CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 343/2005; OFÍCIO DE 10 de Outubro de 2006

Razões do Veto ao  Projeto de Lei nº 343/05

OF ATL nº 170/06

 

Ref.: Ofício SGP-23 nº 3639/2006

 

Senhor Presidente

 

Por meio do ofício acima referido, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou a esta Chefia do Executivo cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara, nos termos do artigo 84, inciso I, de seu RegVETOimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 343/05, de iniciativa do Vereador Wadih Mutran, que estabelece normas e restrições sobre a participação de empresas, indústrias ou estabelecimentos comerciais em feiras, exposições e eventos realizados no Município de São Paulo.

A propositura proíbe a participação de todas as empresas, indústrias, estabelecimentos comerciais ou similares, que possuírem sentença condenatória transitada em julgado devido a denúncias de consumidores junto ao PROCON e DECON, em feiras, exposições e eventos realizados na cidade.

Tal proibição tem o prazo de vigência de dois anos contados da data do trânsito em julgado da decisão, estando o infrator sujeito à imposição de multa, aplicável em dobro na hipótese de reincidência.

Inicialmente, é de se apontar que anterior projeto de lei, de autoria do mesmo Vereador (Projeto de Lei nº 597/96), com idêntica proposta, teve o veto do Executivo mantido por essa Edilidade (Ofício SGP 23 nº 2185/2005).

Da mesma forma, impõe-se veto total à reiteração da propositura, em face de sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

Embora a ementa do projeto aprovado utilize o termo “restrições”, a medida configura autêntica penalidade.

Com efeito, as empresas e indústrias condenadas pela prática de infração ao Código de Defesa do Consumidor, por sentença transitada em julgado, estarão sujeitas, no Município de São Paulo, a mais uma penalidade além daquela decorrente de processo administrativo ou judicial.

Portanto, somada à sanção aplicada pelo Poder Judiciário, que pode ter caráter individual ou coletivo, cível ou criminal, tais empresas ver-se-iam, ainda, na esfera municipal, impedidas de participar dos mencionados eventos, resultando em múltiplas penalidades pelo mesmo fato.

Assim, evidenciada a natureza punitiva da restrição, fica claro que a proposta cria um novo efeito secundário da sentença condenatória, não previsto no Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940, artigos 91 e 92), adentrando matéria de competência da União Federal, consoante o disposto em nossa Lei Maior, no artigo 22, inciso I.

A inconstitucionalidade desse tipo de proibição é patente também por outros motivos.

A medida alvitrada, que se insere na categoria das denominadas sanções subjetivas, porquanto se refere à atividade empresarial dos fornecedores de bens ou serviços, e não recai diretamente sobre o produto ou serviço, nem tem cunho pecuniário, configura uma interferência direta em sua atividade econômica, restando desatendidos os princípios gerais previstos no artigo 170, “caput”, e parágrafo único da Constituição Federal.

De outro lado, sobrepõe-se à sanção administrativa de suspensão temporária da atividade, inserta no artigo 56, inciso VII, da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), caracterizando, sob esse aspecto, um verdadeiro “bis in idem”.

Observe-se que, ao reprimir a lesão ao consumidor, a legislação federal, como regra, não impede o livre exercício da atividade empresarial ou a continuidade do comércio ou prestação de serviços, porque, em princípio, não deve haver o interesse do Poder Público no fechamento ou impedimento das atividades de qualquer estabelecimento. Mesmo ao prever a suspensão temporária da atividade, o Código do Consumidor tem em vista apenas uma providência cautelar, provisória, com vistas a proteger o consumidor, consideradas as peculiaridades do caso concreto, diante do perigo de dano imediato ou iminente, a ser imposta mediante prévio procedimento administrativo ou judicial, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, e enquanto perdurarem os motivos que a ensejaram. Além disso, tem aplicação apenas quando o fornecedor reincidir na prática de infrações de maior gravidade, previstas no referido Codex e na legislação de consumo. A intenção da lei é resguardar o usuário do bem ou serviço, permitindo-se, porém, que o infrator corrija o ato praticado.

Por conseguinte, as penalidades mais severas que obstruem o desempenho da atividade econômica do fornecedor na legislação de regência são cabíveis apenas quando se verificar, por meio de regular procedimento administrativo, a reincidência da prática de infrações de maior gravidade, a teor do disposto no artigo 59, “caput”, da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

A propósito, vale transcrever o comentário de Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto da citada lei:

“As sanções administrativas de caráter subjetivo, previstas no art. 56 (cf. comentários), compreendendo a suspensão temporária de atividade, cassação de alvará de licença, a interdição do estabelecimento, bem como a intervenção administrativa, devem ser aplicadas in extremis, justamente por envolver restrição ao princípio constitucional da livre iniciativa, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica (cf. art. 170 e parágrafo único).

O Código teve o cuidado de autorizar a aplicação dessas sanções nos casos extremos de reincidência na prática das infrações de maior gravidade, previstas no próprio código ou legislação esparsa.”(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover...[et al.], 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 569)

A proposta não atende, assim, ao princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição Federal e expresso no artigo 111 da Carta Paulista. A restrição é imposta a todas as empresas, indústrias ou estabelecimentos comerciais condenados por infrações ao consumidor, sem gradação ou exclusão, igualando todas as espécies de violações, o que pode gerar situações injustas, e, nos casos menos graves, revelar-se mais severa do que a própria condenação proveniente de processo judicial.

Ademais, a iniciativa fere o princípio constitucional da isonomia. Nos termos de seu artigo 1º, somente as pessoas jurídicas que tiverem sentença condenatória transitada em julgado, motivadas por denúncias de consumidores no PROCON e DECON, são passíveis de penalidade. Tal significa que outras empresas, condenadas em razão do reconhecimento da prática de infração consumerista, cuja denúncia tenha sido promovida frente a outros órgãos, estarão excluídas da proibição. Ora, a igualdade garantida pela Constituição Federal significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, e tem por finalidade uma isonomia real e substancial e não meramente formal.

Além disso, seria inviável, na prática, a prévia verificação da existência de sentença condenatória transitada em julgado quando da realização dos eventos, seja pelas dificuldades materiais, considerando o grande número de expositores em feiras, seja pela falta de documento para a comprovação exigida e ausência de previsão legal para tanto. O próprio número de participantes das feiras e suas diversas origens dificultaria a fiscalização de seus antecedentes pelos organizadores.

Por fim, mas não menos importante, é o fato da proposta mostrar-se desatualizada. É sabido que o denominado Departamento de Polícia do Consumidor - DECON, foi extinto, na conformidade do artigo 41, inciso III, do Decreto Estadual nº 44.448, de 24 de novembro de 1999, e suas atribuições foram redistribuídas a outros órgãos, levando-se em conta um critério territorial e não mais de especialidade material.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que demonstram a inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público do projeto de lei aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na integra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

 

GILBERTO KASSAB

Prefeito

 

Ao

Excelentíssimo Senhor

ROBERTO TRIPOLI

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo