Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 230/06
RAZÕES DE VETO
Ofício A.T.L. nº 211, de 8 de dezembro de 2006
Ref.: Ofício SGP-23 nº 4286/2006
Senhor Presidente
Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou a esta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara na sessão de 31 de outubro de 2006, relativa ao Projeto de Lei nº 230/06, de autoria do Vereador Carlos Alberto Bezerra Jr., que dispõe sobre o Programa Municipal de Conscientização e Combate à Violência contra Crianças e Adolescentes.
O programa visa realizar campanhas e ações de conscientização sobre os males da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes - utilizando recursos técnicos adequados para a mais ampla divulgação -, dirigidas à população em geral, prevendo, também, palestras de treinamento a servidores públicos municipais e membros dos Conselhos Tutelares. Estabelece os conteúdos que deverão ser ministrados nas palestras, preocupando-se sobretudo com a linguagem adequada no trato com as crianças e jovens, ajustada ao respectivo grau de entendimento e escolaridade. Finalmente, determina divulgação de estudos e projetos de enfrentamento a maus-tratos.
Acolhendo a propositura, por seu inegável interesse público, vejo-me compelido a apor veto ao inteiro teor dos artigos 3º e 4º do texto aprovado, pelas considerações a seguir expendidas.
Com efeito, os dispositivos vetados interferem diretamente no Sistema Municipal de Ensino, alcançando estabelecimentos privados, além de determinar temas que deverão ser ministrados a alunos de escolas públicas e privadas, bem como o método de abordagem - mediante "campanhas" expressando-se em "linguagem adequada" - deixando portanto de prever outros elementos contemplados no projeto pedagógico de cada estabelecimento escolar.
Desconsiderou, portanto o sistema previsto na organização da Educação nacional, com raízes na Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que, ao estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional, inovou a estrutura educacional brasileira ao criar a possibilidade de os Municípios institucionalizarem seu próprio sistema de ensino, entendido como "o conjunto de instituições de educação escolar - públicas e privadas, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino - e de órgãos educacionais - administrativos e normativos -, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si como unidade, alicerçada em fins e valores comuns e garantida por normas elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo, e em constante interação com o meio em que se inserem", como ensina Maria Timm Sari ("A Organização da Educação Nacional", in "Direito à Educação: Um Questão de Justiça", Malheiros Editores, 2004).
No caso específico dos artigos 3º e 4º da propositura, não obstante sua relevância, impende considerar que à autonomia de cada instância escolar cabe decidir de que forma serão ministrados os ensinamentos que visam a orientação e mesmo autoproteção de crianças e adolescentes. De fato, a abordagem do tema dependerá, à evidência, das diretrizes estabelecidas no Projeto Político-Pedagógico da unidade escolar, no qual se deliberará a respeito da melhor estratégia para alcançar os objetivos didáticos e socioeducativos.
Nesse particular, é de se destacar o Programa "São Paulo é uma Escola", regido pelo Decreto nº 46.210, de 15 de agosto de 2005, que consiste na oferta aos alunos de atividades de caráter educacional, social e esportivo, além do período regular de aulas, inseridas em horários pré e pós-escola, nos finais de semanas, feriados, recessos e férias escolares. O programa tem como premissa o fortalecimento "de atitudes que resultam num processo formativo que envolve o saber ouvir, saber falar para o coletivo, argumentar, aprender a respeitar o ponto de vista alheio, a tomada de decisão coletiva, a construção de consensos possíveis para o desenvolvimento dos projetos, o enfrentamento ético dos conflitos, como pressuposto do fortalecimento das relações democráticas".
Integram-se ao Programa "São Paulo é um Escola" diversos outros, alguns deles direcionados exatamente ao objetivo da propositura, como se constata do Programa de Prevenção da Violência nas Escolas e dos Projetos de Educação Sexual.
A propósito, registre-se finalmente que, nos termos do Sistema Municipal de Ensino, em consonância com o exposto a respeito de seu enquadramento na Organização da Educação Nacional, a atribuição de definir conteúdos está a cargo do Conselho Municipal de Educação - CME, criado nos termos da Lei nº 10.429, de 24 de fevereiro de 1988.
Por conseguinte, ante as razões expostas, aponho veto parcial ao texto aprovado, atingindo os artigos 3º e 4º, em seu inteiro teor, com fulcro no artigo 42, § 1, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara, renovando a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB, Prefeito
Ao Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo