Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 30/02
Ofício ATL nº 198/03
Senhor Presidente
Dirijo-me a Vossa Excelência para, nos termos do disposto no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, comunicar a minha deliberação pelo veto integral ao Projeto de Lei nº 30/02, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 1º de abril de 2003, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
De autoria do Vereador Pastor Vanderlei de Jesus, a mensagem aprovada objetiva obrigar os estabelecimentos comerciais localizados no Município de São Paulo a afixar, em local visível, etiquetas nos produtos sujeitos a liquidações, ofertas e/ou promoções, com os seguintes informes: a) valor real do produto; b) valor do produto com o desconto; e c) porcentagem de desconto aplicada. Ainda, os valores constantes das referidas etiquetas deverão estar expressos na moeda corrente no País e, quando o anúncio promocional diga respeito a prestações, os valores e números das parcelas deverão estar grafados no mesmo tamanho, cor e tipo de letra. No caso de descumprimento, serão aplicadas, progressivamente, as penalidades que especifica.
No entanto, embora se possa reconhecer o meritório propósito que certamente norteou o seu autor, a medida não reúne condições para ser convertida em lei, à vista dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade nela presentes, bem como da sua contrariedade ao interesse público.
Com efeito, cuidando-se de matéria inserida no campo das relações de consumo, a pretendida imposição de conduta aos comerciantes locais configura, a toda evidência, nítida afronta ao princípio federativo, consagrado nos artigos 1º e 18 da Constituição Federal, eis que, de acordo com o disposto no artigo 24, inciso V, dessa Carta Política, a competência legislativa para dispor sobre “consumo” é concorrente apenas entre a União, os Estados e o Distrito Federal.
Cumpre assinalar, outrossim, que as competências municipais encontram-se arroladas no artigo 30 do texto constitucional, nelas não existindo qualquer referência a relações de consumo ou a direitos dos consumidores, temas estes também não passíveis de enquadramento na expressão “assuntos de interesse local”, ao qual alude o seu inciso I.
No caso específico das relações de consumo, importa registrar que, consoante preceitua o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incumbe ao Congresso Nacional a elaboração de Código de Defesa do Consumidor.
Em sendo assim, a inconstitucionalidade da propositura decorre da impossibilidade do Município de São Paulo dispor acerca de matéria legislativa de competência concorrente apenas e tão-só entre outras esferas de governo — União, Estados e Distrito Federal.
Por outro lado, ainda que se interprete de modo mais benevolente o contido no artigo 30, inciso II, da Magna Carta, reconhecendo a competência irrestrita dos Municípios para suplementar a legislação federal e a estadual, como defendem as Comissões da Câmara Municipal de São Paulo (cfme. Parecer Conjunto nº 993/02 – D.O.M. de 19/07/2002), a medida aprovada seria, ainda assim, ilegal por pretender dispor sobre aspectos já disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 — artigos 6º, inciso III, e 31), ou seja, os requisitos para a oferta e apresentação de produtos ou serviços aos consumidores.
No expressivo dizer do insigne comercialista FÁBIO ULHOA COELHO, “Um dos princípios que pode ser extraído da disciplina das relações de consumo estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor é o da transparência. Prevê este princípio que o consumidor deve ter conhecimento da exata extensão das obrigações que ele e o fornecedor estão assumindo quando celebram o contrato. A transparência diz respeito tanto ao objeto oferecido quanto às condições negociais. Desta forma, a qualidade, quantidade, características, composição, preço, garantia, prazos de validade, origem e demais dados indispensáveis ou simplesmente úteis ao conhecimento do consumidor acerca do produto ou serviço que ele está adquirindo devem ser informados por quem faz a oferta ou apresentação. São cinco os requisitos estabelecidos pela lei para a informação a ser repassada ao consumidor: veracidade, clareza, precisão, ostentação e vernaculidade. Com estes requisitos, pretende o Código garantir a transparência nas relações de consumo.” (in COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Editora Saraiva – 1991 – págs. 150/151).
Impende observar, nesse passo, que “suplementar” significa acrescentar, complementar ou suprir uma ausência, jamais dispondo, contudo, em sentido diverso. Além disso, a competência atribuída aos Municípios para suplementar a legislação federal e estadual não é, por óbvio, ilimitada. Ao contrário, referida competência suplementar encontra-se materialmente circunscrita aos assuntos de interesse local, daí o seu não cabimento em se tratando de matéria pertinente a relações de consumo.
Em virtude dessas considerações, contrária ao interesse público seria, de outra parte, a eventual fiscalização, nessa área, por agentes integrantes da Administração Municipal, eis que tal atividade já é exercida pelos órgãos competentes da União e do Governo Estadual, acarretando um desserviço à população e ao comércio local em razão dos previsíveis transtornos ocasionados pela multiplicidade de autoridades fiscalizando a observância de idênticas condutas.
Nessas condições, demonstradas a inconstitucionalidade e a ilegalidade da medida, bem como a sua contrariedade ao interesse público, pelo que me vejo na contingência de vetá-la integralmente, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo