Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 379/05
Ofício ATL nº 239/05
Ref.: Of. SGP 23 nº 5258/2005
Senhor Presidente
Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 10 de novembro do corrente, relativa ao Projeto de Lei nº 379/05, de autoria do Vereador Milton Leite, que dispõe sobre a proibição, no Município de São Paulo, do uso de madeiras nativas e daquelas ameaçadas de extinção, nas construções residenciais, comerciais e na indústria moveleira.
Em que possam pesar os nobres propósitos que indubitavelmente informam a iniciativa em apreço, revela-se imperioso o seu veto, porquanto constatável de plano a sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, subsumindo-se ao que dispõe o § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, além de presente o vício de iniciativa, que decorre da desconsideração do inciso IV do § 2º do artigo 37 da mesma Carta.
É certo que, em relação ao meio ambiente, o legislador constituinte adotou a competência legislativa concorrente, como consta do artigo 24, VI, da Constituição Federal, prevendo sistema de criação de norma geral pela União e atuação suplementar pelos Estados e Municípios, respeitados seus respectivos interesses.
O aludido artigo é permeado de nítida verticalidade, contendo seus parágrafos as diretrizes a serem seguidas pelos entes políticos.
Destarte, a partir da Lei Federal n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981 e suas alterações, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, há uma decrescente abstração de princípios e de conceitos de cunho geral, para atingir, no âmbito municipal, um maior grau de concretude, tal como deflui do artigo 23, VI da Constituição Federal, que pressupõe a implementação de regras e exige a atuação repressiva e preventiva, vale dizer, a manifestação do poder de polícia.
É realizando atos materiais do gênero licenciamento, fiscalização e aplicação de sanções que todos os entes políticos possuem a competência dita implementadora, podendo ser exclusiva ou comum, neste último caso lhes sendo obstada a iniciativa legislativa, porém estando sempre investidos da competência para agir, em condições de igualdade, com vistas à concretização da administração pública ambiental.
Por evidente, não se descura aqui da competência do município, conferida pela Constituição Federal, para legislar sobre assuntos que dizem respeito ao seu próprio interesse, bem como para suplementar a legislação federal e estadual, em cujas hipóteses, todavia, não se inclui aquela de que cuida a propositura aprovada.
Deveras, trata o artigo 1º da lei decretada de matéria que desborda da órbita legislativa municipal, adentrando em questão de interesse geral, de competência da União e já regulada por leis aplicáveis em todo território nacional, como é o caso da instituição da Política Nacional do Meio Ambiente, com os instrumentos necessários à sua implementação, assim como do Fundo Nacional do Meio Ambiente, cujos dispositivos também estabelecem as prioridades para aplicações em projetos que contemplem o manejo e extensão florestal, o controle ambiental, além do aproveitamento econômico racional e sustentável da flora e fauna.
Nesse particular, acresce, ainda, dispor a Lei Federal n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, sobre sanções aplicáveis a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelecendo, na Seção II – Dos crimes contra a flora, artigo 46, como tipo penal passível de ser punido com detenção de seis meses a um ano, o recebimento e a aquisição de madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, objetivando finalidade comercial ou industrial, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deve acompanhar o produto até final beneficiamento.
Na mesma pena incorre aquele que transporta, vende e expõe madeira, tem-na em depósito, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, da autoridade competente.
Igualmente, a extração, de que também trata o artigo 3º da proposta, guarda simetria com o artigo 39 do supramencionado diploma federal, qual seja, com o tipo penal previsto para o corte de árvores, sem permissão da autoridade competente, em floresta de preservação permanente, cuja pena pode variar de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente. O mesmo ocorre em relação ao corte de madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração.
Também das infrações administrativas e correspondentes sanções se ocupa a indigitada lei federal, em seu Capítulo VI, outro mais atribuindo à autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração prevista pela legislação o dever de apurá-la, aplicando a sanção cabível, que vai desde a advertência até a suspensão da venda e da fabricação do produto, passando por multa simples e por multa diária, sendo forçoso concluir já se encontrar regulada de forma adequada a matéria de que trata o “caput” do artigo 4º do texto em análise.
Decorre daí que, somando-se a todas as razões já expendidas, a multa estipulada no artigo 3º, no parágrafo único do artigo 4º, nos artigos 5º, 7º, 9º e 10 da propositura aprovada viria a configurar-se em “bis in idem”, o que não se pode admitir.
A prevalecer o regramento em questão, estar-se-ia criando óbices ao exercício de direitos líquidos e certos, não se apresentando definitivamente viável penalizar aqueles que, com a autorização formal da autoridade competente, transportam, vendem e utilizam madeira de corte e uso regulados, inclusive no ofício da indústria de móveis ou de caixões funerários.
Ademais da eiva de inconstitucionalidade e ilegalidade, é fora de dúvida ainda recair sobre as regras pretendidas a contrariedade do interesse público uma vez que impõem à administração municipal tarefa extraordinária à sua competência peculiar, requerendo exames técnicos acurados e de especial ciência para a identificação e diferenciação das espécies arbóreas, até mesmo pelos produtos químicos ordinariamente utilizados nesse setor produtivo.
E não é só. Mostra-se equivocada e não pertinente a locução “habite-se a título provisório”, constante do artigo 5º da norma aprovada, denominando-se corretamente o documento, por sua natureza, “Certificado de Conclusão”, não se admitindo, no sistema vigente de aprovação de edificações, vistoria posterior, dada a absoluta segurança de que deve se revestir, tampouco sendo plausível conferir-se caráter temporário a essa atuação do Poder Público, sob pena de restar caracterizada uma contradição em termos.
Impende outro tanto aduzir não se apresentarem articuladas de forma congruente as ações atribuídas à fiscalização no já referido artigo 5º, criando-se, inclusive, patente possibilidade de o interessado não requerer uma nova vistoria, ou tardar a fazê-lo, a propiciar o descumprimento do prazo de seis meses de interregno pretendido entre o início da validade do “habite-se a título provisório” e o seu eventual cancelamento.
Por sua vez, entre os artigos 8º e 9º não há a compatibilidade necessária, eis que, em se tratando de madeira de procedência espúria, impedida se acha a sua comercialização desde sempre e, por conseguinte, de imediato quando da constatação pela fiscalização, não se apresentando qualquer oportunidade de venda de estoque em desacordo com a Lei Federal n.º 9.605/98.
Revela-se, portanto, patente ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo, qual seja, a de dispor sobre estrutura, organização e funcionamento da administração municipal, fazendo-se ”tabula rasa” do artigo 70, inciso XIV da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
A respeito, com o escopo de orientar o corpo técnico municipal para a execução de controle do cumprimento dos comandos cogentes insertos na Lei Federal n.º 9.605/98, foi editado o Decreto n.º 46.380, de 26 de setembro de 2005, que considera, como procedência legal para os produtos e subprodutos de madeira de origem nativa, decorrentes de desmatamento autorizado ou de manejo florestal aprovados por órgão ambiental competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, a existência de autorização formal de transporte, expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.
Não se restringindo apenas à finalidade de fiscalização do requisito de procedência legal para a aprovação dos projetos básicos de engenharia pelos órgãos municipais competentes, porém igualmente aperfeiçoando outros instrumentos de controle do uso permitido dos produtos e subprodutos florestais de origem nativa em obras e serviços de engenharia implementados pelo Município de São Paulo, o aludido decreto dispôs sobre procedimento específico a ser obrigatoriamente adotado nas celebrações e acompanhamento de contratos administrativos e nos editais de licitação.
A edição citado decreto — que estabelece procedimentos de controle ambiental para a utilização de produtos e subprodutos de madeira de origem nativa em obras e serviços de engenharia contratados pelo Município de São Paulo — ocorreu durante a Semana de Gestão Ambiental, com o que a Administração Pública Municipal pioneiramente inovou as regras das compras públicas, fomentando a criação de condições de mercado para a madeira produzida de forma sustentável.
Emerge das razões ora registradas, que o texto aprovado não reúne condições de vir a ser convertido em lei, sendo inafastável a necessidade de seu veto total, que ora aponho ao texto aprovado, seja porque a matéria refoge à competência legislativa do município, encontrando-se ademais regulada pelo ente político incumbido constitucionalmente de tal mister, seja porque no nível administrativo já há regulamento direcionado aos órgãos municipais.
Assim sendo, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara Municipal, renovando a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.
JOSÉ SERRA
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo