CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 106/2002; OFÍCIO DE 27 de Novembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 106/02

Ofício ATL nº 743/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0648/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 106/02, de autoria do Vereador Augusto Campos, que dispõe sobre a proibição aos circos e casas de espetáculos de manutenção, confinamento, transporte, adestramento e exibição de animais da fauna silvestre brasileira e exótica.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A propositura proíbe os circos e casas de espetáculos de manter, confinar, transportar, adestrar e exibir animais da fauna silvestre brasileira e exótica, determinando que os animais que se encontrem nessas condições sejam encaminhados a instituições como o Zoológico e o Simba Safári para “tratamento e ambientalização adequados a cada espécie”. Fixa, ainda, prazo máximo de 60 (sessenta) dias para que tais estabelecimentos se adeqüem a essas disposições, sob pena de apreensão dos animais mantidos em cativeiro e multa de R$5.000,00 (cinco mil reais), dobrada na reincidência, suspensão temporária da autorização de funcionamento e sua cassação no caso de um terceira infração.

Resta evidente, pois, que a mensagem aprovada versa sobre fauna e proteção ao meio ambiente, incidindo em patente inconstitucionalidade e ilegalidade, por extrapolar os limites da competência do Município para dispor sobre o assunto.

Como se sabe, a competência para legislar sobre questões relacionadas à fauna e à proteção do meio ambiente cabe concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, tendo a Constituição da República outorgado aos Municípios competência para disciplinar a matéria apenas em caráter suplementar, vale dizer, adaptando seu ordenamento local às legislações federal e estadual, no que couber, por força do disposto em seus artigos 24, inciso VI, e 30, inciso II.

Assim, regulando o assunto, foi editada a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

A lei supracitada tipificou, em seu artigo 32, como crime contra a fauna, “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, cominando a tais ilícitos penas de detenção e multa.

Todavia, cumpre ressaltar que o referido diploma legal não proíbe as condutas descritas no artigo 1º do texto ora vetado, não sendo facultado ao Município fazê-lo, haja vista que, ao assim proceder, estaria excedendo o âmbito de sua competência para legislar sobre a matéria em caráter suplementar, restrita, como já dito acima, a adaptar seu ordenamento local à legislação federal.

Desse modo, ao proibir, de forma geral, a exibição de animais da fauna silvestre brasileira e exótica, a propositura contraria a normatização federal vigente, segundo a qual a vedação somente seria aplicável quando comprovada a prática de maus-tratos ou crueldade aos animais.

Aliás, cabe destacar que a proteção jurídica consubstanciada na aludida lei federal tem maior abrangência e eficácia, vez que se destina a todos os animais, incluindo os domésticos, os domesticados e os nativos, enquanto o texto aprovado dirige-se exclusivamente aos silvestres e exóticos.

Da mesma forma, a mensagem aprovada acha-se em desconformidade com o disposto no § 1º do artigo 188 da Lei Orgânica do Município, o qual somente proíbe os eventos e espetáculos que envolverem maus-tratos e crueldade contra os animais, em plena consonância, portanto, com a legislação federal.

Por outro lado, a par de sua inconstitucionalidade, o artigo 2º da medida incorre em evidente impropriedade técnica, ao mencionar, como destinatários dos animais apreendidos, instituições como o Zoológico e o Simba Safári.

Com efeito, a Fundação Parque Zoológico de São Paulo é instituição vinculada à Secretaria de Esportes e Turismo do Governo do Estado de São Paulo, não cabendo ao Município atribuir ônus e responsabilidades a ente pertencente a outra esfera de governo.

O mesmo ocorre com o Simba Safári, parque explorado por empresa privada que encerrou seu contrato em 2001, passando também a ser operado pela Fundação Zoológico.

Ademais, conforme esclareceu seu Diretor-Presidente, no Ofício FPZSP nº 070/2002 – Pres/mjc, datado de 9 de abril de 2002, a Fundação Zoológico deve atender às normas emanadas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e ao próprio regramento, estabelecido com base em sua plena autonomia administrativa, que define sob quais condições a fundação deve absorver animais para compor seu acervo, bem como os procedimentos adotados para manter as várias espécies animais que o constituem, restando descartada a providência aventada no citado artigo 2º.

O texto ora vetado invade, portanto, a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre a matéria, não se inserindo no âmbito do poder de polícia municipal, posto que, contrariamente ao entendimento constante do parecer nº 656/2002, exarado pela Comissão de Constituição e Justiça dessa Egrégia Câmara Municipal, publicado no Diário Oficial do Município em 18 de outubro de 2003, a matéria nele versada não trata de assunto relacionado à ordenação da vida urbana em suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar da população, nem tampouco de interesse local, pois transcende o âmbito do Município, sendo objeto de legislação federal.

Resulta claro que a propositura exorbita a competência municipal para disciplinar o funcionamento de estabelecimentos e atividades, a qual se circunscreve às normas urbanísticas em geral e às relativas ao uso e ocupação do solo, concernentes à sua estabilidade, funcionalidade, segurança e salubridade, sendo vedado à legislação municipal impor, nesse campo, condições alheias à sua esfera de atribuições.

Ademais, é imperioso observar que, a par do texto ora vetado achar-se em descompasso com a normatização federal, seu artigo 4º, que estabelece sanções, padece de evidente ilegalidade, vez que a Lei Federal nº 9.605, de 1998, já define, em seu artigo 32, as penalidades correspondentes à prática de maus-tratos e crueldade contra os animais.

Destarte, o artigo 4º da mensagem aprovada não pode prevalecer, por configurar “bis in idem”, com evidente duplicidade de sanções, o que é vedado à lei.

Finalmente, é mister lembrar que os zoológicos já dispõem, em seus acervos, de elevado número de animais empregados habitualmente em espetáculos circenses, que são de difícil manutenção e alojamento, tais como leões, tigres, elefantes e chimpanzés. Na maioria dos casos, não poderão tais estabelecimentos receber, prontamente, animais apreendidos de circos, vez que, ao fazê-lo, incidirão em descumprimento às normas contidas na Lei Estadual nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, que dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de Jardins Zoológicos, sujeitando-se à aplicação das penalidades nela previstas.

Nesse sentido, é forçoso concluir que, a par dos óbices já apontados, a execução da medida restaria praticamente inviável, por gerar situações de difícil equacionamento, especialmente se considerado o exíguo prazo concedido em seu artigo 3º para as providências de adequação, afigurando-se, pois, em desconformidade com o interesse público.

Por conseguinte, pelas razões ora expendidas, vejo-me compelida a não acolher o texto aprovado, vetando-o na íntegra, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, ante os incontornáveis vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público que o maculam.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo