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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 166/2004; OFÍCIO DE 23 de Novembro de 2009

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 166/04

OF. ATL nº 143/09

Ref.: Ofício SGP-23 nº 03751/2009

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, referente ao Projeto de Lei nº 166/04, de autoria do Vereador Goulart, que proíbe a exibição de cenas de violência ou sexo nas publicidades, filmes, documentários e “trailers” que antecedem o início das películas destinadas ao público infantil e infantojuvenil nos cinemas, cinematecas e salas de projeções no Município de São Paulo.

De acordo com a justificativa apresentada por seu autor, a propositura tem o objetivo de disciplinar as exibições de películas cinematográficas que antecedem as sessões de cinema destinadas ao público acima indicado, pretendendo, especificamente, impedir que cenas que incentivem a violência ou apelem para o estímulo sexual sejam exibidas a indivíduos que estão em fase de desenvolvimento, respeitando-se, assim, a censura definida para o filme em cartaz.

Em que pese seu nobre intuito, a propositura não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

O projeto de lei aprovado, além de impor a vedação já referida, faculta a qualquer cidadão fiscalizar o seu cumprimento, devendo a denúncia ser formalizada por escrito e protocolada na Subprefeitura competente, sujeitando-se o infrator a penas de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e fechamento administrativo na reincidência.

De fato, não há como negar que o texto vindo à sanção excede a esfera de atribuições legais do Município, vez que legisla sobre propaganda, diversões e espetáculos públicos, dispondo sobre matérias que, por força dos mandamentos constitucionais inscritos nos artigos 22, inciso XXIX, e 220, § 3º, inciso I, da Carta Magna, incluem-se nas competências legislativas exclusivas da União.

Como se sabe, compete privativamente à União legislar sobre propaganda comercial, diversões e espetáculos públicos, bem como exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e programas de rádio e televisão, nos termos do inciso XVI do artigo 21 da Constituição Federal. Cabe à lei federal regular as diversões e espetáculos, incumbindo ao Poder Público informar sobre a sua natureza, as faixas etárias a que não se recomendam, os locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

A propósito, o Ministério da Justiça, no exercício das competências a ele conferidas pelo artigo 1º, inciso I, e artigo 8º, inciso II, do Anexo I dos Decretos Federais nº 5.834, de 6 de julho de 2006, e nº 6.061, de 15 de março de 2007, editou a Portaria nº 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamenta o exercício da Classificação Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, dvd, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres .

Referida portaria prevê, em seu artigo 5º, que a classificação indicativa será exercida pelo Ministério da Justiça nos termos da legislação, segundo critérios de sexo e violência descritos no Manual de Classificação Indicativa aprovado pela Portaria nº 8, de 6 de julho de 2006, da Secretaria Nacional de Justiça.

Seu artigo 6º preceitua que todo cidadão interessado está legitimado a averiguar o cumprimento das normas de Classificação Indicativa, podendo encaminhar ao Ministério da Justiça, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e ao Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA representação fundamentada nas obras e diversões abrangidas pela citada portaria.

Já o texto vindo à sanção estabelece, em seu artigo 2º, que a denúncia, apresentada por qualquer cidadão apto a fiscalizar o cumprimento da lei, deverá ser formalizada por escrito e protocolada na “Subprefeitura correspondente à sala de exibição infratora”, incorrendo em evidente ilegalidade, ao atribuir ao mencionado órgão municipal competência que a legislação federal que rege o assunto destina a outros entes. A par disso, imiscui-se no campo da organização administrativa, invadindo a esfera de atribuições privativas do Executivo, estampadas no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, em ofensa ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.

Além dessas normas, também o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) contempla, em seus artigos 70 a 80 e 252 a 258, todas as disposições necessárias ao tratamento normativo do assunto.

Cabe ressaltar que, na hipótese específica de que trata a propositura em comento, o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe, em seu artigo 255, rigorosa sanção a quem “exibir filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo”, consistente em multa de 20 (vinte) a 100 (cem) salários de referência; na reincidência, a autoridade poderá determinar a suspensão do espetáculo ou o fechamento do estabelecimento por até 15 (quinze) dias, incidindo, assim, o artigo 3º do texto aprovado em “bis in idem”, ao estipular nova multa para a mesma infração.

Finalmente, é oportuno lembrar que a exibição de trailers de filmes impróprios para crianças, nos espetáculos em que seja permitido seu ingresso, já se encontra vedada de longa data pela Lei Federal nº 5.267, de 17 de abril de 1967, cujo artigo 1º, parágrafo único, determina que a idade mínima que for estipulada para o filme principal será obedecida para todos os complementos.

Resta patente, pois, que a propositura aprovada desborda dos limites impostos constitucionalmente ao Município para suplementar a legislação federal e estadual, disciplinando questão que não se circunscreve ao interesse local, haja vista que o tema transcende o âmbito municipal, sendo objeto de extensa normatização federal, que lhe confere disciplina própria, com a qual não se coaduna o projeto em comento.

Assim, à vista das razões ora explicitadas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, por sua inconstitucionalidade e ilegalidade, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

 

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo