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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 116/2000; OFÍCIO DE 21 de Maio de 2001

Razões de veto ao Projeto de Lei nº 116/2000.

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 116/00

Ofício A.T.L. nº 098, de 21 de maio de 2001

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº l8/Leg.3/0213/2001, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de abril de 2001, relativa ao Projeto de Lei nº 116/00 .

De autoria do nobre Vereador Roberto Trípoli, o projeto disciplina a criação, propriedade, posse, guarda, uso e transporte de cães e gatos no Município de São Paulo.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, impõe-se veto parcial ao texto aprovado, nos termos do disposto no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, atingindo:

a) por inconstitucionalidade: o inteiro teor do artigo 7º e seus parágrafos, que dispõem sobre o registro de animais em trânsito; a expressão "bem como as cópias de documentos fornecidos para animais em trânsito, sob pena de descredenciamento", inserida no artigo 10; o inteiro teor da alínea "b" do artigo 12; a expressão "comprovantes de esterilização dos machos ou das fêmeas (preferencialmente de todos)" inserida no § 4º do artigo 18; a expressão "ficando obrigado a registrar seu canil ou gatil no órgão municipal responsável pelo controle de zoonoses e solicitar a respectiva licença", contida no "caput" do artigo 19, bem como o inteiro teor de seus § § 1º e 2º, incisos I, II e III; o inteiro teor do artigo 20, a expressão "assim como deixar de ministrar-lhes assistência veterinária por profissional habilitado, quando necessário", constante da alínea "b" do artigo 30; o inteiro teor da alínea "f" e do parágrafo único do mesmo artigo 30;

b) por contrariedade ao interesse público: a palavra "sofrimento" inserida na alínea "a" do artigo 30; a expressão "assim como deixar de ministrar-lhes assistência veterinária por profissional habilitado, quando necessário",constante da alínea "b" do mesmo artigo; a frase "criá-los, mantê-los ou expô-los em recintos exíguos ou impróprios, bem como", inserida na alínea "d" do mesmo dispositivo; o inteiro teor das alíneas "f" e "g" do referido artigo.

Pela natureza do gravame, urge primeiramente proceder a análise dos dispositivos eivados de inconstitucionalidade, ante os insanáveis vícios de que padecem.

Como se sabe, as questões relativas ao uso e guarda de animais constituem assunto de interesse local e, portanto, incluem-se na competência municipal.

Todavia, as matérias versadas nos artigos citados da propositura em foco, arrolados na letra "a" do presente, excedem a competência do Município, inserindo-se no âmbito da competência da União e dos Estados.

Consoante dispõe o artigo 24, em seus incisos VI e XII, da Constituição Federal, compete à União e aos Estados legislar concorrentemente sobre fauna e proteção do meio ambiente, bem como sobre proteção e defesa da saúde, sendo oportuno lembrar que o artigo 188 da Lei Orgânica do Município de São Paulo considera todos os animais domésticos como integrantes da fauna local.

Assim, no que tange ao artigo 7º da propositura, observa-se existir legislação federal e estadual em vigor, regendo a matéria, consubstanciada no Decreto Federal nº 24.546, de 3 de julho de 1934 e no Decreto Estadual nº 40.400, de 24 de outubro de 1995. Este estabelece, em seus artigos 40 a 45, para animais em trânsito, a obrigatoriedade de apresentação de certificado de vacinação obrigatória contra a raiva e atestado de sanidade do animal, emitidos por veterinário oficial ou credenciado, de conformidade com o preceituado na legislação federal (Decreto Federal nº 24.546/74, Decreto-Lei Federal nº 24.645/34 e Resolução nº 656, de 13 de setembro de 1999, do Conselho Federal de Medicina Veterinária).

Por conseguinte, além de invadir a esfera de competência legislativa reservada à União e aos Estados, a disposição introduzida no artigo 7º mostra-se inoportuna, por já haver legislação federal e estadual sobre a matéria.

Os mesmos motivos fundamentam o veto à expressão "bem como as cópias de documentos fornecidos para animais em trânsito, sob pena de descredenciamento", inserida no artigo 10 e o inteiro teor da alínea "b" do artigo 12, todos relativos ao mesmo assunto.

No que concerne ao veto à expressão "comprovantes de esterilização dos machos ou das fêmeas (preferencialmente de todos)", prevista no § 4º do artigo 18 como um dos requisitos para a obtenção de licença especial e excepcional visando à autorização para manter mais de 10 (dez) cães e gatos em residência particular, não ultrapassando o total de 15 (quinze), cabe assinalar que o método de controle de natalidade não pode ser imposto, nem restrito tão- somente à esterilização, já que fere o livre arbítrio do cidadão, configurando ingerência à liberdade individual, garantida constitucionalmente. Ademais, as ações permanentes de proteção e controle da natalidade animal competem exclusivamente ao Poder Executivo, motivo pelo qual padece a disposição também de vício de iniciativa, violando a previsão contida no art. 37, § 2º, Inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Também merecem veto a expressão "ficando obrigado a registrar seu canil ou gatil no órgão municipal, responsável pelo controle de zoonoses e solicitar a respectiva licença", constante do "caput" do artigo 19, bem como o inteiro teor de seus §§ 1º e 2º, incisos I, II e III e do artigo 20, que dizem respeito a providências para obtenção de licença para canil ou gatil, à obrigatoriedade destes contarem com médico veterinário responsável pelos animais e à aplicação de multas em caso de seu descumprimento.

Ocorre que tais disposições extrapolam a matéria de competência municipal, já que cabe à União legislar sobre condições para o exercício de profissões, a teor do disposto no inciso XVI do artigo 22 da Constituição Federal, e ao Estado sobre proteção e defesa da saúde, inclusive sanitária, consoante o inciso XII do artigo 24 da Carta Magna.

Nesse sentido, releva destacar-se a abundante legislação federal disciplinando o exercício desse tipo de atividade e comércio, estabelecendo requisitos, exigências e procedimentos para o registro dos respectivos estabelecimentos, assim como sua fiscalização e aplicação de sanções pelo competente Conselho Regional de Medicina Veterinária, contida na Lei Federal nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, regulamentada pelo Decreto Federal nº 64.704, de 17 de junho de 1969, e nas Resoluções nº 656, de 13 de setembro de 1999, nº 670, de 10 de agosto de 2000, e nº 672, de 16 de setembro de 2000, todas do Conselho Federal de Medicina Veterinária.

No âmbito da competência do Estado, cumpre ainda apontar a existência dos Decretos Estaduais nº 12.342, de 27 de setembro de 1978, e nº 40.400, de 24 de outubro de 1995, o qual dispõe sobre as condições de funcionamento de estabelecimentos veterinários, determinando as exigências mínimas de instalações, de uso de radiações, de uso de drogas, de medidas necessárias para o trânsito de animais e do controle de zoonoses. Finalmente, destaca-se a Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998, que dispõe sobre o Código Sanitário do Estado. Este, em seus artigos 92, "caput" e 96, "caput" e § 1º, assim estabelece:

Art. 92 - "Os profissionais das equipes de Vigilância Sanitária e Epidemiológica, investidos das suas funções fiscalizadoras, serão competentes para fazer cumprir as leis e regulamentos sanitários, expedindo termos, autos de infração e imposição de penalidades, referentes à prevenção e controle de tudo quanto possa comprometer a saúde ".(grifou-se).

"Art. 96 - Nenhuma autoridade sanitária poderá exercer as atribuições do seu cargo sem exibir a credencial de identificação fiscal, devidamente autenticada, fornecida pela autoridade competente".

"§ 1º - Fica proibida a outorga de credencial de identificação fiscal a quem não esteja autorizado em razão de cargo ou função, a exercer ou praticar, no âmbito da legislação sanitária, atos de fiscalização."

Como se vê claramente, o registro e a fiscalização desses estabelecimentos refoge, por completo, à competência do Município, cabendo tais atribuições aos Conselhos Federal e Regional de Medicina Veterinária e ao órgão estadual responsável pela Vigilância Sanitária e Epidemiológica, por expressa previsão legal.

Por outro lado, a disposição contida no parágrafo único do artigo 30 afigura-se manifestamente ilegal, por conferir ao agente sanitário atribuições para definir condutas passíveis de tipificação penal, como crime ambiental, o que só à lei é permitido fazer. Além desse aspecto, é imperioso ponderar que o dispositivo incorre em flagrante inconstitucionalidade, posto que somente à União incumbe legislar sobre Direito Penal, conforme determina a Carta Magna, em seu artigo 22, inciso I, motivos esses que me impelem a vetá-lo.

Não obstante as razões de inconstitucionalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto parcial ao texto vindo à sanção, exsurgem outros óbices, atentando contra o interesse público de que deve revertir-se a medida para converter-se em lei.

Primeiramente, há que salientar-se que, por contrariedade ao interesse público, deve ser excluída do texto aprovado a palavra "sofrimento" da alínea "a" do artigo 30, por tratar-se de conceito subjetivo, passível de interpretações variáveis. A par disso, verifica-se que, nessa mesma alínea e também na "b", acham-se minudentemente discriminados os atos e situações causadores de sofrimento, corroborando, pois, a pertinência da exclusão dessa palavra do texto legislativo.

Igualmente contrário ao interesse público a expressão "assim como deixar de ministrar-lhe assistência veterinária por profissional habilitado, quando necessário", constante da alínea "b" do referido artigo 30, em razão da impossibilidade de seu atendimento por proprietários de animais pertencentes à classe sócio-econômica menos favorecida. É evidente que a ausência de assistência veterinária adequada por falta de recursos e condições materiais não constitui comportamento omisso, negligente ou desidioso, imputáveis ao proprietário carente, não podendo caracterizar maus-tratos ao animal, nem ensejar a aplicação das sanções previstas no artigo 31.

Também merece veto a frase "criá-los, mantê-los ou expô-los em recintos exíguos ou impróprios, bem como", inserida na alínea "d" do mesmo dispositivo, por despicienda e redundante, visto que as condições apropriadas para alojamento desses animais já se acham bem definidas na letra "b" do artigo 30.

Bem assim, comporta veto o inteiro teor da alínea "f" do artigo supracitado, que define como maus-tratos deixar de socorrer esses animais em casos de atropelamentos e/ou acidentes domésticos.

Com efeito, há que atentar-se para os elevados riscos a que se expõe o cidadão para socorrer um animal atropelado em vias públicas, destacando-se a complexidade do trânsito agitado de nossa cidade. Ademais, não haveria como individualizar essa responsabilidade, vez que inúmeras pessoas transitam pela via pública sede do fato.

Além disso, é imperioso ressaltar que a prática de maus-tratos contra animais domésticos configura crime ambiental contra a fauna, disciplinado no artigo 32 da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Importa observar que, ao conceituar como maus-tratos as situações tratadas nas alíneas "b" (no que se refere exclusivamente à deixar de ministrar-lhes assistência veterinária por profissional habilitado, quando necessário) e "f" (deixar de socorrê-los no caso de atropelamento e/ou acidentes domésticos) do artigo 30, os dispositivos ora vetados, em verdade, acrescentam novas condutas omissivas, sujeitas a enquadramento e sanção penal, inclusive não previstas na mencionada Lei Federal nº 9.605/98 (a qual tipifica apenas condutas comissivas), dispondo sobre matéria estranha à orbita do Município, já que compete exclusivamente à União legislar sobre Direito Penal, consoante estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I.

Desse modo, a par de claramente contrários ao interesse público, tais dispositivos padecem de insanável vício de inconstitucionalidade , impondo-se sua exclusão do texto vindo à sanção.

Finalmente, merece veto a alínea "g" do artigo 30, em seu inteiro teor. Tendo-se em vista que a morte por envenenamento só pode ser comprovada por laudo técnico especializado, não disponível no Centro de Controle de Zoonoses, inviável ao agente sanitário constatar a prática desse ato.

Destarte, as razões ora aduzidas impedem-me de acolher, na íntegra, o texto vindo à sanção, compelindo-me a vetá-lo parcialmente, nos termos acima expendidos, com fulcro no disposto no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, sem, contudo, descaracterizar sua essência e objetivos.

Por derradeiro, louvo os inegáveis méritos da propositura, que contribuirá sobremaneira para o desenvolvimento de uma política humanizada no controle da raiva e no tratamento digno aos animais a que destina.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.

MARTA SUPLICY, Prefeita

Ao Excelentíssimo

Senhor José Eduardo Martins Cardozo

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo