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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 653/2007; OFÍCIO DE 8 de Fevereiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 653/07

Ofício ATL nº 52/08

Ref. Ofício SGP 23 nº 0061/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, na sessão de 18 de dezembro de 2007, relativa ao Projeto de Lei nº 653/07, de autoria do Vereador Mário Dias, que visa instituir a cobertura de sinistros, especificamente roubos e furtos, dos veículos estacionados nas vias públicas na denominada Zona Azul.

Com esse propósito, a medida confere autorização ao Executivo para, por meio de licitação, contratar empresas para viabilizar o mencionado serviço, podendo optar pela cobertura por lotes regionais ou empresas distintas para cada região; determina, ainda, que o bilhete de Zona Azul deverá ser confeccionado de forma a gerar efeitos de apólice de seguro, com indicação das seguradoras responsáveis e das regiões de cobertura, a ser entregue em duas vias, para que uma permaneça exposta no veículo e a outra com seu proprietário ou condutor; dispõe, também, que o percentual de cobertura do sinistro será fixado pela Prefeitura em consonância com as empresas contratadas.

Sem embargo do meritório intento de seu autor, o texto aprovado não reúne condições de ser convertido em lei, motivo pelo qual sou compelido a vetá-lo integralmente, com fundamento no § 1o do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, pelas razões a seguir aduzidas.

Inicialmente, deve-se esclarecer que a operação do estacionamento rotativo pago tem seu lastro no Código de Trânsito Brasileiro e na correspondente legislação municipal (Decreto nº 11.661, de 30 de dezembro de 1974, e alterações posteriores). Seu objetivo principal é proporcionar a rotatividade de vagas mediante o uso racional do espaço viário, em benefício de todos, e o aumento da oferta de vagas para estacionamento em áreas adensadas. Seu resultado direto é a melhoria da segurança e da fluidez do trânsito com a diminuição dos congestionamentos, além de atender ao comércio que, evidentemente, se beneficia pela regulamentação.

É de se ressaltar que o estacionamento na via pública é parte integrante do sistema de trânsito, não caracterizando a comercialização de vagas, mas a administração de um espaço público cada vez mais escasso, em uma estrutura saturada por demanda e que apresenta baixa oferta de vagas de estacionamento.

Assim, o Código de Trânsito Brasileiro – CTB confere aos órgãos executivos de trânsito dos municípios, no âmbito de sua circunscrição, a atribuição para implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias públicas e, ainda, para planejar, projetar, regulamentar, executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas por infrações de circulação, estacionamento e parada (artigo 24, II, VI e X).

No Município de São Paulo, o Sistema de Estacionamento Rotativo – conhecido como Zona Azul – é gerenciado pelo Departamento de Operação do Sistema Viário – DSV, devendo ser, para a administração desse sistema, observados parâmetros resultantes de estudos técnicos na delimitação de vagas e na fixação dos preços públicos correspondentes ao estacionamento nas áreas marcadas.

Dessa forma, de pronto se verifica que a propositura acaba por invadir a esfera de competência do Executivo, configurando violação aos princípios constitucionais da independência e harmonia entre os Poderes, consagrados no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzidos nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Maior Local.

De outra parte, o projeto aprovado, ao estabelecer a obrigatoriedade de manutenção do seguro para os veículos estacionados na Zona Azul, cria um pesado e injustificado ônus à Administração Municipal, ampliando, na verdade, o âmbito de sua responsabilidade civil.

A responsabilidade civil do Estado tem contornos definidos no texto constitucional, que a prevê no § 6º do artigo 37, e decorre da prestação da atividade tipicamente estatal.

Tal responsabilidade, conquanto objetiva, não alcança, obviamente, a hipótese em que o Poder Público não é o agente causador do dano, mas sim, terceiros. Em outras palavras, a Administração deve indenizar os administrados por atos pelos quais for responsável, e não por delitos praticados por terceiros, ainda que em logradouros públicos.

A proposta imputa, assim, ao Município, responsabilidade em desacordo com os preceitos constitucionais.

Diferente é a situação dos veículos estacionados em estabelecimentos comerciais, uma vez que, nesses casos, o responsável pela guarda do veículo é quem explora a atividade econômica, devendo suportar os riscos dela decorrentes. Já a Zona Azul não caracteriza a exploração de atividade econômica pelo Poder Público, nem visa lucro, mas, ao contrário, tem em vista a democratização do uso das vias públicas e a administração de bens municipais. De forma alguma esse sistema tem por escopo guardar e proteger veículos, tratando-se, na verdade, de uma autorização de uso da via pública, a título precário, não configurando um contrato.

Observe-se que nos estacionamentos particulares, o ingresso do veículo é devidamente comprovado, ao contrário da Zona Azul, onde qualquer do povo pode colocar e retirar seu automóvel e posteriormente alegar a ocorrência de furto ou roubo no local. Nem há como se comprovar que o veículo esteve de fato ali estacionado.

Ademais, ao estatuir que o bilhete de Zona Azul terá os efeitos de uma apólice, a proposta incide em inconstitucionalidade, por efetivamente legislar sobre seguros, matéria de competência privativa da União, a teor do disposto no artigo 22, inciso VII, da Constituição Federal.

A propósito, as operações de seguros privados realizados no país estão sujeitas às normas editadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, ao qual compete, entre outras atribuições, estabelecer as diretrizes da política de seguros privados e as características gerais dos contratos de seguros, e pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, a quem compete baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro e fixar as condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional, e examinar e aprovar as condições de coberturas especiais, bem como fixar as taxas aplicáveis (artigos 32, incisos I e IV e 35, alíneas “b” e “c” do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966).

A respeito do assunto, especificamente, a Circular SUSEP nº 241, de 9 de janeiro de 2004, dispõe sobre a estruturação mínima das condições contratuais e das notas técnicas atuariais dos contratos de seguros de automóvel, com inclusão ou não, de forma conjugada, da cobertura de responsabilidade civil facultativa de veículos e/ou acidentes pessoais de passageiros.

Considerando suas disposições, conclui-se que a contratação de um seguro dessa natureza seria provavelmente inviável, pois a apólice e a nota técnica atuarial devem conter, entre outras informações e condições, a perfeita indicação do bem segurado, o valor atribuído ao bem, os prêmios discriminados, respostas do questionário de avaliação de risco, todas as coberturas do seguro, a definição de todos os parâmetros e variáveis utilizados, elementos esses de dificultosa determinação relativamente ao amplo universo dos veículos que se utilizam da Zona Azul.

Diga-se, ainda, que, a prevalecer a medida alvitrada, o custo financeiro da contratação do seguro teria que ser suportado diretamente pela Municipalidade ou indiretamente por toda a população usuária do referido sistema.

Por fim, impende apontar que as despesas impostas ao erário pressupõem a existência de verbas, de maneira que a falta de indicação dos correspondentes recursos e a inexistência de estimativa do impacto orçamentário acham-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e os artigos 15 a 17 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, impossibilitando, de qualquer maneira, a implementação da providência.

Ante o exposto, vejo-me na contingência de vetar o projeto de lei, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo