Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 37/07
OF. ATL nº 102/08
Ref.: Ofício SGP-23 nº 1746/2008
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 37/07, de autoria do Vereador Abou Anni, aprovado por essa Egrégia Câmara, em sessão de 9 de abril de 2008, o qual dispõe sobre a construção e a disponibilização de instalações sanitárias de uso gratuito nos pontos finais de ônibus, para os funcionários do transporte coletivo urbano de passageiros do Município e a população em geral.
O texto aprovado obriga a Municipalidade a construir, nos pontos finais de ônibus, instalações sanitárias devidamente equipadas e providas dos materiais indispensáveis à higiene, fornecidos pelo Poder Público Municipal, com áreas distintas para homens e mulheres, de uso gratuito por funcionários das empresas de transporte coletivo urbano de passageiros e pela população.
Não obstante o meritório intuito da propositura, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
Desde logo, resta patente que a propositura dispõe sobre assunto inserido no campo da organização administrativa, estabelecendo novas atribuições e respectivos encargos para a Administração Pública, ao mesmo tempo em que legisla sobre a administração dos bens municipais, matéria de típica gestão administrativa, da competência exclusiva do Prefeito.
Acresça-se, ademais, que a efetivação da medida acarreta dispêndio de verbas, de expressivo montante, para a adoção das providências necessárias à construção e ao funcionamento das referidas instalações, em virtude do grande número de pontos finais de ônibus situados em ruas e avenidas, sem contar, porém, com a necessária indicação dos recursos correspondentes. Envolve, pois, questão de natureza também orçamentária, além de desatender as exigências previstas nos artigos 15 e 17 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.
Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, combinado com o artigo 70, inciso XV, ambos da Lei Orgânica do Município, razão pela qual a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior local.
A par da apontada inconstitucionalidade, o texto vindo à sanção incide também em ilegalidade, vez que contraria a sistemática adotada pela legislação que rege o assunto.
No tocante ao mérito da proposta, sem embargo da grande importância de que se reveste a questão, é mister atentar para o fato de que as instalações sanitárias devem ser tratadas na esfera temática da paisagem urbana, haja vista que fazem parte integrante do mobiliário urbano, cuja implantação no logradouro público já é normatizada por lei municipal específica.
Consoante leciona José Afonso da Silva, em sua obra “Direito Urbanístico Brasileiro”, mobiliário urbano é o conjunto de “elementos de escala microarquitetônica integrantes do espaço urbano e que devem satisfazer os seguintes requisitos: I - ser complementares das funções urbanas; II - estar localizados em espaços públicos; III - estar disseminados no tecido urbano com área de influência restrita. São, pois, elementos integrantes da paisagem urbana, que hão de receber regulamentação adequada na legislação urbanística”, podendo agrupar-se em quatro classes, a saber: anúncios, elementos de sinalização urbana, elementos aparentes da infra-estrutura urbana e serviços de comodidade pública, categoria na qual se enquadram os sanitários públicos.
A esse respeito, o Plano Diretor Estratégico – PDE (Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002), em seu artigo 93, inciso II, estabelece que são ações estratégicas da Política de Paisagem Urbana, dentre outras, a de “elaborar legislação que trate da paisagem urbana, disciplinando os elementos presentes nas áreas públicas, considerando as normas de ocupação das áreas privadas e a volumetria das edificações que, no conjunto, são formadores da paisagem urbana”.
Em cumprimento a esse ditame do PDE, foi editada a Lei nº 14.223, de 26 de setembro de 2006, que dispõe sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo, cujo artigo 22 inclui, em seus incisos III, IV e V, dentre os diversos elementos considerados como mobiliário urbano de uso e utilidade pública, os três tipos de sanitários públicos, classificados como “standard”, com acesso universal e móvel, definidos, em seu § 3º, como instalações higiênicas destinadas ao uso comum.
Importa salientar que, nos termos das disposições supracitadas, os sanitários “standard’ e com acesso universal devem ser instalados em praças e nos terminais de transporte de uso coletivo, enquanto que os sanitários móveis destinam-se a feiras e eventos.
Já o artigo 23 da mencionada lei determina, entre outras restrições, que tais elementos não poderão ocupar ou estar projetados sobre o leito carroçável das vias, obstruir a circulação de pedestres ou configurar perigo ou impedimento à locomoção de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, nem estar localizados em ilhas de travessia, esquinas, viadutos, pontes e belvederes, devendo, necessariamente, observar uma faixa de circulação de, no mínimo, metade de sua largura, nunca inferior a 1,50m (um metro e cinqüenta centímetros), sendo que, nos calçadões, a faixa de circulação terá 4,50m (quatro metros e cinqüenta centímetros) de largura.
A propósito, cabe lembrar que os loteamentos na Cidade de São Paulo começaram a ser implantados nas décadas de 30 e 40, com padrões urbanísticos de largura de via e passeios públicos específicos para suas funções, sem prever áreas para a construção de instalações sanitárias, estando já consolidada a malha viária, com muitos passeios públicos subdimensionados.
Demais disso, a construção das instalações sanitárias preconizadas pelo projeto de lei requer área considerável para abrigar equipamentos masculinos e femininos distintos, resultando francamente inviável sua instalação nos passeios públicos, cuja largura é incompatível com a dimensão necessária para a implantação desse tipo de mobiliário urbano.
Segundo informações fornecidas pela Secretaria Municipal de Transportes, existem atualmente cerca de 2.376 pontos de ônibus terminais no Município de São Paulo, dos quais 585 situam-se nos Terminais de Integração, que já são providos de instalações sanitárias adequadas, de uso gratuito tanto por funcionários quanto pela população em geral. Aproximadamente 1.791 pontos iniciais ou finais localizam-se fora desses terminais, em vias e logradouros públicos, sendo que, apenas na região central, circunscrita ao Mini Anel Viário, há 618 pontos iniciais ou finais, dos quais 193 situam-se em Terminais de Integração e 425 em vias e logradouros públicos.
Afora as dificuldades para cumprir as normas técnicas e legais atinentes à construção dessas edificações, abrangendo a instalação de redes de água, esgoto e energia elétrica, dentre outras, na grande maioria dos locais onde estão instalados pontos iniciais ou finais de ônibus inexistem áreas disponíveis para essa finalidade, motivo pelo qual a solução viável é aquela estampada no § 3º do artigo 22 do sobredito diploma legal, conhecido como “Lei Cidade Limpa”.
A medida, portanto, apresenta-se em inconciliável desconformidade com o regramento estabelecido pela Lei nº 14.223, de 2006, restando por incorrer, a toda evidência, nas vedações constantes de seu artigo 23, cujo objetivo é impedir obstruções à circulação de pedestres, bem como situações de perigo e obstáculos à locomoção de pessoas com mobilidade reduzida, do que decorre seu descompasso com o interesse público.
Finalmente, cabe ponderar que a construção de sanitários públicos constitui matéria de natureza técnica, demandando análise caso a caso, de acordo com a especificidade do local em que se pretende instalá-los. Não pode, pois, ser fixada por lei, atingindo, indistintamente, todo e qualquer logradouro onde estejam situados pontos finais de ônibus, cuja localização, ademais, não constitui referencial adequado à implantação dessas edificações, por ser passível de mudança, de acordo com as necessidades de transporte e trânsito da população.
Nessas condições, à vista das razões ora explicitadas, que demonstram os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo