Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 88/06
OF ATL nº 16/10
Ref.: OF-SGP23 nº 4451/2009
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 88/06, de sua autoria, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 14 de dezembro de 2009, que impõe a instalação de um depósito para recebimento gratuito de resíduos da construção civil, em uma área pública desocupada, no âmbito da jurisdição de cada uma das Subprefeituras, em local e nos termos fixados pelo Subprefeito.
Previamente à análise da propositura, mister se faz uma breve exposição acerca da disciplina legal vigente em nível nacional e local no que respeita à gestão dos resíduos da construção civil no Município de São Paulo.
A Resolução nº 307, de 5 de julho de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, prevê a elaboração, pelos Municípios, de um plano integrado de gerenciamento de resíduos da construção civil, composto por um programa municipal voltado aos pequenos geradores, com implementação a cargo do próprio Município e, também, por regras sobre projetos de gerenciamento a serem apresentados pelos grandes geradores para a fixação dos procedimentos de manejo e destinação ambientalmente adequados dos resíduos.
Por sua vez, no tocante à matéria em exame, o Plano Diretor Estratégico, bem como a Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, que instituiu o Sistema de Limpeza Urbana do Município, adotaram como diretrizes o estímulo à gestão compartilhada do sistema de limpeza pública e a responsabilidade dos munícipes sobre os resíduos de grande volume, tais como entulhos e grandes objetos (art. 71, III, do PDE e arts. 6º, III, e 141 da Lei nº 13.478/02).
De modo mais específico, a Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, prescreve, em seu artigo 15, que os bens inservíveis e os resíduos da construção civil serão dispostos em pontos de entrega para pequenos volumes, áreas de transbordo e triagem, áreas de reciclagem e aterros e, em seu artigo 16, que as Subprefeituras indicarão e destinarão em cada distrito áreas municipais para a instalação dos referidos pontos de entrega.
Em perfeita harmonia com a mencionada norma federal e com todas as citadas leis municipais, sobreveio a edição da Lei Municipal nº 14.803, de 26 de junho de 2008, que instituiu o Plano de Gestão Sustentável do Entulho para o Município, elaborado pela Administração Municipal em parceria com entidades da sociedade civil, o qual articula ações públicas e ações da iniciativa privada com vistas a facilitar o descarte e o reaproveitamento dos resíduos da construção civil e dos bens inservíveis, além de incentivar a instalação de áreas particulares para tais finalidades.
Dessa forma, referido Plano contempla tanto o programa municipal para os pequenos geradores, quanto a normatização dos projetos de gerenciamento relativos aos grandes geradores, sendo constituído por duas redes de áreas, a saber, uma Rede de Pontos de Entrega, com equipamentos a serem implantados em cada distrito das Subprefeituras, para a prestação de serviços de limpeza urbana em regime público, destinados ao recebimento de resíduos da construção civil e volumosos limitados a 1m³ por descarga diária; e uma Rede de Áreas para Recepção de Grandes Volumes, com áreas de transbordo e triagem, áreas de reciclagem e aterros, para a prestação de serviços de limpeza urbana em regime privado, aptos à recepção dos mesmos resíduos quando contidos em volumes superiores a 1 m³, para triagem, eventual transformação e adequada disposição.
Em observância a todos esses preceitos legais, a Administração Municipal já implantou 37 pontos de entrega, denominados ecopontos, relevando informar que, de acordo com o Programa de Metas da Cidade de São Paulo - Agenda 2012, há previsão de implantação de mais 61 ecopontos para atender, com toda a cobertura possível, os 96 distritos que compõem o território paulistano. A Cidade já conta também com 5 áreas de transbordo e triagem, 17 áreas de reciclagem e 2 aterros operados sob o regime de direito privado.
Feita a exposição sobre o quadro jurídico vigente acerca da matéria, bem como as ações governamentais e aquelas já levadas a efeito por parte da iniciativa privada, passo, a seguir, a apontar as impropriedades que permeiam o texto vindo à sanção.
A medida aprovada não apenas revela-se em descompasso com a normatização e diretrizes estabelecidas em âmbito nacional e local sobre o assunto, estando, via de consequência, dissociada do Plano de Gestão Sustentável do Entulho, como também impõe ação menos abrangente do que a atualmente adotada, não conferindo adequado tratamento técnico à questão.
Destarte, o artigo 1º obriga à instalação de um só depósito na região de cada Subprefeitura, enquanto as Leis nº 13.885, de 2004, e nº 14.803, de 2008, determinam que todos os distritos disponham de pontos de entrega, para não se falar também das áreas para transbordo e triagem, reciclagem e aterros para disposição dos resíduos em tela, cabendo assinalar que o número de distritos existentes é mais do que três vezes superior ao número de Subprefeituras.
A par disso, a iniciativa aprovada, contrapondo-se à sistemática legal vigente e, inclusive, ao princípio constitucional da eficiência que deve nortear os atos da Administração Pública, refere-se a meros depósitos e não a equipamentos que possam realizar também a triagem, reciclagem e adequada disposição dos resíduos; não restringe a quantidade dos resíduos entregues, ao passo que os ecopontos são projetados para o recebimento de quantidades de até 1m³ e as demais áreas, para o recebimento do material que ultrapasse esse volume; exclui a possibilidade de captação, nesses depósitos, dos pequenos bens inservíveis; e, ainda, ao determinar a sua instalação em áreas públicas, sem previsão de exceção, desconsidera a atuação da iniciativa privada no caso dos grandes volumes.
Ademais, o artigo 2º restringe o uso dos depósitos às pessoas físicas, sem alcançar eventual intuito de minimizar o volume de resíduos nesses espaços, visto que a natureza jurídica de uma pessoa não se afigura critério determinante para tal limitação quantitativa. Ora, uma pessoa, seja física ou jurídica, pode ter elevadas ou pequenas quantidades de resíduos de construção civil, tanto que a legislação pertinente ao tema, ao definir os geradores de resíduos da construção e volumosos, não contempla a mesma distinção. Confira-se, a propósito, o inciso II do artigo 2º da Resolução CONAMA nº 307, de 2002, os incisos IV, V, VIII e IX do artigo 1º da Lei nº 14.803, de 2008, e os incisos III e IV do artigo 2º do Decreto nº 42.217, de 24 de julho de 2002.
Relativamente aos §§ 2º e 3º do artigo 1º do ato ora analisado, os quais proíbem o depósito de resíduos da construção em locais diversos daqueles estabelecidos “em lei”, assim como fixam multa para o caso de descumprimento ao “disposto nesta lei”, importa ressaltar que tais condutas já se encontram devidamente capituladas como infrações, inclusive de forma detalhada, nos artigos 161, 162 e 166 da Lei nº 13.478, de 2002, e no artigo 3º, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 14.803, de 2008, ficando o infrator sujeito à cominação das correspondentes multas pecuniárias previstas nos anexos VI e I das citadas leis, respectivamente.
Cuidando-se de matéria já regida pela legislação específica em vigor, contraria o interesse público o advento de nova norma legal dispondo a respeito de idêntico assunto, porém de maneira vaga e genérica, sem apontar de modo preciso o comportamento ilícito que pretende apenar, dado o previsível tumulto que tal duplicidade normativa causaria à ação fiscalizatória municipal, em face da coexistência de duas multas pecuniárias com valores diversos para as mesmas condutas infringentes, com os efeitos administrativos e até mesmo judiciais daí decorrentes.
Finalmente, o projeto em exame dispõe sobre organização administrativa com evidente interferência nas atividades e competências próprias dos órgãos municipais e também sobre a administração dos bens municipais, cuja iniciativa legislativa cabe exclusivamente ao Chefe do Executivo, a teor do artigo 37, § 2º, inciso IV, do artigo 69, inciso XVI, e do artigo 70, inciso VI, todos da Lei Orgânica do Município, malferindo, assim, o principio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, albergado no artigo 2º da Constituição Federal e no artigo 6º da Lei Maior Local.
Por conseguinte, sou compelido a vetar integralmente o projeto de lei aprovado, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.
Reencaminho, pois, o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis, renovando a essa Presidência, na oportunidade, protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo