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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 606/2008; OFÍCIO DE 28 de Janeiro de 2009

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 606/08

OF. ATL nº 17/09

Ref.: Ofício SGP-23 nº 00082/2009

Senhor Presidente 

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Projeto de Lei nº 606/08, de autoria do então Vereador Carlos Neder, que estabelece critérios para a criação e estruturação de Fundações Estatais, define as áreas de sua atuação e dá outras providências.

A propositura, conforme expresso na respectiva justificativa, baseia-se no Projeto de Lei Complementar Federal nº 92/2007, de iniciativa da Presidência da República, que “regulamenta o inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal, parte final, para definir as áreas de atuação de fundações instituídas pelo Poder Público”, ainda em trâmite perante o Congresso Nacional, observando que alguns Estados, como Bahia e Sergipe, além de Municípios, já contam com legislação própria.

Não obstante seu nobre propósito, porém, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, por incidir em inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

O texto vindo à sanção enquadra as atividades da saúde e do meio ambiente como áreas passíveis de exercício por fundação pública de direito privado denominada Fundação Estatal, autorizando o Executivo a instituir, mediante lei específica, fundações públicas sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado, patrimônio e receitas próprias e autonomia gerencial, orçamentária e financeira para o desempenho dessas atividades, precedidas de manifestação do respectivo conselho municipal. Estabelece também que tais fundações integrarão a Administração Pública Indireta e se vincularão às Secretarias correspondentes; dispõe sobre o patrimônio, receitas, normas de controle interno e externo e sujeição dos novos entes à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, bem como à Consolidação das Leis do Trabalho - C.L.T., mediante prévio concurso público, facultando-lhes celebrar contratos de gestão com o Poder Público, na forma referida no § 8º do artigo 37 da Carta Magna. Por derradeiro, autoriza, equivocadamente, o Estado a colocar servidores da Administração Direta e Indireta à disposição da fundação estatal.

Desde logo, cumpre destacar que o texto aprovado pretende introduzir, na esfera municipal, pessoa jurídica desprovida, até o momento, de previsão legal no ordenamento pátrio.

De fato, o Projeto de Lei Complementar Federal nº 92/2007, em que se ampara a propositura, propõe a criação de novo ente denominado fundação estatal, cuja natureza e regime jurídico híbridos não se acham claramente definidos, regendo-se em parte por normas próprias do Direito Público e em parte por regras do Direito Privado, o que tem gerado controvérsias e motivado críticas e intensos debates por parte dos segmentos representativos da sociedade civil e entidades de classe. Bem por isso, referido projeto está ainda em fase de ajustes, segundo informado pelo Ministério da Saúde e noticiado pela mídia.

Cabe assinalar, ademais, que o tratamento normativo a ser conferido ao tema em foco foi reservado expressamente à lei complementar pela Constituição Federal, no inciso XIX do “caput” de seu artigo 37, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, competindo privativamente à União legislar sobre a matéria, vez que envolve Direito Civil e Direito Comercial.

Resta inequívoco, pois, que a propositura em apreço invade a órbita de competências legislativas exclusivas da União para disciplinar a questão, incorrendo em incontornável inconstitucionalidade, pelo que, a despeito de terem sido editadas leis estaduais e municipais sobre o assunto, segundo mencionado na justificativa, o fato é que nem Estados nem Municípios detêm competência legislativa para dispor sobre a matéria.

Por outro lado, não há como negar que a medida versa também sobre organização administrativa, ao contemplar a criação e a estruturação de um ente da Administração Municipal Indireta, outorgando-lhe competências e impingindo novas atribuições e encargos ao Poder Executivo, com evidente interferência nas atividades e funções de seus órgãos. Note-se que não se cuida de lei meramente autorizativa, como sustenta seu autor, já que, embora prematuramente e sem amparo legal, veicula normas de caráter nitidamente impositivo, que estipulam as áreas de atuação de tais fundações, obrigações, critérios e procedimentos a serem adotados pelo Executivo, imiscuindo-se no campo a ele reservado constitucionalmente, haja vista que as leis que tratam de organização administrativa são de sua iniciativa privativa, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando, sem qualquer dúvida, afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

Aliás, cumpre ressaltar que o Colendo Supremo Tribunal Federal já consolidou posicionamento no sentido de que leis que criem órgãos e entes da Administração Pública são de iniciativa exclusiva da Chefia do Executivo, vez que dispõem sobre matéria atinente à organização administrativa. Cita-se, a propósito, o V. Acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1391-2 - São Paulo, versando sobre idêntica situação, dentre diversos outros precedentes:

“A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da cláusula de reserva inscrita no art. 61, § 1º, II, “e”, da Constituição da República, que consagra princípio fundamental inteiramente aplicável aos Estados-membros em tema de processo legislativo.

Na realidade, e consoante tem decidido esta Suprema Corte, a definição do poder de instauração do processo legislativo e a designação das hipóteses pertinentes à iniciativa reservada atribuída ao Chefe do Poder Executivo derivam de postulados que, inscritos na Carta da República, impõem-se à compulsória observância das demais unidades federadas (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).”

Por conseguinte, à vista das razões ora expendidas, que demonstram os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, em decorrência dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade que o maculam, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo