Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 136/01
Ofício ATL nº 048/03
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0765/2002, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 19 de dezembro de 2002, relativa ao Projeto de Lei nº 136/01, de autoria do nobre Vereador Antonio Paes¬ – Baratão.
Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
A propositura obriga as farmácias, unidades básicas de saúde, hospitais, drogarias e estabelecimentos que comercializem medicamentos a afixarem cartazes contendo a relação atualizada dos genéricos, sob pena de multa, atribuindo ao Executivo Municipal os ônus da fiscalização e do fornecimento de tais cartazes, periodicamente, sempre que alterada a listagem pelo Ministério da Saúde.
Resta evidente, pois, que a mensagem aprovada versa sobre proteção e defesa da saúde, incidindo em flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, por exceder os limites da competência do Município para dispor sobre esse assunto.
Como se sabe, a competência para legislar sobre questões relacionadas à proteção e defesa da saúde cabe concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, tendo a Constituição da República outorgado aos Municípios competência para disciplinar a matéria apenas em caráter suplementar, vale dizer, adaptando seu ordenamento local às legislações federal e estadual, no que couber, por força do disposto em seus artigos 24, inciso XII e 30, inciso II.
Assim, o Ministério da Saúde, por intermédio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, editou a Resolução RDC nº 99, publicada no Diário Oficial da União de 22 de novembro de 2000, a qual obriga os estabelecimentos que dispensam medicamentos, nos termos da Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, a manter exposta em local de fácil visualização, a relação atualizada dos genéricos, divulgada mensalmente pela referida autarquia, sob pena das sanções previstas na Lei Federal nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, e demais normas aplicáveis, estabelecendo, ainda, no parágrafo único de seu artigo 2º, que a ANVISA fornecerá a esses estabelecimentos o material necessário à sua publicidade.
Cumpre anotar que a Lei Federal nº 5.991/73, em seu artigo 4º, inciso XV, conceitua dispensação como o “ato de fornecimento ao consumidor de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, a título remunerado ou não”, sendo ato privativo de farmácias, drogarias, postos de medicamento, unidades volantes e dispensários, nos expressos termos do artigo 6º da mesma lei.
No que concerne aos dispensários de medicamentos, definidos no inciso XIV do artigo 4º da lei supracitada como os setores de fornecimento de medicamentos industrializados, privativos de pequenas unidades hospitalares ou equivalentes, abrangendo, pois, os hospitais públicos e as unidades básicas de saúde, o assunto está igualmente disciplinado na esfera estadual, tanto pela Lei Complementar Estadual nº 791, de 9 de março de 1995 (que estabelece o Código de Saúde do Estado de São Paulo), em seu artigo 24, § 9º, quanto pela Lei Estadual nº 10.083, de 23 de setembro de 1998 (que dispõe sobre o Código Sanitário do Estado de São Paulo), no parágrafo único de seu artigo 40, segundo os quais a direção estadual do SUS fará afixar em todos os dispensários a lista de medicamentos identificados por sua denominação genérica.
Vê-se, portanto, que a matéria está amplamente regulamentada quer por legislação federal quer por leis estaduais, cabendo sua execução, fiscalização e fornecimento de material de divulgação aos órgãos federal e estadual acima citados, e não ao Município.
Ademais, é imperioso observar que, a par do texto aprovado conter disciplina diversa da normatização federal e estadual, seu artigo 3º, que estabelece pena de multa, reveste-se de reiterada ilegalidade, vez que a Resolução RDC nº 99/2000 já remete os infratores às penalidades cominadas na Lei Federal nº 6.437/77 e na legislação aplicável, não podendo tal dispositivo prevalecer, por configurar “bis in idem”, com evidente sobreposição de sanções pela mesma infração, o que é vedado à lei.
Por outro lado, ao atribuir ao Executivo os encargos de fiscalização da medida e de fornecimento de cartazes, resta patente que o texto aprovado dispõe sobre questão relativa à organização administrativa, a serviços públicos e à matéria orçamentária, impondo novas atribuições e encargos para órgãos municipais, com interferência em suas atividades e funções, o que é defeso ao Legislativo, por expressa disposição legal.
Ressalte-se, ainda, que a distribuição de cartazes, prevista no parágrafo único do artigo 2º da medida, pressupõe a existência de verbas, envolvendo, pois, matéria orçamentária.
Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.
Não obstante as razões de inconstitucionalidade e ilegalidade sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto vindo à sanção, a medida acaba por incorrer também em impropriedades e em contrariedade ao interesse público.
Releva ressaltar que a regra consubstanciada no artigo 1º da mensagem não é passível de aplicação com relação às unidades básicas de saúde e aos hospitais públicos, posto que estes não comercializam medicamentos mas, sim, os distribuem gratuitamente à população, estando sujeitos à legislação estadual específica, já indicada.
A par disso, a medida determinada no parágrafo único do artigo 2º acaba por onerar seriamente os cofres municipais, eis que o fornecimento de cartazes permanentemente atualizados a tão numerosos estabelecimentos demanda expressivo montante de verbas, importando evidente aumento de despesas, sem contar, todavia, com a correspondente indicação de recursos, achando-se francamente em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16.
Ademais, é imperioso destacar que o dispêndio de tais recursos far-se-ia sem benefício da população, vez que o assunto já recebe o adequado tratamento dos órgãos públicos federais e estaduais competentes, impondo injustificado ônus ao Município, o que não se coaduna com o interesse público.
Por conseguinte, em que pese seu nobre intuito, o texto aprovado, além de eivado de insanáveis vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, desatende ao interesse público, razões pelas quais vejo-me compelida a apor-lhe veto integral, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo