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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 192/2007; OFÍCIO DE 30 de Julho de 2007

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 192/07

OF ATL nº 139/07

Ref.: Ofício SGP-23 nº 3367/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício acima referido, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão do último dia 28 de junho, relativa ao Projeto de Lei nº 192/07, de autoria do Vereador José Américo, que dispõe sobre a utilização dos Centros de Educação Unificados (CEUs) para a realização de cursos de ensino profissionalizante.

O intuito da iniciativa é, sem dúvida, meritório, na proporção em que expressa a preocupação de seu autor com tema relacionado à Educação, área que deve receber, sempre, do Poder Público, atenção máxima e empenho constante.

A medida aprovada, todavia, acaba por interferir diretamente na autonomia das escolas, especificamente no tocante à definição de seu Projeto Político-Pedagógico, restando indeclinável seu veto total, nos termos das razões a seguir aduzidas.

Para melhor compreensão da questão, faz-se mister examinar a legislação que rege a organização da educação nacional.

A Constituição Federal, cujos dispositivos relativos ao ensino acham-se disciplinados pela Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional – LDB, inovou a estrutura educacional brasileira, ao criar a possibilidade de os Municípios organizarem seu próprio sistema de ensino, entendido como “o conjunto de instituições de educação escolar – públicas e privadas –, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino – e de órgãos educacionais – administrativos e normativos –, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si como unidade, alicerçada em fins e valores comuns e garantida por normas elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo, e em constante interação com o meio em que se inserem”, conforme ensina Maria Timm Sari (“A Organização da Educação Nacional”, in “Direito à Educação: uma Questão de Justiça”, Malheiros Editores, 2004).

Como componente primordial desse sistema, nos termos dos artigos 12 e 15 da LDB, foi assegurada aos estabelecimentos de ensino, respeitadas as regras comuns e as de seu sistema de ensino, a incumbência de elaborar e executar seu Projeto Político-Pedagógico, mediante “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

Assim, por força de tal imperativo legal, vem sendo conferida às escolas municipais, gradativamente, a autonomia necessária para definir seu próprio Projeto Pedagógico, bem como os instrumentos que possibilitarão sua execução e os meios financeiros para a aquisição de materiais didáticos considerados adequados.

Compete, portanto, às unidades educacionais decidir a respeito de cursos e atividades a serem oferecidos, atendendo aos anseios e necessidades da população usuária, bem como definir a utilização e organização de seus espaços educativos, pelo que a imposição no sentido de que os Centros Educacionais Unificados – denominação correta dos equipamentos aos quais se refere o texto aprovado – sejam utilizados, preferencialmente, no período noturno, para o ensino profissionalizante, não apenas configura clara ingerência nas atribuições legais desses órgãos, ferindo sua autonomia, como também conflita com os princípios norteadores da LDB.

A este passo, impende assinalar que cada Centro Educacional Unificado – CEU conta, na sua estrutura, com uma Escola Municipal de Ensino Fundamental – EMEF, uma Escola Municipal de Educação Infantil – EMEI, um Centro de Educação Infantil – CEI, além de biblioteca, teatro, ateliês, sala multiuso, piscina, quadras poliesportivas, pista de “skate”, telecentro, espaços destinados à acomodação da gestão do CEU, secretaria, núcleos de ação educacional e cultural e núcleo de esporte e lazer.

As salas multiuso, como o próprio nome indica, são destinadas a diferentes atividades, tais como: reuniões internas, reuniões do Conselho Gestor, Clube de Mães, Espaço para Idosos, Associações e Colegiado de Integração.

As salas de aula das EMEIs e dos CEIs, embora ociosas no período noturno, são guarnecidas com mobiliário próprio para atendimento à educação infantil.

As salas de aula das EMEFs estão ocupadas no período noturno com o Ensino Fundamental, regular ou supletivo, destinadas ao atendimento do aluno-trabalhador.

Como deflui do exposto, os Centros Educacionais Unificados, no uso de sua autonomia, vêm definindo seus Projetos Pedagógicos e oferecendo os cursos relacionados e as atividades descritas, com utilização plena de seus espaços educativos, funcionando diariamente, de segunda a sexta-feira, das 7 às 22 horas e, aos sábados e domingos, das 8 às 20 horas, inclusive nos períodos de recessos e férias escolares. Nessa conformidade, estão tais equipamentos atuando em consonância com o que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu artigo 11, inciso V, segundo o qual os Municípios se incumbirão de “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Nessa esteira, a Prefeitura do Município de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação, vem envidando esforços para o pleno atendimento à demanda da educação infantil e, em parceria com o Estado, à demanda do Ensino Fundamental, inserindo-se os Centros Educacionais Unificados, como visto, nessa perspectiva, pelo que não se justifica atribuir-lhes, também, a incumbência cogitada no texto aprovado, como seja, a de franquear os seus espaços, no período noturno, para o ensino profissionalizante.

Neste ponto, pondero que, embora à Prefeitura do Município de São Paulo caiba, legalmente, atender à demanda de educação infantil e do Ensino Fundamental, não tem a Administração Municipal se quedado inerte diante da exigência, cada vez maior, de profissionalização dos jovens, tanto que, não nos Centros Educacionais Unificados, mas em outros estabelecimentos de ensino, a educação profissional é oferecida aos cidadãos que por ela buscam. Citem-se, então, a propósito, os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos – CIEJAs, nos quais os alunos têm a oportunidade de concluir o ensino fundamental e de freqüentar curso de formação inicial e continuada de trabalhadores; os Centros Municipais de Capacitação e Treinamento – CMCTs, com cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, que fazem jus, inclusive, à competente certificação; as Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio – EMEFMs, que oferecem o Ensino Médio e, em algumas de forma concomitante, cursos de educação profissional técnica de nível médio, conduzindo os alunos à diplomação, após conclusão com aproveitamento. Nos próprios Centros Educacionais Unificados está previsto, no Regimento Padrão, espaço destinado à chamada Padaria-Escola, com o objetivo de que sejam, nessa área específica, desenvolvidos projetos de formação profissional.

Em suma, seja por ferir a autonomia das escolas em, consoante seu Projeto Pedagógico, estabelecer suas ações e o uso de seus espaços, seja por imputar ao Município uma obrigação que, pela legislação magna da Educação, não incumbe, prioritariamente, a esse ente federativo, o projeto aprovado não encontra razões para prosperar, impondo-se, de fato, o veto que ora lhe aponho. E, se tanto não bastasse, há, ainda, o inafastável vício de iniciativa de que se encontra eivado o texto em comento, a obstar, inexoravelmente, a pretendida sanção.

Com efeito, ao interferir em atribuições próprias das unidades educacionais e da Administração Municipal, o projeto de lei que mereceu a aprovação dessa Casa dispõe sobre assunto vinculado à organização administrativa, cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes e obrigando-me, portanto, ao presente veto.

Destarte, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo