual tivesse absoluta liberdade para atuar, sob o ponto de vista técnico, muito maiores seriam os riscos de conduzir a decisões contraditórias para casos idênticos, o que já acontece, infelizmente, com grande freqüência. A independência do advogado deve limitar-se à busca de melhor argumentação, da melhor fundamentação. Isto não significa negar cumprimento à referida norma estatutária, mas dar-lhe cumprimento na medida do possível para conciliá-la com as exigências da Administração Pública. O próprio artigo 3º do Estatuto da OAB diz que os advogados públicos sujeitam-se às suas normas, além do regime próprio a que se subordinam .
Não pode o advogado público recusar-se a fazer um acordo determinado pelas autoridades competentes sob o pretexto de que pode ganhar a questão ; da mesma forma que não pode o advogado privado atuar contra a vontade de seu cliente.
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O Advogado que atua no contencioso, como representante do Estado, atua como representante de parte ; a sua posição é, portanto, parcial, diversamente da do consultor; ele defende a tese preferida pelo seu cliente , ainda que vá contra a sua convicção pessoal" (ps. 22/23).
O que diz a legislação aplicável.
Tal como acentuado pela professora SYLVIA DI PIETRO , "não pode o advogado público" nem mesmo "recusar-se a fazer um acordo determinado pelas autoridades competentes sob o pretexto de que pode ganhar a questão", quanto mais em se tratando de cumprimento de Decreto-regulamento que é ato normativo genérico, abstrato, compulsório e permanente tanto quanto a lei à qual se reporta.
Acresça-se, então, que a lei federal nº 8.966 de 04.07.94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia estabelece no § 1º do seu art. 3º que o advogado público dos Municípios sujeita-se, também, ao "regime próprio a que se subordinam".
Ora, esse regime é o da lei municipal nº 10.182 de 30.10.86 que determina ao procurador municipal representar o Município em Juízo (art. 2º) e que siga a autorização do Secretário dos Negócios Jurídicos, oficiando nos atos judiciais, especialmente, nas ações populares, "ex-vi" da lei federal nº 4.717 de 29.06.65, combinado com o art. 27 da lei municipal 10.182/86 e com o Decreto municipal nº 27.321 de 11.11.88 (art. 4º).
Assim, não se pode confundir advogado empregado que é advogado privado ¾ e que, mesmo nessa qualidade, "não pode atuar contra a vontade de seu cliente" ¾ com advogado público .
Essa confusão é inadmissível. Por isso, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, publicado no Diário da Justiça da União de 16.11.1994, distinguindo as duas categorias, regulamenta o exercício da advocacia pública pelos integrantes das Procuradorias dos Municípios, nos arts. 9º e 10 diferentemente do que o faz em relação às atividades do advogado empregado , nos arts. 11 a 14.
O art. 18 do Estatuto aplica-se, tão somente, ao advogado empregado e não ao advogado público porque este deve obediência ao seu regime próprio .
O parágrafo único desse art. 18 é explicito:
"O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego".
Trata-se, pois, de prestação de serviços profissionais do interesse pessoal dos seus empregadores. Não é a hipótese, aqui, analisada.
No caso sob exame, nem se pediu para o procurador defender o Prefeito do Município de São Paulo e sim determinou-se, na forma da lei, a defesa de interesse do próprio Município, em face do ato normativo expedido com fundamento de validez no art. 84, IV da Constituição Federal reproduzido no art. 69, III da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Não cabia ao procurador discutir o ato, tal como ficará explicitado linhas infra.
A eficácia do decreto normativo ¾ ato regulamentar
Expedido pelo Chefe do Poder Executivo
Foi dito, linhas supra, que o autor da ação requereu a citação da Municipalidade, como ré e, assim, o MM Juiz determinou.
Feita, então, a citação, o Município passou a ter legitimidade para contestar (art. 3º do Código de Processo Civil).
Conseqüentemente, para o Município, assim, residir em juízo somente poderia fazê-lo através do seu representante judicial, que é o procurador municipal (cf. art. 12, II do Código de Processo Civil combinado com os arts. 2º, I 13 e segs. da lei municipal nº 10.182/86).
Lembre-se, sobretudo, que o ato a ser defendido foi expedido no exercício da competência do órgão que o fez ¾ o chefe do Poder Executivo .
A impugnação desse ato somente poderia ser formulada:
a) por excesso de poder regulamentar , mediante sustação pelo Poder Legislativo no exercício de competência EXCLUSIVA (cf. inciso V do art. 49 da Constituição) ou
b) por via da argüição de ilegalidade formal perante o Poder Judiciário, uma vez que a ilegalidade material somente caberia ser argüida no caso concreto, portanto, "incidenter taritum" .
Por isso, nunca caberia a recusa de um servidor público para dar cumprimento a ato normativo regulamentar , enquanto uma dessas alternativas não tivesse sido provida.
Diga-se, de logo, que o autor da ação, que é um Vereador integrante da Câmara Municipal de São Paulo, tentou, sem sucesso, a sustação do ato via Poder Legislativo do Município. Foi vencido, até porque não existe na Lei Orgânica do Município de São Paulo a regra do inciso V do art. 49 da Constituição Federal e, não sendo norma de reprodução, a regra teria de ser expressa na lei municipal.
Quanto a alternativa "b" supra, o Juiz teve a cautela de mandar processar a ação sem a liminar, uma vez que não vislumbrou a necessidade de suspensão imediata da eficácia do Decreto, considerando não haver possibilidade de ocorrência de dano irreparável ao Município, porque possui todos os meios legais para cobrar dos contribuintes eventuais valores não recolhidos aos cofres públicos, por força das disposições do Decreto, se ele for tido por realmente irregular, quando do julgamento (sic).
Ora, invocado, pelo autor, o disposto no inciso LXXIII do art.5º da Constituição, embora não tivesse indicado, na lei que o regula, qual a lesividade causada pelo Decreto, há de supor-se que pretenda anulá-lo por considerar que se trate de ato lesivo ao patrimônio público.
Contudo, a longa petição inicial (doc. de fls. 41 e segs.) não logra demonstrá-lo, tanto que, todo o tempo, gira em torno da legitimidade do ato, circunstância que nem enseja a ação popular, nem tira a eficácia do Decreto enquanto não declarado ou o excesso de poder regulamentar ou a sua ilegalidade.
A lei, a Doutrina e a Jurisprudência são expressas no sentido de que a lesividade é a única causa de pedir da ação popular, porque hoje não se deve indagar sobre a legitimidade ou ilegalidade, até porque essa lei (nº4.717/65) enumera, exaustivamente , os requisitos de nulidade e de anulabilidade do ato para esse ser considerado lesivo ao patrimônio público (cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA , "Ação popular constitucional - doutrina e processo" São Paulo: RT, 1968, p.110).
Mas, onde está a lesividade do Decreto Municipal nº39.017 de 31.01.00?
Não há essa lesividade.
Lembra, muito bem a Informação da Assessoria Jurídica do Gabinete do Secretário dos Negócios Jurídicos (v. fls. 124 a 130) que o decreto foi editado para impedir a evasão de receita, com a migração de milhares de contribuintes para os municípios da região metropolitana e da grande São Paulo que, numa verdadeira " guerra fiscal ," praticam alíquotas a valores vis, a ponto de provocar competição inaceitável no plano da atividade financeira que, constitucionalmente, incumbe às entidades políticas. Esse êxodo de prestadores de serviços contribuintes do imposto corresponde à saída do município de São Paulo de um grupo econômico cuja atividade permite uma prestação quesível porque o tomador busca o serviço onde estiver o prestador ainda que seja, essa prestação, oferecida fora desse local.
Considerando essas circunstâncias de evasão é que a Exposição de Motivos da Secretaria de Negócios Jurídicos, justificando a da Secretaria de Finanças, no mesmo sentido, sugeriu ao Chefe do Poder Executivo a adoção da medida para conquistar esses contribuintes, dizendo que os estudos técnicos publicados em revistas especializadas e elaborados por entidades de classes
impõem ao Município de São Paulo a tomada de posição, considerando a necessidade de impedir essa evasão de receita , mediante instrumento jurídico incontestável judicialmente e incapaz de ser definido como perda de receita tributária que tivesse sido obtida.
Não se perde o que não se tem. No momento, o Município de São Paulo não tem essa receita e não há como obtê-la, nem a médio prazo,
considerando a ambigüidade hermenêutica já revelada nas divergentes decisões judiciais de Tribunais Superiores (cf. os acórdãos n°s Resp. -16033/91-2ª T, em 14.12.94, D.J. 13.02.05 e Resp.0041867/93 - 1ª T, em 04.04.94, D.J. 25.04.94; ambos do STJ):
"A regra geral sobre a competência para instruir o Tributo (ISS) é a do local onde se situa o estabelecimento prestador, excepcionando-se os casos de construção civil, em que a competência se desloca para o local da prestação . (Acórdão proferido pelo Resp n° 0016033/91 em 14-12-1994 pela 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça . Fonte DJ 13-02-95 pg. 02225)".
X.X.X
"Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do decreto lei nº 406/68) ela pretende que o ISS pertença ao município em cujo território se realizou o fato gerador. Considerando ser o "local da prestação do serviço que indica o município competente para a imposição do tributo (ISS), para que não se vulnere o princípio constitucional implícito que atribuiu àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território" . (Acórdão proferido em Resp n° 0041867/93 em 04.04.94 pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Fonte: DJ 25-04-94 pg. 09208)".
e
considerando a impossibilidade, por via de fiscalização, mesmo a mais tecnicamente, sofisticada, de apurar em que consistiria o valor de base de cálculo dessas atividades no território do Município de São Paulo, diante da diversificação de operações nos outros municípios e da circunstância de os prestadores dos serviços não se situarem, aqui.
Pelo exposto, o despacho do Secretário dos Negócios Jurídicos (fls. 134 a 140) autorizando o ingresso no feito para contestar a pretensão do autor, fez as seguintes considerações no plano , estritamente jurídico :
O local do pagamento, que a regra do art. 12 do Decreto-lei nº 406 de 31 de dezembro de 1968 procurou esclarecer para dirimir conflitos de competência, deixou de ter um critério pacífico com a interpretação divergente do Superior Tribunal de Justiça (cf. acórdãos supra referidos) ao adotar em uma dessas interpretações, o acórdão líder do Supremo Tribunal Federal, proferido em 24.03.72 (cf. RE nº 71.307 - PE - 1ª T. Rel. para o acórdão, Min. Oswaldo Trigueiro):
"Imposto sobre serviços. Não pode ser exigido com base no valor das transações efetuadas fora do Município"
É exatamente a expressão "fora do Município" que propicia a ambigüidade , porque pode conduzir. à interpretação segundo a qual o prestador desses serviços teria de ser um estabelecimento localizado no Município, pelo que seria mantida a mesma situação que se deseja extinguir. Tal é o exemplo de uma empresa de Contabilidade que atenda a clientes com endereço, em São Paulo, mas, cujo estabelecimento, onde ela prepara a "escrita" esteja fora do território paulistano, porque, neste caso os serviços não seriam prestados neste Município.
Consequentemente, melhor será fincar a regra no tomador do serviço , cuja qualificação passará à de responsável tributário que é matéria de reserva legal "ex-vi" do art. 97, III, combinado com o item II do parágrafo único do art. 121, todos do Código Tributário Nacional.
Há lei municipal tratando da matéria (cf. arts. 6º e 7º da lei nº 10.423 de 29.12.87). Apesar de essa lei somente disciplinar, expressamente, algumas atividades, não me parece que esta circunstância implique restrição à competência regulamentar do Poder Executivo, uma vez que a reserva legal referida antes é para a definição da espécie de sujeição passiva e não para a explicitação do conteúdo da definição legal dessa espécie.
Efetivamente, o fundamento de validez da providência regulamentar está, em grau maior, no princípio constitucional da competência tributária, no qual se insere o poder de tributar.
Essa jurisprudência fixa a competência do Município para arrecadar o imposto sobre serviço de qualquer natureza - ISS - em razão do local da prestação, isto é, dizem os julgados, "o ISS pertence ao Município em cujo território se realizou o fato gerador", porque "a lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidades, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga".
Vê-se, por isso, que restaria a ambigüidade, já anunciada linhas supra, se se falar na norma regulamentar em local da prestação , quando, efetivamente, busca-se o território municipal no qual houve a realização do fato , ainda que seja por filial, "cuja matriz tenha domicílio em outro" município.
A solução, portanto, para acabar com a "guerra fiscal" , sem incorrer na ambigüidade de interpretação resultante da jurisprudência invocada, está na sua regulamentação da base de cálculo .
Essa regulamentação é veiculada por Decreto "ex-vi" do disposto no art. 99 da lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional - "in verbis":
"o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta lei.
Assim como a regulamentação é instrumentalizada pelo Decreto, a base de cálculo é matéria cuja definição é de reserva legal (cf. arts. 146, III, "a" e 150, I da Constituição; art. 97, IV do Código Tributário Nacional).
A lei assim o fez em relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS: o Decreto-Lei nº 406 de 31 de dezembro de 1968 definiu, como lei de normas gerais de direito tributário, a base de cálculo desse tributo como sendo o preço do serviço e remete para as normas municipais de sua organização a competência para discriminar os elementos constitutivos desse preço.
É assim que o Município de São Paulo pôde, desde o início, estabelecer que o preço de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela autoridade fiscal; ou, até, poderá ser arbitrado na forma que o regulamento dispuser (cf. as leis nºs 6.989/66, 6.979/67)
O conteúdo e o alcance de normas como estas terão de ser expedidas pelo Decreto, contanto que não representem aumento do valor legal atribuído ao tributo, nem em perda de receita referente ao "quantum" de tributo cujo lançamento obedeceu a normas legais, constitucionalmente, legitimadas.
A minuta de Decreto proposta não ofende qualquer dessas ressalvas. Ao contrário, procura buscar receita que o Município não tem, fazendo-o mediante critérios correspondentes à interpretação judicial das normas que procura explicitar.
Neste ponto, vale invocar a jurisprudência do Tribunal competente, na organização judiciária paulista, para compor lides em que o Município é parte, qual seja o Primeiro Tribunal de Alçada Civil:
"Tributário - ISS - Empresa prestadora de serviços de colocação de mão-de-obra temporária - Recolhimento da remuneração correspondente à intermediação - Pretensão à exclusão dos salários e encargos repassados ao trabalhador temporário - Salários e encargos sociais que não se constituem em recita da intermediação - Preço de serviço que se constitui em base de cálculo do ISS - Recurso provido para julgar para julgar procedente a ação". (Ac. da 9ª Câm. Extraord. "B" do 1° TAC, unân., 02.04.97)
X.X.X
"Imposto Sobre Serviços - Mão de obra temporária - Município de São Paulo - Exercício de 1990 - Embargos à execução fiscal julgados improcedentes - Rejeição da preliminar de litispendência - Inexistência de relação entre a atividade de intermediária e as verbas questionadas pela municipalidade - Exclusão dos salários e encargos sociais pagos às pessoas recrutadas, para efeito de taxação do ISS - Trabalho temporário definido pelo artigo 2º da Lei nº 6.019/74 - Incidência do imposto apenas sobre a taxa de administração - recurso provido." (Ac. da 7ª Câm. Extraord. do 1º TAC, unâm. 19.05.97).
Por fim, a jurisprudência desses tribunais sugere que se explicitem regras sobre o "responsável tributário" definido no Código Tributário Nacional (cf. item II do parágrafo único do seu art. 121), cuja obrigação decorre de disposição expressa de leis municipais (cf. art. 59 e seu parágrafo da Lei nº 6989 de 29.12.66; art. 47 e seus parágrafos da lei nº 6979 de 20.04.67; art. 13 e seu parágrafo da lei nº 8809 de 31.10.78; parágrafo único do art. 6º e art. 7º e seu parágrafo ambos da lei nº 10.423 de 29.12.87).
Face a todo o exposto, no exercício da competência que a lei nº 10.182 de 30.10.86 e demais normas consolidadas (cf. Decreto nº 27.321 de 11.11.88) conferem à Secretaria dos Negócios Jurídicos para opinar sobre a matéria contida neste ofício nº 359/98-SF.G. do Senhor Secretário Municipal das Finanças, ofereço à alta apreciação e sábia decisão de Vossa Excelência a minuta substitutiva à elaborada por S. Excia., a fim de abranger contribuintes que se encontram em situação equivalente, "ex-vi" do inciso II do art. 150 da Constituição.
Por conseguinte, inexiste lesividade, até porque o Chefe do Poder Executivo exerceu sua competência regulamentar. Ora, o regulamento, em si mesmo, não pode ser ato lesivo. É o próprio legislador que o exclui, ao considerá-lo passível de ofensa e não ato ofensivo (cf. art.2º, "c" da lei 4.717/65).
O Decreto Municipal nº39.017/00 é, pois, regulamento de leis sobre a matéria que veicula e, assim, vincula todos os órgãos da Administração. É ato normativo genérico e abstrato emanado do Chefe do Poder Executivo Municipal no exercício de sua competência constitucional privativa, qual seja a de expedir regulamentos para a fiel execução das leis que sanciona, promulga e faz publicar.
O festejado CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO é exaustivo:
"13. Os poderes reguladores do Executivo, isto é, os de traçar normas gerais e abstratas, assentam-se notadamente na competência regulamentar. É que as demais normas dele procedentes, tais Instruções, Portarias, Resoluções, são regras inferiores, alocadas, na pirâmide jurídica, em escalão mais modesto, ou seja, em patamar menos sobranceiros que o Regulamento.
14. Pode-se, pois, adequadamente, tomar o Regulamento como paradigma para estudo da amplitude e, via de conseqüência, dos limites aos poderes que assistem ao Executivo na expedição de regras interferentes com a atividade dos indivíduos.
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21. Em rigor, a matéria do regulamento, seu objeto, é a disciplina das situações em que cabe discricionariedade administrativa no cumprimento da lei, da qual resultariam diferentes comportamentos administrativos possíveis.
Com fundamento no poder hierárquico , o Chefe do Poder Executivo restringe os comportamentos possíveis e especifica, para os agentes da Administração, a maneira de proceder. Assim, uniformiza processual e materialmente os comportamentos a serem adotados em face dos critérios que elege e das pautas que estabelece para os órgãos e agentes administrativos.
Estes são o objeto do regulamento e o fundamento da competência regulamentar.
22. O poder hierárquico é o assento em que se apóia o exercício desta função, mas a razão que lhe reclama a existência decorre tanto de imposições práticas a que o direito dá guarida, quanto de exigências jurídicas derivadas do princípio da igualdade (...).
É que o poder regulamentar só irrompe - acentuaram autores da maior suposição - quando a lei a ser cumprida reclama a interferência da Administração, como requisito de sua aplicação.
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44. a) A tripartição do exercício do Poder (...) é instrumento de garantia dos indivíduos.
b) A indelegabilidade de poderes, (...) visa a preservar o sistema tripartido, cumprindo, em última instância, função defensiva dos administrados ante os perigos a que estariam expostos se fosse rompida a inteireza do modelo.
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e) O regulamento é ato do Chefe do Poder Executivo pelo qual, com base em seu poder hierárquico , dispõe sobre o comportamento de órgãos e agentes administrativos.
f) O objeto do regulamento é o estabelecimento das regras e padrões a serem adotados pelos órgãos administrativos quando de sua obrigatória atuação reclamada como meio para o cumprimento da lei." (cf. "Ato administrativo e direitos dos administrados", São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, pp.88 a 103).
O Decreto Municipal nº39.017/00 traça normas gerais e abstratas para os órgãos da Administração, diante da diversidade interpretativa - de resto registrada nos julgados dos tribunais, os quais, os ditos favoráveis ao fisco, ainda, não são "erga omnes" - que vinha ensejando posições contrárias ao interesse público com o êxodo de contribuintes, antes referido.
As leis municipais sobre o imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS outorgam ao Chefe do Executivo, expressamente, o poder regulamentar sobre a matéria, embora essa forma explícita seja desnecessária porque esse poder está inerente à própria função administrativa do Chefe do Executivo.
É, também, a hipótese do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU - considerando que, em cumprimento do disposto no art. 146, III "a" da Constituição, o Código Tributário Nacional define a sua base de cálculo como sendo o " valor venal do imóvel" (art.33) e deixa à função administrativa, exercida no âmbito do Poder Executivo mediante o procedimento de lançamento, a indicação dos elementos constitutivos dessa respectiva base de cálculo.
O ISS, também, tem a sua base de cálculo definida pelo legislador como sendo o " preço do serviço ". Mas, o que é esse preço ? O legislador não forneceu os elementos constitutivos.
Por isso, a interpretação da norma do art.9º do Dec. lei nº 406/68 - que, materialmente, é a lei (complementar) de normas gerais do ISS - tem de ser feita com respeito aos postulados construídos pelas diversas ciências que têm o Direito como seu objeto, e que são ancilares da "ciência do direito stricto sensu", a ciência jurídica, a ciência normativa, a deontologia jurídica, a dogmática jurídica, ou qualquer outra denominação, mas, considerada na sua metodologia mais concernente com a realidade.
A ciência jurídica stricto sensu não pode fugir desse tratamento interdisciplinar que a teoria do positivismo jurídico metodológico renegou, sobretudo porque o contrário a esse tratamento é algo incompatível com o pluralismo do comportamento humano e porque é arraigado no conjunto de normas da fonte oficial, quando é verdadeira a existência de outras fontes compondo o pluralismo jurídico.
O ato de interpretar é criativo e, assim, tem de curar-se para não sair do limite da racionalidade. Betti (cf. Emilio Betti "la interpretacion de las leyes y actos juridicos" trad. José Luis de los Mozos, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1975, p.139) lembra que se a interpretação, como atividade espiritual, tem caráter criador, quer dizer, inventivo, sua natureza cognoscitiva faz de pronto compreender que não se trata de criação autônoma, originária e livre, senão de um recriar subordinado, derivado, vinculado a uma objetividade irredutível: a do preceito a interpretar, enquadrado na ordem jurídica de que faz parte. O Supremo Tribunal Federal assim entendeu, no julgamento do RE nº166.772-9 - RS, quando a sua maioria acolheu voto do eminente Ministro Marco Aurélio .
A norma jurídica reflete um ato humano, ao ser elaborada e ao ser interpretada, mediante os recursos da linguagem; por isso, a norma jurídica é um discurso que, como qualquer outra atividade espiritual, pode estar prenhe de ambigüidades. Daí a função do intérprete para a forma elaborada e dos recursos processuais, "embargos de declaração", para a forma de sua interpretação por ato jurisdicional. Em ambas essas hipóteses, pretende-se escoimar a norma de defeitos de comunicação de modo a que ela se torne confirmada pelo receptor.
O poder regulamentar que se encontra expresso no Decreto Municipal nº39.017/00 tem essa finalidade.
Todo o exposto permite afirmar que a interpretação dos elementos constitutivos do preço do serviço , na identificação da base de cálculo do ISS incidente sobre as atividades discriminadas no decreto, é a que têm adotado os tribunais, nos acórdãos que o inspiraram, isto é, excluindo do conteúdo semântico do signo preço todos os valores que, embora compondo o custo, não são remunerações diretas dessas atividades.
Enfim, o Decreto Municipal nº 39.017/00 não define base de cálculo ele especifica para os agentes da Administração Municipal, com fundamento no poder hierárquico do Prefeito , Chefe do Poder Executivo, "a maneira de proceder e, assim, uniformiza processual e materialmente os comportamentos a serem adotados em face dos critérios que elege e das pautas que estabelece para órgãos e agentes administrativos".
Logo, a Secretaria dos Negócios Jurídicos, por todos os órgãos de sua estrutura, "ex-vi" do disposto na lei nº 10.182 de 30.10.86, bem assim, todos os demais órgãos da Administração Municipal, deve obediência a essa expressão do poder regulamentar do Prefeito e tem razão a Assessoria, na sua Informação, ao lembrar que não deve prevalecer o entendimento de que os advogados dos contribuintes viriam a utilizar a peça de contestação da Municipalidade a essa ação popular para justificar a aplicação retroativa do decreto porque "estaria claro que desde a edição da lei o cálculo seria aquele exposto pelo ato atacado"(cf. fls.84), porque o decreto, por si só, "já refletiu a intenção da Municipalidade em pacificar essa matéria" e, portanto, basta o contribuinte invocá-lo. Acresça-se, porém, que o signatário da Informação nº1747/00 - PGM.AJC bem sabe que decreto, embora seja norma integrante do conteúdo semântico da expressão "legislação tributária", tal como o é, também, a lei, ele se distingue dela porque não pode operar os efeitos ditados pelo inciso I do art.106 do Código Tributário Nacional, mas, sim, os efeitos do inciso I do art.103 do mesmo Código.
Enfim, há de considerar-se que a Municipalidade é ré na ação e o interesse público já revelado no processo (SJ.G-000555/2000-6) iniciado pelo ofício nº359/98 - SF.G impõe que seja contestado o pedido.
O juízo desse interesse público é competência outorgada pela lei ao representante legal ou ao dirigente da pessoa jurídica de direito público respectiva e não ao representante judicial que tem de agir submetido ao seu regime jurídico.
Os fundamentos deste despacho, proferido em 19.05.00 justificaram, assim, a AUTORIZAÇÃO para que fosse, tempestivamente, CONTESTADO O PEDIDO, mas, o procurador não o obedeceu.
A competência do Secretário dos Negócios Jurídicos
O despacho transcrito nessas linhas antecedentes foi proferido, portanto, no legítimo exercício da competência outorgada pela lei municipal nº 10.182/86, ao Secretário tal como já esclarecido antes.
Nestas condições, não é verdadeiro que o Secretário tenha praticado ato manifestamente ilegal. Neste sentido o voto da Sra. Procuradora Relatora, acolhido pelo Conselho da Procuradoria Geral do Município:
"Bem por isso é de se afastar, de plano, a alegação de que a ordem emanada pelo Sr. Secretário seria manifestamente ilegal. Na hipótese versada, a ordem era legal, pois emanada de autoridade competente e lastreada em ato administrativo, no caso o Decreto, também inserido na esfera de competência do Chefe do Executivo" (sic. fl. 186)
A designação de procurador para oficiar no feito não é competência do Secretário ; como exposto na manifestação de fl. 243, "as ações judiciais são distribuídas de acordo com as competências dos Departamentos e a distribuição em cada um segue, igualmente, o critério de competência de suas Procuradorias e Subprocuradorias, sendo certo, ainda, que a designação do procurador , observado esse critério, é feita pelo chefe de Procuradoria ou Subprocuradoria , considerando, também, a conveniência, a necessidade de serviço e complexidade de cada caso, podendo, inclusive, as respectivas chefias tomar para si a condução do feito". (g.n.)
Ora, o Procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , era, exatamente, o Chefe da Procuradoria denominada FISC 4, responsável pelo acompanhamento da ação popular já mencionada.
A responsabilidade funcional do procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO
A Assessoria Técnico-Jurídica deste Gabinete já se pronunciou à respeito dos reflexos da perda de prazo por procurador Municipal, conforme parecer encartado nos autos do p.a. nº 1998-0.150.801-9, a seguir transcrito :
"Inicia-se o presente através do ofício encartado a fls. 2 com a comunicação, pelo MM Juiz que na Ação Declaratória ajuizada por Alice Martha Pinto Alves de Lima em face da Municipalidade, o prazo para contestação havia esgotado em 4/5/98, sem a devida manifestação.
A M.D. Sra. Procuradora Geral do Município determinou que o Departamento Fiscal esclarecesse a questão no prazo de quarenta e oito horas.
A fls. 5 "usque" 19 foi juntada cópia reprográfica da contestação, datada de 26 de junho de 1998 e assinada pela procuradora Anna Emília Cordelli Alves.
A fls. 19/21 consta manifestação daquela procuradora, aduzindo, em síntese:
- A ausência de contestação, nos autos do processo judicial, decorreu de falhas nos serviços administrativos da Procuradoria - Fisc 4, sendo a citação arquivada como se o feito tivesse sido contestado.
- A falha corrida não gerou os efeitos da revelia pois os direitos da Fazenda Pública, se qualificam como direitos indisponíveis.
- A procuradora peticionou junto ao MM. Juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública nesse sentido.
- Ofereceu ao Egrégio Juízo toda argumentação necessária à defesa dos interesses da Municipalidade.
- Inexistiu qualquer prejuízo processual para a Municipalidade, sendo a matéria devidamente equacionada.
- Houve alteração de competência em FISC 42, que responde por 1.641 ações de ISS e 735 referentes às taxas, distribuídas por três procuradores e um procurador-chefe.
- Que a redistribuição de competências, aliada à falta de condições materiais e humanas para o controle de serviço, acarretou essa consequência nefasta.
O Sr. Procurador Chefe, fls. 22, endossou a manifestação, e aduziu, em resumo, que: não houve prejuízo material para o Município em face da inocorrência da revelia; que entram por dia, em média, 30 novas ações.
A fls. 25 consta manifestação daquela procuradora reiterando que a falha ocorrida não gerou os efeitos da revelia, e que ingressou no feito, ofereceu toda matéria necessária à defesa dos interesses da Municipalidade, não havendo nenhum prejuízo processual.
O M.D. Diretor do Departamento Fiscal reitera a fls. 84 a não ocorrência da revelia no feito.
Proced, na manifestação encartada a fls. 88/89, entendendo que foi "materialmente demonstrada a perda do prazo para contestação por parte da Sra. Dra. Procuradora" e que, em tese(?!), configurou infração ao disposto nos artigos da regra estutária, propôs procedimento disciplinar, nos termos do art. 207 da Lei 8989/79 e observada a ampla defesa(?!).
A proposta foi endossada pela Sra. Diretora de PROCED, que sugeriu a instauração de inquérito administrativo contra a Procuradora.
É, em síntese, o que ocorreu no presente.
Após análise percuciente dos autos, entendo, "rogata venia", que não pode encontrar guarida a proposta elevada por PROCED.
Na análise dos autos não emergem elementos aptos a ensejarem a instauração de inquérito administrativo.
Ressalte-se, a contrário do que deduziu a digna Procuradora Assistente de PROCED, que o fato cometido por um servidor, nunca configura, em tese, a instauração de inquérito administrativo. A hipótese fática deve, com certeza, se subsumir aos artigos 188, III, 179 "caput" e 178, III. E, no caso presente, não houve essa subsunção.
A dúvida quanto aos fatos (ou autoria) não é passível de instauração de inquérito administrativo.
A propósito, o legislador Municipal trouxe à luz em seu ordenamento positivo a figura da averiguação preliminar, inserida no art. 88 e seguintes do Decreto nº 35.912/96.
Quando o fato ou a autoria for duvidosa, a chefia deve instaurar averiguação preliminar.
Para ser instaurado inquérito administrativo deve estar configurada a certeza da autoria e dos fatos. Caberá ao servidor processado, provar a sua inocência e ao Colegiado buscar as provas necessárias à sua condenação (demissão ou suspensão).
Parece-me, pois, que nesse sentido a manifestação da digna signatária de fls. (endossada pela Diretoria de PROCED) está divorciada, não só das normas administrativas, mas também, da processualista penal, que se aplica subsidiariarmente ao processo disciplinar.
Tornando-me ao caso em tela, verifica-se que a procuradora do Departamento Fiscal - Dra. Anna Emília Cordelli Alves, deixou de contestar um feito, no momento apropriado, porém não causou nenhum prejuízo processual (e material) à Municipalidade.
Consoante a manifestação de fls. a falha ocorreu nos serviços administrativos da Procuradoria, que arquivou a citação como se o feito houvesse sido contestado.
Com isso, verifica-se que a falha não foi da Procuradora, porém de terceiros.
Por outro lado, vislumbra-se na leitura deste processo que a Prefeitura não sofreu prejuízos de nenhuma ordem (processual ou material), uma vez que, os interesses da Fazenda Pública são indisponíveis.
Nos autos do processo judicial (cópia reprográfica encartada a fls. 26), o M.M. Juiz afastou os efeitos da revelia, pois esta, frise-se, não ocorre contra a Fazenda Pública Municipal.
Destarte, pelo que se lê no processo em epígrafe, trata-se do primeiro prazo que a citada procuradora perdeu. O seu prontuário funcional é imaculado, tendo ingressado no Município em 12/04/78 (fls. 86).
E, não é só: o prazo para contestar teria sido perdido por falha administrativa.
Contudo, preliminarmente à proposta sugerida, encaminhei os autos a Proced com as seguintes considerações:
"1) Quanto à alegação de que houve o arquivamento do mandado de citação, por falha nos serviços administrativos da Procuradoria Fiscal, tal fato descaracterizaria o "animus" da Senhora Procuradora responsável pelo andamento do feito em relação ao cometimento da falta que lhe é imputada;
2) Ao longo de todo o processo administrativo, há notícia de que não houve prejuízo para a Municipalidade, tendo o processo judicial prosseguido, sem o MM Juiz atribuir ao fato os efeitos que gerariam esse tipo de dano, face à não ocorrência da revelia e ao equacionamento processual da matéria;
3) A sugestão para a instauração do inquérito administrativo invoca dispositivos que pressupõem o dano, não sendo veiculado no processo qualquer prejuízo processual para a Municipalidade.
Assim, solicito que a Senhora Procuradora seja ouvida para posicionar o estágio em que se encontra o procedimento e, após essa informação, diga a Senhora Diretora se a conduta omissiva configura, em tese, infração que cause dano ao caso concreto."
Com isto, sobreveio nova manifestação da Assessoria Técnico-Jurídica deste Gabinete:
"Inicia o presente através do ofício do Excelentíssimo Senhor juiz da Vara da Fazenda Pública comunicando que na Ação Declatória ajuizada pela munícipe Alice Martha Pinto Alves de Lima o prazo para contestação havia transcorrido "in albis".
Esta chefia, após análise percuciente do quadro probatório encartado nos autos, divergiu de PROCED e sugeriu o seu arquivamento (fls. 91 "usque" 95).
Vossa Excelência, entretanto, houve por bem, e acertadamente, retornar os autos a PROCED, para serem juntadas novas provas.
A Senhora Diretora de PROCED, à vista dos novos elementos carreados nos autos, sugeriu a fls. 107/108, "o arquivamento do presente em razão da perda de seu objeto".
Preliminarmente, cabe-me ressaltar que os pareceres emitidos nesta Assessoria são eminentemente técnicos e são ofertados, unicamente, em consonância com o quadro probatório coligido nos autos.
No caso presente, infere-se que a perda do prazo, para contestar um feito, não acarretou nenhum prejuízo à Administração, e a MM. Juíza aludiu na r. sentença à contestação apresentada pela servidora.
Por aí se vê que inocorreu prejuízo à Fazenda, como bem foi apontado pelo Sr. Diretor do Departamento Fiscal.
Assim, elevo o presente à criteriosa apreciação de Vossa Excelência, com proposta de arquivamento do presente, ante a inexistência de infração disciplinar."
Naquela oportunidade, reunidos todos os elementos de prova, proferi o seguinte despacho:
I. "Em face dos elementos de convicção constantes do presente, em especial as manifestações de PROCED e da Assessoria Jurídica desta Pasta, que acolho, determino o arquivamento do presente, ante à inocorrência de infração disciplinar.
II. Publique-se.
III. Remeta-se à Unidade de Origem, após ao Departamento Fiscal, para ciência e arquivamento."
Referida decisão, portanto, fundamentou-se, basicamente, nos seguintes aspectos :
a) não houve prejuízo para a Municipalidade na perda do prazo processual porque o interesse do ente político no caso, é indisponível, logo não seria decretado a revelia
b) a Procuradora Municipal, assim que observada a falha, tomou todas as providências cabíveis , objetivando resguardar o interesse público : peticionou junto ao MM Juiz da 4ª VFP e ofereceu toda a argumentação necessária à defesa dos interesses da Municipalidade;
c) O MM Juiz afastou os efeitos da revelia e a ação teve seu curso normalizado, tanto que a r. sentença faz alusão à contestação apresentada, mesmo a destempo, pela procuradora;
d) diante das providências adotadas pela procuradora, verificou-se a inexistência de "animus abandonandi", da causa.
O entendimento esposado naqueles autos, entretanto, não se aplica ao presente caso, vez que ausentes os pressupostos fáticos que o embasaram.
E ainda, naqueles autos, ficou comprovada a providência da procuradora demonstrando a inexistência do elemento subjetivo da falta, ao contrário do que ocorre nos presentes autos, como se demonstrará a seguir.
A lei nº 10.182 criou o Conselho da Procuradoria Geral do Município, outorgando-lhe a competência, inclusive, para fazer correição (cf. inciso III do art. 7º da Lei 10.182/86).
Exercitando-a, esse colegiado reuniu-se em 28.06.00 e tomou conhecimento do ocorrido e decidiu acolher as conclusões da Relatora, a Procuradora Conselheira Zulmira Monteiro de Andrade Luz , no sentido de rejeitar a Representação do Departamento Fiscal sobre o Decreto nº 39.017/2000, e no sentido de ser inadmissível a conduta do procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO que não defendeu o Município, perdendo o prazo para fazê-lo. Sugeriu, então, a aplicação de pena da repreensão ao procurador.
Assim, a falta do p rocurador é grave, na medida em que o Município foi citado para integrar polo passivo como réu e o referido servidor deixou deliberadamente o prazo correr "in albis", por sua conta e risco.
Veja-se que, além de seu dever como advogado público , face ao regime próprio, o da lei nº 10.182/86, também, o procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO deve obediência à lei federal nº 8.906/94 (cf. § 1º do seu art. 3º).
Por conseguinte, ele teria de praticar os atos processuais, até que viesse, a seu pedido, ser substituído (cf. art. 45 do Código do Processo Civil e inciso XI do art. 34 da lei federal nº 8.906/94).
O procurador assim não procedeu, sendo agravante o fato de que, ao invés de recusar-se de pronto a elaborar a contestação, o que poderia ensejar de imediato, se fosse o caso, a sua substituição, manifestou-se, em 19.04.2000, no sentido de ser faculdade do titular da Pasta a autorização para não contestar o pedido, remetendo a questão à superior deliberação, o que permitiu deduzir que, em não havendo tal autorização, elaboraria ele a defesa, motivo pelo qual o expediente retornou ao mesmo procurador, não se cogitando na redistribuição do feito.
Agindo desta forma, o procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO impossibilitou à Administração a adoção de outras medidas para a efetiva defesa do interesse público em Juízo, mesmo porque ele somente recusou-se a contestar o feito às 17:45 horas do dia 22.05.2000, quando se esgotava o prazo judicial (vide fl. 145).
Na qualidade de Chefe da Procuradoria de Feitos Especiais - FISC 4 , também lhe competia acompanhar e controlar as ações sob sua responsabilidade, conforme competência atribuída pelos artigos 32, incisos II e III, e 34, inciso IV, do Decreto nº 27.321/88 , o que compreende a observância dos prazos judiciais, podendo, inclusive, designar Procurador para atuar no caso concreto, em consonância com a informação da Sra. Procuradora Geral do Município a fl. 243.
Assim, sendo o procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO um advogado público e no caso, representante legal, em juízo, do Município tem um "munus" que lhe tira a independência absoluta não lhe permitindo agir como o fez, deixando a causa sem substituto, causando prejuízo a ré que foi citada para contestar e não o fez .
Observo que os documentos anexados às fls. 262/276 comprovam que não foi tomada nenhuma medida no âmbito judicial para a defesa da Municipalidade nos autos da mencionada ação popular (processo nº 205/053.00.003646-6, 4ª V.F.P.), diferentemente do que ocorreu nos autos da ação declaratória ajuizada por Alice Martha Pinto Alves de Lima, que estava sob a responsabilidade da procuradora Anna Emília Cordelli Alves.
Em que pese ter sido protocolada defesa pelo co-réu , Sr. Prefeito do Município de São Paulo, é certo que não se confunde a defesa pessoal deste com a defesa do Município, mesmo que eventual decisão de improcedência do pedido venha aproveitar a ambos.
Portanto, não é lícito deduzir que a simples existência de contestação por um dos réus tem o condão de abstrair qualquer prejuízo aos demais, pois representam interesses diversos : de um lado o Prefeito, apresentando defesa de caráter pessoal ; de outro, a Municipalidade, apresentando a defesa do interesse público envolvido.
O prejuízo da Administração em virtude da omissão do Procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO é indiscutível, pois, figurando como ré no processo, terá que arcar com os ônus decorrentes de eventual decisão a ela desfavorável.
"Em suma, as funções das Procuradorias sempre serão ou de cunho representativo (também chamada judicial) ou de natureza consultiva.
As primeiras revelam sempre uma atuação ativa - expressão em sentido não técnico - da Administração, seja quando é exercida de ofício, por imposição legal de um dever de agir perante o Judiciário, seja na hipótese de ser demandada por eventual interessado, também junto a órgãos do Poder Judiciário.
Noutros termos, esta atuação dos Procuradores vincula a Administração, impõem a ela os efeitos de seus atos, quer positivos, quer negativos. Exemplificando, se se deixar transcorrer "in albis" o prazo recursal os efeitos da preclusão recairão sobre a Administração, não importa se no pólo ativo ou passivo da ação; se tiver uma tese rejeitada pelos tribunais sobre si mesma recairão os ônus decorrentes."( Cláudio Lysias da Silva, in A Relação Hierárquica no âmbito das Procuradorias Municipais - Revista Jurídica de Osasco 2/69 )
Desta forma, cometeu o procurador oficiante no feito irregularidade de natureza grave, ao deixar de cumprir dever funcional previsto no art. 2º , inciso I, da Lei Municipal nº 10.182/86, causando prejuízo à Administração Pública, infringindo, pois, o disposto nos arts. 178, inciso III e XI, e 179, "caput", da Lei nº 8.989/79.
A nulidade da Portaria nº 008/00 - FISC.G
Como já foi dito, o Conselho da Procuradoria Geral do Município, exercitando a competência que lhe é atribuída pela lei 10.182/86, reuniu-se em 28.06.00 e, acolhendo as conclusões da Relatora, a Procuradora Conselheira Zulmira Monteiro de Andrade Luz , sugeriu a aplicação de pena da repreensão ao procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , reconhecendo ser inadmissível a conduta deste, ao não defender o Município, perdendo o prazo para fazê-lo.
Em que pese o acertado entendimento daquele colegiado sobre a matéria, a pena de repreensão não é adequada, pois, como já foi dito, a falta do procurador é grave , na medida em que o Município, citado para integrar o polo passivo como réu por determinação do Juiz do feito, não contestou o pedido porque o servidor deixou deliberadamente transcorrer "in albis" o prazo judicial, por sua conta e risco.
Contudo, o processo foi remetido ao Departamento Fiscal onde o Procurador Diretor , inovando em matéria disciplinar, aplicou , através da Portaria nº 008/00 - FISC.G. a "pena provisória de REPREENSÃO" , sem a devida observância dos dispositivos legais atinentes à matéria, quais sejam, art. 187 da Lei nº 8.989/79 e art. 99 e seguintes do Decreto nº 35.912/96.
Outra vez inovando em matéria disciplinar, o Sr. Diretor de FISC determina que seja aberto prazo para defesa após a aplicação da pena , ferindo não só os dispositivos supra mencionados, mas também os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa .
O ato administrativo, para ser válido, deve conter determinados requisitos, como bem expõe Hely Lopes Meirelles :
"O exame do ato administrativo revela nitidamente a existência de cinco requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Tais componentes, pode-se dizer, constituem a infra-estrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão.
Além destes componentes, merecem apreciação pelas implicações com a eficácia de certos atos o mérito administrativo e o procedimento administrativo, elementos que, embora não integrem a sua contextura, concorrem para a sua formação e validade.
Sem a convergência desses elementos não se aperfeiçoa o ato, e, consequentemente, não terá condições de eficácia para produzir efeitos válidos. " ( Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, 16ª ed., pág. 127/128 )
A Lei Federal nº 4.717, de 29.06.65, em seu art. 2º, ao indicar os atos nulos, menciona os cinco elementos dos atos administrativos : competência, forma, objeto, motivo e finalidade .
Analisando a Portaria nº 008/00 - FISC.G sob esse prisma, é inquestionável tratar-se de ato administrativo nulo :
1º) objeto não previsto em lei
O objeto do ato administrativo em análise é a pena provisória de repreensão, inexistente no ordenamento jurídico municipal.
Conforme preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o "objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz". E prossegue :
" Sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato.
Para identificar-se esse elemento, basta verificar o que o ato enuncia, prescreve, dispõe.
(...)
Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei ), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos)."( Direito Administrativo, Ed. Atlas, 10ª ed., pág. 171)
Segundo a alínea "c", do parágrafo único, do art. 2º , da citada Lei nº 4.717/65, "a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo"
Assim, ocorrerá vício em relação ao objeto quando este for diverso daquele previsto na lei, como no presente caso. Não havendo, pois, previsão legal para a pena provisória de repreensão, é nula a respectiva Portaria disciplinar.
2º) ausência de motivo
O Diretor de FISC, ao aplicar a pena provisória de repreensão ao servidor , deixou de motivar o ato, seja no corpo da Portaria, seja fazendo remissão a parecer ou manifestação técnica .
Na verdade, consta da Portaria que esta foi expedida "acatando a deliberação do Egrégio Conselho da Procuradoria Geral do Município", o que, por si só não fundamenta o ato punitivo, mesmo porque o signatário não concordou com a posição adotada pelo Conselho, como consta da Ata de Reunião, assunto este tratado mais à frente, no item 4º.
"A ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo.
Não se confundem motivo e motivação do ato. Motivação é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram. Para punir, a Administração deve demonstrar a prática da infração" (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ob.cit., pág. 175)
3º) inobservância dos dispositivos legais que regem a matéria
Segundo Hely Lopes Meirelles, "a preterição de atos preparatórios ou a sua realização em desconformidade com a norma legal que disciplina o procedimento administrativo, pode acarretar a nulidade do ato final, desde que se trate de operações essenciais ou de requisitos de legalidade do ato principal." (ob.cit., pág. 133)
O procedimento a ser adotado para aplicação direta de penalidade está previsto no art. 187 da Lei nº 8.989/79 :
"Art. 187 - A autoridade que tiver conhecimento de infração funcional que enseje a aplicação de penas de repreensão e suspensão até 5 (cinco) dias deverá notificar por escrito o servidor da infração a ele imputada, com prazo de 3 (três) dias para oferecimento de defesa.
§ 1º - A defesa dirigida à autoridade notificante deverá ser feita por escrito e entregue contra recibo.
§ 2º - O não acolhimento da defesa ou sua não apresentação no prazo legal acarretará a aplicação das penalidades previstas no "caput" deste artigo, mediante ato motivado, expedindo-se a respectiva portaria e providenciada a anotação, em assentamento, da penalidade aplicada, após a publicação no Diário Oficial do Município."
O Decreto nº 35.912/96, em seus arts. 99 e seguintes, repete o dispositivo legal supra transcrito, acrescentando, no art. 101, que a pretensão punitiva encerra-se com a aplicação da penalidade na forma prevista no capítulo II.
Ao tratar sobre o tema, Carlos Ari Sundfeld preleciona que os atos expedidos sem a observância do procedimento previsto em lei, além de inválidos, não podem ser convalidados :
"b) Em regra, quando o requisito exigido pela lei e omitido no surgimento da decisão, for ato da Administração, o convalescimento não será possível. Embora também se trate de ato (que poderia, em tese, ser praticado posteriormente com efeito desde a data da decisão a que serve de suporte) sua função normal é a de resguardar interesses de terceiro, que não seriam atendidos com um procedimento artificial, fabricado ulteriormente. O procedimento licitatório, por exemplo, compõe-se de uma sucessão de atos que visam a assegurar aos particulares a oportunidade de participação ou de fiscalização do certame. Não há como tentar suprir, após a contratação, a falta do procedimento ou parte dele. O mesmo se dá com o procedimento disciplinar, que objetiva a apuração das faltas funcionais : a defesa regular do acusado deve preceder à aplicação da sanção ; o procedimento inverso resultaria forjado." (Ato Administrativo Inválido, Ed. RT, 1990, pág. 67)
4º) do desvio de finalidade
O Diretor de FISC, ao editar a Portaria nº 008/00, agiu com desvio de finalidade, ou desvio de poder, posto que nunca foi sua intenção punir o procurador, intenção esta expressa na própria ata de reunião do Conselho da Procuradoria Geral do Município, da qual participou.
Observe-se, neste sentido, o teor da ata de fls. 185, publicada no D.O.M. de 01.07.2000 :
"(...)O Dr. Oduvaldo Azeredo disse não concordar com a aplicação de qualquer penalidade ao procurador, tendo em vista que este agiu de acordo com as suas convicções jurídicas e embasado em doutrina.
............................................................................................................
Encerradas as discussões, foi colocada em votação a proposta de aplicação da pena de repreensão ao procurador do feito, Dr. Cesar Antonio Alves Cordaro, que foi aprovada por maioria de votos (seis a favor e dois contra, do Dr. Oduvaldo Azeredo e da Dra. Maria Sylvia Nogueira de Toledo), acatando-se a sugestão da Sra. Relatora, determinando-se que o expediente fosse remetido ao Departamento Fiscal, para prosseguimento; (...)
A Lei nº 4.717/65 , em seu art. 2º, considera caracterizado o desvio de finalidade quando "o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência". Desta forma, o desvio de finalidade, como causa de nulidade dos atos administrativos, está previsto expressamente no direito positivo pátrio.
O desvio de poder, ou de finalidade, é artifício utilizado pela autoridade para a satisfação de interesse pessoal próprio, ou favorecer interesse particular de outrem, sob o disfarce da legalidade.
Desta forma, a portaria disciplinar que não objetiva punir o servidor não atende à sua finalidade legal.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Cretella Júnior, ensina que "base para a anulação dos atos administrativos que nele incidem, o desvio de poder difere dos outros casos, porque não se trata aqui de apreciar objetivamente a conformidade ou não conformidade de um ato com uma regra de direito, mas de proceder-se a uma dupla investigação de intenções subjetivas : é preciso indagar se os móveis que inspiram o autor de um ato administrativo são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam realmente inspirá-lo". ( ob.cit. , pág. 200 )
O que os doutrinadores observam, entretanto, é a dificuldade da prova com relação ao desvio de finalidade, face à necessidade de configuração do elemento subjetivo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ainda citando Cretella Júnior, aponta, como indícios do desvio de poder :
a) "a motivação insuficiente,
b) a motivação contraditória,
c) a irracionalidade do procedimento, acompanhada da edição do ato,
d) a contradição do ato com as resultantes dos atos,
e) a camuflagem dos fatos,
f) a inadequação entre os motivos e os efeitos,
g) o excesso de motivação".
Hely Lopes Meirelles salienta que "dentre os elementos indiciários do desvio de finalidade está a falta de motivo ou a discordância dos motivos com o ato praticado. Tudo isto dificulta a prova do desvio de poder ou de finalidade, mas não a torna impossível se recorrermos aos antecedentes do ato e à sua destinação presente e futura por quem o praticou." ( ob.cit., pág. 92/93, g.n.)
Assim sendo, analisando o ato em si, bem como a manifestação contrária do Diretor de FISC , discordando da aplicação da pena perante o Conselho da Procuradoria Geral, pode-se perceber que a Portaria foi expedida tão somente para "demonstrar o cumprimento" da deliberação do colegiado, mas nunca objetivando a punição do servidor ; daí o por quê da ausência de motivação, o desrespeito ao procedimento legal (não é admissível que o Diretor do Departamento desconhecesse o diploma estatutário), a "criação" da pena provisória e a ausência de publicação do ato.
O procedimento inusitado do Sr. Diretor de FISC culminou, enfim, com mais uma inovação em matéria disciplinar : a não confirmação da pena provisória de repreensão aplicada.
5º) do fundamento jurídico
O fundamento jurídico para a aplicação da referida "pena provisória de repreensão" foi a infração, pelo servidor, ao inciso II do art. 178 do Diploma Estatutário, que dispõe :
"Art. 178 - São deveres do funcionário :
.........................................................
II - cumprir as ordens superiores, representando quando forem manifestamente ilegais; "
No entanto, este artigo não se aplica ao caso concreto. O despacho foi proferido pelo titular da Pasta nos termos da Lei Federal nº 4.717/65 e no legítimo exercício da competência outorgada pela lei municipal nº 10.182/86.
A designação de procurador para oficiar no feito não é competência do Secretário; esta designação é da Procuradoria e, desta forma, o Secretário não expediu qualquer determinação direta ao procurador CESAR ANTONIO ALVES CORDARO .
O Secretário tem competência, apenas, para autorizar , genérica e abstratamente, no interesse do Município, a sua respectiva defesa que, no caso, era abundante face ao dever do Procurador de defender a Municipalidade em juízo, já admitida como ré, por ter sido, regularmente citada.
A competência da Procuradoria Geral do Município é outorgada pela lei municipal nº 10.182/86 (cf. arts 4º e segs.) tal como estabelecido pelo Decreto 27.321 de 11.11.88 quando a implantou por determinação do art. 27 desta lei (v. cópias, em anexo, de ambos os atos).
Nestes termos, como o procurador recebe as suas atribuições diretamente desses atos genéricos, abstratos e compulsórios, o Secretário, além de não poder alterá-los, também, neste caso não tem força hierárquica funcional para determinar ao colega subordinado que assuma defesa recusada; mas lembre-se, sempre, que esse colega, sendo advogado público , não tem, evidentemente, independência absoluta para deixar de defender o ente público a que se vincula por regime jurídico próprio ¾ o desses atos: lei 10.182/86 e Decreto 27.321/88.
A competência para invalidação de ato administrativo
A anulação de atos administrativos eivados de ilegalidade não só é um poder da Administração, como também um dever, com fundamento no princípio da legalidade, ao qual está vinculada.
" Anulação , que alguns preferem chamar de invalidação é o desfazimento do ato administrativo por razões de ilegalidade.
Como a desconformidade com a lei atinge o ato em suas origens, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi emitido (efeitos ex tunc, ou seja, a partir de então).
A anulação pode ser feita pela Adminstração Pública, com base no seu poder de autotutela sobre os próprios atos, conforme entendimento já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal por meio das Súmulas nºs 346 e 473. Pela primeira, "a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos"; e nos termos da segunda, "a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
(...)
Para nós, a Administração tem, em regra, o dever de anular os atos ilegais, sob pena de cair por terra o princípio da legalidade." ( Maria Sylvia Zanella di Pietro, ob.cit., pág. 194/195)
"A competência que a Administração possui é a de aplicar a lei, para atingir sua finalidade. Quando pratica um ato, não exerce simplesmente uma faculdade de agir no espaço de autonomia a ela reservado. Já se disse que a Administração não tem liberdade, mas desempenha função, caracterizada como dever de agir, o que faz nos estritos limites do mandamento legal. Praticar atos administrativos é uma maneira de cumprir a lei. Invalidá-los é, apenas, outra maneira de fazê-lo." (Carlos Ari Sundfeld, ob.cit., pág. 83)
Portanto, estando a Administração vinculada aos ditames da lei, tem o dever de restaurar a legalidade, revendo seus próprios atos.
A matéria é pacífica, tendo sido objeto da Súmula nº 473 do STF, segundo a qual "a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos".
A competência para invalidação de ato administrativo é atribuída tanto ao próprio órgão que o expediu, como também ao superior hierárquico, com fundamento no poder de autotutela e na competência concorrente do órgão superior com o órgão inferior, na matéria.
CONCLUSÃO
Finalizando, conclui-se que a decisão deste Secretário, contida no despacho de fl.94/103 do p.a. 2000-0.101.209-2 e encaminhado ao Departamento Fiscal da Procuradoria Geral do Município, frise-se, por oportuno, decisão esta proferida nos estritos termos do disposto no § 3º, do art. 6º, da Lei Federal nº 4.717/65, e no uso da competência estabelecida na Lei Municipal nº 10.182/86 e Decreto nº 27.321/88 , não foi observada pelo Procurador Chefe da Procuradoria de Feitos Especiais - FISC 4 , responsável pela ação popular, nos termos dos artigos 32, incisos II e III, e 34, inciso IV, do Decreto nº 27.321, de 11.11.88 , deixando de cumprir seu dever funcional , conforme art. 2º , inciso I, da Lei Municipal nº 10.182/86.
Trata-se de falta funcional de natureza grave , na medida em que o Município, citado para integrar polo passivo como réu por determinação do Juiz do feito, não contestou o pedido porque o referido servidor deixou deliberadamente correr "in albis" o prazo judicial, por sua conta e risco.
Ressalto, mais uma vez, que a competência para o exercício da faculdade legal constante no § 3º, do art. 6º, da Lei Federal nº 4.717/65 , é do Secretário dos Negócios Jurídicos, e não do procurador oficiante no feito, de forma isolada e no caso o ato é vinculante também do procurador tendo em vista a qualidade de réu já definida pelo juiz; a este procurador competia, então, desempenhar com zelo e presteza as funções que lhe foram atribuídas na defesa do interesse da Municipalidade, que foi citada para contestar o pedido, repita-se, por força de determinação judicial .
"Qualquer pessoa, por seu risco e conta, pode considerar um ato como inválido e negar-lhe obediência , o que independe da espécie de invalidade que está em jogo. Porém, ressalte-se, isso ela faz por seu risco e conta. A consideração, definitiva e imutável, de que um ato é inválido, só pode ser feita pelo Poder Judiciário, de modo que, até sua decisão, tudo é risco, embora a decisão seja, dentro de certos limites, previsível.
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Ora, um ato inválido pode ser desobedecido. Já vimos que a desobediência se faz sob risco, já que o órgão competente poderá entender que inexiste invalidade. Mas, se a própria Administração reconhece o vício - e disto também se trata na convalidação - deve desaparecer o risco, e ninguém pode sofrer consequências gravosas por haver atendido à lei. O mínimo que se pretende, no Estado de Direito, é que o indivíduo possa, com base na lei, prever as consequências de suas ações. " (Carlos Ari Sundfeld, ob.cit., págs. 26 e 73)
Ante o exposto, e no uso da competência a mim atribuída pela Lei Municipal nº 10.182, de 30.10.86 e Decreto nº 27.321, de 11.11.88, ANULO a Portaria nº 008/00 - FISC.G por não preencher os requisitos de validade do ato administrativo, tendo sido expedida ao arrepio da legislação em vigor, em especial arts. 184 e 187 da Lei nº 8.989/79, e arts. 99 e seguintes do Decreto nº 35.912/96, por apresentar vícios quanto ao motivo, objeto e finalidade, bem como por ter desrespeitado os princípios constitucionais da legalidade, contraditório, devido processo legal e ampla defesa, declarando, consequentemente, nulos os demais atos dela decorrentes, e DETERMINO , com fulcro no art. 207 da Lei nº 8.989/79 e art. 66, II do Decreto nº 35.912/96 a instauração de Inquérito Administrativo contra CESAR ANTONIO ALVES CORDARO , RF nº 510.636.2.00 , em razão da infração ao disposto nos arts. 188, incisos III e VII, 179, "caput", e 178, incisos III, XI e XII, todos da Lei nº 8.989/79.
Publique-se e em seguida encaminhe-se o presente a PROCED para prosseguimento, nos termos do disposto na Seção IV, do Capítulo VI, da Lei nº 8.989/79 e arts. 73 e seguintes do Decreto nº 35.912/96 .
DESPACHO 90612/00 - SJ
RETIFICAÇÃO
DE PUBLICAÇÃO DOM 6.12.00
Publicado novamente por ter saído com incorreções:
Ofício SP 2000/2077 TR 2044 AVS