Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 592/98
Ofício A.T.L. Nº 067/00
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº l8/Leg.3/0218/2000, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara, em 20 de junho do corrente ano, de acordo com o inciso I do artigo 84 do Regimento Interno dessa Casa, relativa ao Projeto de Lei nº 592/98.
O autor da propositura é o nobre Vereador José Viviani Ferraz; ela dispõe sobre a obrigatoriedade dos fabricantes e importadores de produtos que possuam resíduos tóxicos a discriminarem a destinação final de seus produtos e a se responsabilizarem por seu recolhimento.
Não obstante os meritórios propósitos que o inspiraram, o projeto não reúne condições de transformar-se em lei, impondo-se, nos termos do artigo 42, parágrafo 1º da Lei Orgânica do Município de São Paulo, o veto total por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, consoante razões a seguir alinhadas.
Em síntese, ao que se depreende da leitura do artigo 1º da norma em preparo, o legislador objetiva impor aos fabricantes e importadores, no Município de São Paulo, a obrigação de discriminar nos rótulos a destinação final dos resíduos tóxicos de seus produtos e a se responsabilizar pelo seu recolhimento.
Emerge induvidoso que a propositura visa proteger o meio ambiente, assim como responsabilizar por danos, aqueles fabricantes e importadores que não se encarregarem pela coleta dos produtos compostos por materiais tóxicos e não discriminarem nos rótulos a destinação final.
Ocorre que a competência para legislar sobre meio ambiente e responsabilidade por danos a ele causados é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos dos incisos VI e VIII do artigo 24 da Constituição Brasileira.
Também para o consumo, conforme prevê o inciso V do mesmo artigo 24 do texto constitucional, há reserva legal em que não é incluído o Município.
Assim o texto aprovado por essa Egrégia
Casa se apresenta inconstitucional por haver tratado, na esfera municipal, de matérias a respeito das quais lhe falta competência para legislar.
Em última análise dois são os fins previstos na lei elaboranda, quais sejam, o recolhimento dos produtos, compostos de materiais tóxicos capazes de contaminar usuários e meio ambiente, quando descartados e a sua destinação final.
A comprovar que a matéria é de competência concorrente da União encontra-se a Resolução nº 257, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 30 de junho de 1999, que estabelece procedimentos a serem adotados pelos fabricantes ou importadores, diretamente ou por meio de terceiros, sobre a reutilização, reciclagem, tratamento ou disposição final ambientalmente adequada de pilhas e baterias usadas.
Nessa mesma diretriz foi localizado o Projeto de Lei do Senado, nº 247, de 1999, de autoria do Senador Pedro Simon, em substitutivo da Comissão de Assuntos Sociais daquele Poder, dispondo sobre a coleta e disposição final de baterias e pilhas usadas e sobre a publicidade e rotulagem de advertência dos produtos especificados. A advertência referida será lançada nos seguintes termos: “Este produto contém substâncias tóxicas. Após o seu uso, deverá ser devolvido ao fabricante ou revendedor para fins de reciclagem, reprocessamento ou correta armazenagem.”
As baterias e pilhas são produtos compostos de materiais tóxicos, em condição de contaminar usuários e meio ambiente; e pelo dano que podem causar devem responsabilizar-se os fabricantes e os importadores desses produtos.
Ressalte-se que o projeto de lei, deflagrado no Senado Federal, prevê no parágrafo único do artigo 2º a proibição de incineração e disposição em aterros sanitários das pilhas e baterias descartadas.
Embora a proposta legislativa municipal, ora em exame, não nomeie, expressamente, baterias e pilhas, certo é que a elas também se reporta, na medida em que trata de produtos compostos por materiais tóxicos capazes de contaminar usuários e meio ambiente.
Ante o desenvolvimento da eletrônica, os produtos com materiais tóxicos, como por exemplo pilhas e baterias, tendem a aumentar cada vez mais; esse aumento haverá de gerar um lixo que não pode ser confundido com aquele que abastece os aterros sanitários.
Mesmo sob o ângulo da coleta e destinação do lixo, o que se admite no caso para argumentar, o vereador não poderia iniciar o procedimento legislativo.
Tanto a coleta de lixo, como é o caso dos produtos descartados, quanto o seu destino são serviços públicos municipais, nos termos do artigo 125 da Lei Orgânica do Município de São Paulo:
“Art. 125 – Constituem serviços municipais, entre outros:
.......................................
II – administrar a coleta, o tratamento e o destino do lixo.”
As atividades enfocadas têm natureza de serviço público municipal; a lei que visa discipliná-las é de iniciativa privativa do Executivo, conforme preceitua o artigo 37, § 2º, IV da Lei Maior desta Urbe:
“Art. 37 - ............................
§ 2º - São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
.......................................
IV – organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária.”
O fato de componente do Legislativo iniciar o procedimento normativo, em matéria de serviços públicos, dá margem à violação do princípio constitucional da separação e harmonia dos poderes, consagrado na Constituição Federal e reproduzido no Estatuto Básico desta Comuna.
“A lei municipal que invade a competência atribuída ao Prefeito por Lei Orgânica, viola o princípio constitucional da separação de poderes” (Representação por Inconstitucionalidade nº 39/93, de 28 de fevereiro de 1994, TJRJ, em BDM – Boletim de Direito Municipal, setembro/94, págs. 529/531).
Outrossim, também sob o prisma de interesse público, a norma em preparo não tem seu caminho livre para transformar-se em lei.
As dificuldades de implementação e de fiscalização, se a propositura em apreço viesse a se transformar em lei, remanescem evidentes. Isto porque dificilmente existirão produtos fabricados e comercializados exclusivamente nos limites da cidade de São Paulo.
Cabe ainda ressaltar que algumas modalidades de produtos tóxicos, tais como agrotóxicos, são objeto de regulamento e controle próprios.
As questões levantadas tornariam a lei, caso o projeto viesse a ser sancionado, de exeqüibilidade praticamente inviável, a contrariar o interesse público.
Diante dessas razões veto no todo o projeto aprovado por considerá-lo inconstitucional e contrário ao interesse público.
Em vista do exposto restituo a cópia autêntica, de início referida, e devolvo o assunto ao conhecimento dessa Colenda Edilidade, que se dignará deliberar em seu elevado critério.
Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.
CELSO PITTA
Prefeito
Ao Excelentíssimo
Senhor Armando Mellão Neto
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo