Razões do Veto ao Projeto de Lei nº 218/05
OF ATL nº 109/06
Ref.: OF-SGP23 nº 2196/2006
Senhor Presidente
Reportando-me ao ofício em referência, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 218/05, de autoria do Vereador Jooji Hato, que objetiva dispor sobre a regulamentação do serviço de entrega e coleta de pequenas cargas, mediante a utilização de motocicletas, denominado motofrete, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão do dia 31 de maio do corrente ano, sirvo-me do presente para comunicar minha deliberação pelo veto total do texto contido na medida, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
Em primeiro lugar, impende dizer que, ao pretender disciplinar o exercício da atividade de motofrete no âmbito do Município de São Paulo, a propositura avança, em alguns aspectos, sobre competência privativamente atribuída ao Chefe do Executivo, qual seja, a expedição de decretos e regulamentos para a fiel execução das leis, conforme previsto no artigo 84, inciso IV, parte final, da Constituição Federal, bem como no artigo 69, inciso III, parte final, da Lei Orgânica deste Município, com isso contrariando o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.
Com efeito, no caso em apreço, o Executivo, no exercício de seu poder regulamentar, expediu o Decreto nº 46.198, de 11 de agosto de 2005, dispondo sobre o serviço de transporte de pequenas cargas, denominado “motofrete”, em cumprimento ao artigo 63 da Lei nº 7.329, de 11 de julho de 1969.
Em outras palavras, a lei previu o desenvolvimento dessa atividade no âmbito local, remetendo, contudo, ao Executivo (parágrafo único do artigo 63 da Lei nº 7.329/69), o estabelecimento das demais condições pertinentes ao seu exercício, mediante a expedição do respectivo regulamento.
Ocorre que a medida aprovada contempla, em várias de suas disposições, normas de conteúdo tipicamente regulamentar, como são, por exemplo, as situações previstas no artigo 4º (especifica os requisitos que deverão ser preenchidos para obtenção do cadastramento), no artigo 9º (prevê que o cadastramento deverá ser renovado anualmente), no artigo 10 (estabelece as condições e características dos veículos a serem utilizados no exercício da atividade) e no artigo 11 (define as especificações dos compartimentos a serem utilizados no serviço de motofrete).
Essas disposições, como se pode apreender, dizem respeito a situações que, em decorrência de sua natureza, devem ser objeto de especificação ou definição em regulamento, ante a necessidade de sua constante adequação à dinâmica da Cidade, fazendo com que a atuação administrativa ocorra na mesma celeridade, circunstância esta que nem sempre se verificará quando referida adequação depender de prévia alteração de norma contemplada em lei, como é o caso que se apresenta.
Quanto aos demais dispositivos do projeto de lei cuja disciplina também concernem ao exercício da atividade de motofrete, cumpre asseverar que o seu conteúdo encerra comandos normativos menos esclarecedores ou funcionais do que os previstos no vigente Decreto n° 46.198, de 2005, pelo que, sob a ótica do interesse público, afigura-se mais adequada a manutenção das normas constantes desse regulamento, mormente por cominar, detalhadamente, as necessárias penalidades para a hipótese de seu descumprimento, o que não se verifica no texto vindo à sanção.
Por outro lado, inadmissível é, de igual modo, a conversão em lei do disposto nos artigos 14 e 15 da mensagem aprovada.
De fato, a utilização de corredores especiais de trânsito, como os atuais corredores exclusivos de ônibus, é matéria que se insere no disposto no artigo 24, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal n° 9.503, de 23 de setembro de 1997), cabendo sua regulamentação, portanto, aos órgãos e entidades executivos de trânsito do Município, o que desde já afasta a possibilidade de sua disciplina mediante lei. Essa a razão pela qual se impõe a negativa de sanção ao artigo 14 do projeto de lei em apreço, que permite a utilização dos corredores exclusivos de ônibus na Cidade de São Paulo por veículos das modalidades táxi e motocicleta.
Não se está aqui negando a existência de interesse social. Para cada caso e de acordo com a criteriosa avaliação das peculiaridades feita pelas áreas técnicas da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, o órgão de trânsito vem, ao longo do tempo, implantando medidas diferenciadas que podem ser adotadas, isolada ou conjugadamente, consoante as características dos locais a serem acessados.
A aprovação do projeto em questão obstaria ou, no mínimo, prejudicaria todas essas soluções administrativas, sempre fixadas em portarias específicas e/ou por sinalização própria, permitindo sua rápida alteração quando modificadas as condições do viário.
Portanto, as medidas de trânsito são implantadas rapidamente e é bom e certo que assim o sejam, tanto que o Diretor do Departamento de Operação do Sistema Viário do Município, por esse motivo, tem competência para sua imediata alteração. Tal não ocorreria, entretanto, se as normas de gerenciamento do trânsito estivessem previstas em leis, quer por serem estas de difícil alteração, quer por nem sempre traçarem a melhor solução para questões técnicas, como o são as de trânsito. Realmente, a implantação de faixas exclusivas para motocicletas, como também para outras modalidades de transporte, é questão eminentemente técnica e não pode ser viabilizada por meio de leis.
Saliente-se que a implantação das faixas exclusivas para ônibus teve um custo público considerável, não sendo cabível o desvirtuamento e a inviabilização do objetivo de sua criação, que é a priorização do transporte coletivo.
A abertura de precedentes é por demais perigosa, na medida que enseja o advento de novas exceções, findando por inviabilizar a própria regra. Ora, a implantação e a manutenção de faixas exclusivas de ônibus é muito importante em termos de fluidez de tráfego. Não faz sentido prejudicar a camada menos favorecida da população, que é a usuária do transporte coletivo, fazendo-a permanecer por mais tempo no trânsito, já bastante complicado em uma metrópole como São Paulo.
Não bastassem as razões ora expendidas, cumpre também ressaltar o perigo de atropelamento existente nas faixas de ônibus, especialmente nas que funcionam no contra-fluxo e no canteiro central. A população, de um modo geral, aprendeu a tomar cuidado ao atravessar essas vias. Porém, não se deve esquecer que o ônibus é um veículo de grande porte e, por isso mesmo, de mais fácil visualização, o que não ocorre com as motocicletas.
Não há também como sancionar, pela mesma razão, a proposta constante do artigo 15 do texto aprovado, que obriga a edição de norma municipal, no prazo de 90 (noventa) dias, regulamentando a implantação de estacionamentos gratuitos na área central da Cidade, exclusivos para motocicletas, de forma especial nas regiões da Praça da Sé, Praça da República, Avenida Paulista, Avenida São João, Estação da Luz, Largo da Concórdia, Rua Boa Vista, Largo Treze de Maio, Avenida Luiz Carlos Berrini, Rua Voluntários da Pátria, além de outros logradouros de interesse do público. Isso porque, de acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro, que normatiza conceitos e definições, trânsito é a movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres. Assim, cuidando-se a imobilização de veículos de trânsito e sendo o estacionamento uma forma de imobilização regular de veículos, ainda mais em se tratando de estacionamento público e gratuito, vê-se que, no conceito de trânsito, estão inseridos os estacionamentos a que se refere o projeto de lei em foco.
Vem à baila, portanto, uma vez mais, o disposto no inciso II do artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro, que veda ao legislador municipal competência para editar normas sobre estacionamentos de veículos, vez que atribui, exclusivamente, aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, conforme já se disse, no que se insere a regulamentação da implantação de estacionamentos em vias públicas.
Demais disso, tráfego, como é cediço, depende de uma engenharia complexa para seu bom funcionamento, sendo, aliás, fator deveras dinâmico, cuja mudança é contínua e necessária, tendo em vista a expansão e as constantes mudanças a que se submete a geografia municipal.
Por conseguinte, predeterminar locais de estacionamento em uma lei, engessaria os órgãos de trânsito, impedindo-os de proporcionar a melhor solução de tráfego aos administrados. Se assim fosse, o Poder Executivo se quedaria de mãos atadas e teria de manter estacionamentos que, futuramente, poderiam tornar-se inviáveis, inconvenientes e/ou nocivos ao tráfego e à população, e isso por força de uma lei municipal, o que seria inconcebível.
Nessas condições, evidenciadas as razões de ordem jurídico-legais e de interesse público que me compelem a vetar integralmente a medida aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo