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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 411/2006; OFÍCIO DE 30 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 411/06

OF ATLnº 30/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 0032/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de dezembro de 2007, relativa ao Projeto de Lei nº 411/06, de autoria do Vereador Cláudio Prado, que concede isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU incidente sobre um único imóvel locado por aposentado, pensionista, beneficiário de renda mensal vitalícia, paga pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, e beneficiário do Programa de Amparo Social ao Idoso, criado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, ou de outro programa que o substitua.

De acordo com a propositura, a isenção dependeria de requerimento anual do interessado comprovando não possuir imóvel em seu nome neste Município, a percepção de rendimentos de até 3 (três) salários mínimos e os fins exclusivamente residenciais da locação.

Desde logo, impende destacar que a propositura, ao dispor sobre assunto de natureza orçamentária, contraria o artigo 61, § 1º, inciso II, alínea "b", e o artigo 165, ambos da Constituição Federal, bem como o artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelecem ser de iniciativa privativa da Chefia do Executivo as leis que tratam de matéria orçamentária. Da mesma forma, desatende ao disposto no artigo 70, inciso VI, da LOMSP, que reserva ao Prefeito a competência para administrar os bens, a receita e as rendas do Município e promover o lançamento e a arrecadação de tributos e, ainda, no artigo 13, inciso III, do mesmo diploma legal, que atribui ao Legislativo competência somente para autorizar isenções, anistias fiscais e remissão de dívidas, não para instituí-las.

Ademais, do benefício fiscal outorgado pelo projeto de lei resulta expressiva renúncia de receita, inserindo-se no rol dos instrumentos de planejamento das finanças públicas para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas. Por essa razão, a iniciativa de leis relativas à questão cabe tão-só ao Executivo, a quem cumpre formular e implementar a política governamental.

Lapidar, a esse propósito, o ensinamento do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita - como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras - que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera referido autor, "daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (...). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa." (in Curso de Direito Constitucional Tributário, 20ª edição, Malheiros Editores, 2004, p. 290 e seguintes).

Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

"Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decretos, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos." (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000).

Por outro lado, a medida acha-se em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual determina, expressamente, em seu artigo 14, que qualquer renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além da demonstração, pelo proponente, de ter sido considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual e de que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou, ainda, da compensação da renúncia pelo aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou contribuição.

De igual modo dispõe o artigo 24 da Lei Municipal nº 14.473, de 11 de julho de 2007, que estabelece as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2008, segundo o qual os projetos de lei que impliquem redução discriminada de tributos deverão atender ao disposto no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser instruídos com demonstrativo evidenciando que não serão afetadas as metas de resultado nominal e primário.

Resta patente que, no caso do texto aprovado, nenhuma dessas exigências foi cumprida.

Destarte, é forçoso inferir que, ao extrapolar as atribuições do Legislativo e invadir a esfera de competências exclusivas do Executivo, a propositura fere o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local, ao mesmo tempo em que desatende a Lei de Responsabilidade Fiscal, circunstâncias que a inquinam simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Quanto ao mérito, é inequívoco que o projeto de lei desatende ao interesse público, esbarrando em incontornáveis óbices de natureza técnico-jurídica a inviabilizar sua aplicação.

De pronto, verifica-se que a propositura visa beneficiar o locatário, quando, na verdade, o efetivo contribuinte do IPTU é o proprietário do imóvel, ou seja, o locador. A respeito, o artigo 29 da Lei Municipal nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, que dispõe sobre o sistema tributário do Município, reproduzindo o artigo 34 do Código Tributário Nacional, define, como contribuinte do IPTU, o proprietário, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Aires F. Barreto, comentando o teor do artigo 34 do mencionado Código, dessa forma esclarece:

"Para haver posse tributável é preciso que se trate de posse ad usucapionem. É dizer, posse que pode conduzir ao domínio. Caso se trate de posse que não tenha essa virtude, não há cogitar de ser esse possuidor contribuinte do IPTU. Assim, não podem ser contribuintes do IPTU - embora sejam possuidores - os locatários e os arrendatários de imóvel. Sobre essa impossibilidade, Misabel Derzi e Sacha Calmon são incisivos:

"A posse direta do arrendante do terreno ou do locatário do imóvel não apresenta préstimo à tributação. Quem deve pagar o IPTU é o proprietário do imóvel alugado ou arrendado, irrelevante que o locador ou arrendante seja, v. g., o usufrutuário. A questão de ser possível embutir no preço da locação ou, mesmo, transferir ex contractu o ônus financeiro da obrigação tributária para o locatário não altera a relação jurídico-tributária entre o proprietário e o Município da situação do imóvel, a propósito do IPTU"13.

............................................................................................ 13 Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, Saraiva, 1982, p. 127." (in Comentários ao Código Tributário Nacional, Ed. Saraiva, 4ª edição, 2006, pp. 248/249)

Nessa linha de entendimento, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias, sob pena de serem introduzidos elementos de incerteza jurídica na relação tributária.

Assinale-se, a propósito, que isso não ocorre no caso da isenção reconhecida por força da Lei nº 11.614, de 13 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.776, de 10 de fevereiro de 2004, que alcança somente proprietários, vale dizer, os próprios devedores do tributo.

A medida em questão, ao isentar aquele que não é o sujeito passivo da obrigação tributária, teria como efeito prático a alteração dos procedimentos adotados pelo Fisco Municipal, demandando a criação de estrutura e o desenvolvimento de método voltados ao permanente controle e fiscalização do favor fiscal concedido, com vistas a evitar a manutenção do benefício aos imóveis com situação posteriormente alterada, como nos casos em que o locatário viesse a adquirir um imóvel ou a rescindir o contrato de locação antes do término de seu prazo.

Acresça-se, mais, a possibilidade de fraudes em, pelo menos, duas hipóteses. Na primeira, como o texto não fixa o valor venal máximo do imóvel, a isenção poderia ser utilizada como expediente para alcançar imóveis de alto padrão, favorecendo proprietários que têm condições de suportar o tributo. Na segunda, a locação poderia ser celebrada em nome do aposentado, pensionista ou beneficiário que, na verdade, não residiria no imóvel, mas o cederia a terceiros.

Portanto, embora se possa reconhecer o seu mérito, a medida aprovada, de difícil, senão impossível, implementação e fiscalização, não se afigura consentânea ao interesse público.

Finalmente, é de se destacar a existência de ampla gama de imóveis isentos de IPTU no território paulistano, em face da legislação vigente, os quais podem ser alugados por pessoas de baixa renda, de modo geral, a fim de servir-lhes como moradia.

Nessas condições, por força das razões expendidas, que impendem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo