Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 361/05
Of. ATL nº 235/05
Ref.: Of. SGP 23 nº 5055/2005
Senhor Presidente
Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 361/05, de autoria do Vereador William Woo, que dispõe sobre a criação de pólos de lazer e comércio 24 horas no Município de São Paulo.
Não obstante os meritórios propósitos de seu autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
A propositura, em resumo, autoriza a criação dos mencionados pólos, que funcionarão 24 horas ou somente no período noturno. Conceitua-os como sendo estabelecimentos de entretenimento, tais como parques, parques de diversões e casas noturnas, excluindo aqueles proibidos por lei ou contrários à moral e aos bons costumes, situados em locais escolhidos pelas Subprefeituras, fora das zonas residenciais, preferencialmente em grandes avenidas, próximos das marginais ou de antigas concentrações industriais hoje abandonadas. Determina que serão solicitados à Companhia de Engenharia de Tráfego estudos sobre condições de trânsito e impacto no entorno, bem como à Secretaria responsável estudo de impacto do empreendimento na região. Estabelece regras para os respectivos projetos e construções, afastando a obrigatoriedade de cumprimento de diversas leis municipais. Prevê a concessão de incentivos fiscais, mediante regulamento do Executivo, aos estabelecimentos que se instalarem nos citados pólos.
De início, não está claro no texto vindo à sanção o caráter público ou privado das áreas em que serão instalados os sobreditos pólos de lazer. Deste modo, a lei carece de elementos essenciais à sua regulamentação. É mencionado em seu artigo 3º que "as áreas a serem utilizadas serão escolhidas a critério das Subprefeituras", estando implícito, deste modo, uma suposta e provável necessidade de desapropriação para posterior instalação e construção dos estabelecimentos. O Poder Executivo, para tanto, também necessitaria de realizar estudos, a suas expensas, com vistas à escolha adequada de tais sítios. Ademais, para tornar atraente a vinda de interessados, deverá, a teor da propositura, conceder incentivos fiscais.
Como se vê de imediato, o projeto aprovado incorre em vicio de iniciativa, porquanto conflita com o artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária.
Assim, extrapola as funções do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência aos princípios constitucionais da independência e harmonia entre os Poderes, consagrados no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzidos nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Maior Local.
Por outro lado, a medida imporá despesas ao erário, as quais pressupõem a existência de verbas, bem como acarretará renúncia de receita, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 14 a 17.
Considere-se, também, que o incentivo fiscal, determinado no artigo 5º, § 5º do texto vindo à sanção, constitui renúncia de receita, inserindo-se no rol de instrumentos de planejamento das finanças para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas. Por essa razão, a iniciativa de leis relativa a essa matéria cabe apenas ao Executivo, a quem compete a formulação e a implementação da política governamental.
Lapidar, a esse propósito, a lição do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita – como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras – que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera o referido autor, “daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (…). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 14ª edição, Malheiros Editores, 2000, p. 215 e seguintes).
Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decreto, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos.” (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000).
Não bastassem tais argumentos, a propositura, de igual modo, incide em ilegalidade e contraria o interesse público, por infringência a normas comezinhas de direito urbanístico.
O artigo 182 da Constituição Federal estabelece que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Determina, também, que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
No Município de São Paulo, o Plano Diretor Estratégico – PDE, instituído pela Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002, em seus artigos 270, inciso III, e 294, faz referência aos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, adotando-os como integrantes do Sistema e do Processo Municipal de Planejamento Urbano.
Além disso, o artigo 174 do PDE, por sua vez, dispõe sobre os planos regionais no sentido de que, observando os elementos estruturadores e integradores do Plano Diretor Estratégico, complementarão as suas disposições de modo a atender às peculiaridades de cada região e às necessidades e opções da população que nela reside ou trabalha. Tais planos foram elaborados pelas Subprefeituras e pelas respectivas instâncias de participação e representação local, em obediência ao artigo 274, § 2º do PDE, e resultaram na Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, que instituiu neste Município a Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS.
Todas as leis urbanísticas supervenientes a tais diplomas legais devem a eles se conformar, não cabendo, como previsto na propositura, o afastamento de sua aplicação nos alvitrados pólos de lazer e comércio. Nem, tampouco, a expedição de "portaria" para criar regras que somente por lei podem ser estabelecidas (cf art. 5°, § 3º).
Com efeito, as normas jurídicas constantes do PDE, dos Planos Regionais Estratégicos e da LUOS orientam o planejamento da cidade, prevendo critérios de controle de uso e ocupação do solo para as diferentes zonas de uso da cidade, atendendo às vocações e potencialidades de cada região. Visam, assim, assegurar a localização adequada para as diferentes funções e atividades urbanas, segundo critérios urbanísticos definidos, as formas de ocupação urbana compatíveis com as características ambientais em cada parcela do território, bem como proporcionar distribuição mais equilibrada das atividades econômicas.
Cabe observar que os Planos Regionais Estratégicos foram criados mediante ampla participação popular, que determinou quais são os interesses locais que deverão ser priorizados, em função das necessidades e anseios coletivos, de modo que a superveniente edição de lei como a da espécie praticamente anula todo o esforço despendido nesse sentido.
Conclui-se, inexoravelmente, que a criação de pólos de lazer e comércio, nos termos do texto vindo à sanção, configuraria a criação de espaços urbanos, verdadeiras “ilhas”, imunes à aplicação de todas as normas legais que regulam os aspectos urbanísticos e de convivência na Cidade de São Paulo,
Portanto, vejo-me compelido a vetar integralmente o projeto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica Municipal e, assim sendo, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara Municipal.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e consideração.
JOSÉ SERRA
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo