Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 395/07
Ofício ATL nº 149/09
Ref.: OF-SGP23 nº 03983/2009
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual foi encaminhada a este Gabinete cópia autêntica do Projeto de Lei nº 395/07, de autoria dos Vereadores Mara Gabrilli e Ricardo Teixeira, aprovado por essa Egrégia Câmara, nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, o qual “dispõe sobre a adequação de lan houses e cyber cafés às normas de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência visual”.
Embora reconhecendo o evidente mérito da iniciativa e compartilhando esta Administração das preocupações de seus nobres autores, vejo-me impedido de conferir-lhe a desejada sanção, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
Da análise da primeira obrigação dirigida aos cyber cafés e lan houses que tenham a partir de 4 computadores, qual seja, a de disponibilizar um deles adaptado às pessoas com deficiência visual, por meio dos dispositivos especificados no artigo 1º do texto, observa-se que a propositura determina ao agente privado a instalação de equipamentos relativamente custosos, sem que se possa avaliar a real necessidade da adequação digital com a abrangência prevista em função da demanda desses usuários em cada região do Município.
Ademais, englobando todos os cyber cafés e lan houses que possuam 4 ou mais computadores, a imposição atinge de igual modo tanto os estabelecimentos de grande porte, quanto os de pequeno porte e microempresários, que, nesse setor, atendem sobretudo as parcelas da população com menor poder aquisitivo.
Assim, a medida alcançaria uniforme e indiscriminadamente todo o segmento econômico, importando, certamente, significativo impacto econômico-financeiro sobre os estabelecimentos menores, a configurar ônus excessivo aos administrados, sem efetivo benefício à coletividade.
Revela-se, pois, a proposta legislativa, em descompasso com o princípio da razoabilidade albergado pelo artigo 81 da Lei Maior Local e pelo artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo, segundo o qual os atos do Poder Público devem ser adequáveis, compatíveis e proporcionais, de forma a restar atendida a sua finalidade pública específica.
Em outras palavras: a intervenção no âmbito do direito individual deve ser não só indispensável, mas também adequada e razoável, de modo que, no conjunto das alternativas existentes, seja eleita aquela que, embora tenha a mesma efetividade, afete com menor intensidade a situação individual.
Discorrendo sobre o tema, Adilson Josemar Puhl, ensina que a adequação, um dos elementos que integram o Princípio da Razoabilidade, traduz "uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução”. (O Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade, Ed. Pillares, 2005, p.61).
Assinale-se que, apesar de a propositura não se referir explicitamente aos telecentros implantados pela Prefeitura, mas tão somente aos cyber cafés e lan houses, tais equipamentos municipais também estariam adstritos ao seu cumprimento, uma vez que exercem a mesma atividade, ou seja, propiciam o acesso da população à rede mundial de computadores, o que inclui as pessoas com deficiência.
Em assim sendo, se sancionada, a medida acabaria por impor à Administração a execução de providências em todos os 327 telecentros, que, distribuídos por todo o território paulistano, têm por finalidade proporcionar a inclusão digital levando em consideração, para esse mister, as características e peculiaridades da comunidade do entorno de cada telecentro.
Nessa conformidade, 21 telecentros dispõem de acessibilidade digital para deficientes visuais, com um total de 35 computadores adaptados, em decorrência da demanda existente nas respectivas regiões, não cabendo, portanto, a adoção das medidas previstas no projeto de lei de modo generalizado em todos os telecentros, haja vista o elevado custo das adaptações cogitadas sem que delas se possam auferir benefícios à população que justifiquem os recursos públicos empregados.
De outra parte, também a determinação de instalar piso podotátil no interior e no acesso às lan houses e cyber cafés que tenham 20 ou mais computadores não comporta a sanção deste Executivo.
Isso porque a Norma NBR nº 9.050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, que estabelece os parâmetros técnicos relativos às condições de acessibilidade das edificações, sendo adotada, como referência técnica, pela legislação federal, estadual e municipal, incluído o Código de Obras e Edificações do Município, já define as hipóteses de instalação do piso tátil – também denominado podotátil –, dividindo-o em dois subtipos, a saber, o piso tátil de alerta e o piso tátil direcional.
De acordo com essa norma, o piso tátil de alerta, destinado a sinalizar situações que envolvam risco à integridade física, deve ser instalado onde há obstáculos suspensos, rebaixamentos de calçadas, escadas fixas, escadas rolantes, rampas, elevadores e desníveis; o piso tátil direcional, por sua vez, próprio para indicar o caminho a ser percorrido, deve ser colocado nos espaços amplos e quando houver descontinuidade da linha-guia identificável ou um caminho preferencial (itens 5.14.1, 5.14.2, 5.14.2.3, 6.1.2 e 6.1.3).
Verifica-se, pois, que a instalação do piso tátil obedece a critérios técnicos fixados em norma incorporada pelas leis vigentes, os quais, de modo lógico, consideram as necessidades de proteção e de direcionamento seguro e autônomo das pessoas com deficiência visual, devendo, por isso, ser aplicados nos locais expressamente indicados pela aludida norma da ABNT.
Acresça-se, ainda, que as organizações representativas das pessoas com deficiência visual – Laramara Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual e Fundação Dorina Nowill para Cegos, as quais, a teor dos artigos 4º e 61, § 1º, do Decreto Federal nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, detêm legitimidade para acompanhar e sugerir medidas de acessibilidade – esclarecem que a utilização excessiva do piso tátil prejudica e confunde o deficiente visual. Assim, tal dispositivo deve ser utilizado apenas quando imprescindível para um deslocamento autônomo e seguro, questionando-se, caso a caso, a possibilidade de acidentes e o caminho de interesse da pessoa, conforme o objetivo da visita ao local.
Dessas considerações infere-se que o critério constante do artigo 2º da propositura – ter os indigitados estabelecimentos 20 ou mais computadores – além de contrariar a sistemática legal atual, não atende as necessidades da pessoa com deficiência visual.
Nessas condições, tenho por evidenciadas as razões que me levam a vetar integralmente o projeto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, devolvendo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo